Álvaro Araújo: «O dinheiro existe, haja engenharia para o utilizar a tempo e horas»

Vila Real de Santo António tem a mais “cara” Estratégia Local de Habitação do Algarve e uma das mais elevadas do país

Álvaro Araújo, presidente da Câmara de VRSA – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

Um dos grandes problemas do concelho de Vila Real de Santo António (VRSA) é o da habitação, seja ela social, seja para a classe média. Não é, como se sabe, um problema exclusivo deste município, nem sequer do Algarve, mas aqui, por questões que têm a ver com a estrutura social, a carência de casas é ainda mais grave.

De tal forma que a Estratégia Local de Habitação, no âmbito do «Programa de Apoio ao Acesso à Habitação – 1.º Direito», já aprovada, por unanimidade, pela Assembleia Municipal e em vias de ser ratificada pela Secretaria de Estado da Habitação e pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), atinge neste concelho o valor mais alto do Algarve e um dos mais elevados do país: 101 milhões de euros.

O Sul Informação entrevistou Álvaro Araújo (PS), eleito em Outubro passado como presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, tendo a questão da EHL sido um dos principais temas abordados.

Sul Informação – Um dos grandes problemas de VRSA, desde há muitos anos, é o da Habitação. O Município viu, há poucos dias, aprovada a sua Estratégia Local de Habitação, no valor de 101 milhões de euros, uma das verbas mais altas do país. Isso significa que este é mesmo um problema grave no concelho?

Álvaro Araújo – Toda a gente percebia que havia um problema gravíssimo em termos de habitação social e de falta de habitação para a classe média, e que os anos iam passando e nada se fazia. Quando saiu esta medida do 1º Direito e a necessidade de elaborar as Estratégias Locais de Habitação, a grande maioria das Câmaras do Algarve e do país foram elaborando a sua Estratégia, que não é mais que um diagnóstico da situação habitacional do concelho. Esse instrumento permite que o Município e os próprios munícipes se possam candidatar aos apoios, nomeadamente o programa «1ºDireito».
Esse trabalho não estava feito, só começou a ser feito durante a campanha eleitoral, porque nós viemos para o terreno denunciar a situação gravíssima em que Vila Real se encontrava por não ter a estratégia sequer a ser elaborada.
Depois de termos tido essa intervenção, o então executivo contratou a FNWay, para comandar a elaboração dessa ELH. A única coisa que estava feita era a contratação dessa empresa.
Mal chegámos, reunimo-nos com essa empresa, envolvemos a divisão de Saúde e da Intervenção Social, em colaboração com as Juntas de Freguesia e com outras instituições do concelho e, finalmente, conseguimos, em tempo recorde, pôr na rua uma Estratégia Local de Habitação. A empresa, que tem elaborado várias Estratégias ao longo do país, disse que esta foi a mais exigente, mas também a que lhes deu mais gozo.
A nossa Estratégia mostra aquilo que é a realidade do concelho de VRSA: estamos a falar de 812 agregados familiares e 2.121 pessoas com carências habitacionais no concelho, que estão a passar por dificuldades, porque têm uma habitação insalubre, insegura, que não está adequada ou que não têm sequer habitação. É nisso que é preciso intervir.
Estes 101 milhões de euros, 100% financiados pelo PRR, que estão previstos na nossa Estratégia Local de Habitação, têm mesmo que ser aplicados no nosso concelho, nos próximos tempos. Já há muito tempo perdido, mas agora temos até meados de 2026. Tudo faremos para conseguir aplicar o dinheiro.

SI – E de que forma o vão fazer?

AA – A grande prioridade é pegar nos bairros sociais, dos quais temos muitos aqui no concelho, e fazer as obras necessárias. Todos os edifícios terão de passar a respeitar a eficiência energética. E não é só habitação social que ainda é propriedade do Município, são também apartamentos dos próprios munícipes, que estejam nesses bairros, desde que as pessoas autorizem, obviamente. Todas essas estão contabilizadas para serem intervencionadas.

 

Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 

SI – Que outras medidas irão avançar?

AA – Há aqui uma grande polémica com três prédios, construídos pela Unifaro, a custos controlados, já nos tempos idos de 2009, 2010, por aí, construídos em cima de terrenos do município, financiados (porque era a custos controlados). Na altura, no contrato entre Câmara e a Unifaro, havia uma cláusula de reversão, que estipulava que, caso houvesse algum problema, o que estava construído em cima dos terrenos revertia para o Município. Só que houve uma nuance: o executivo daquela altura deu uma autorização à Unifaro para que pudesse hipotecar os terrenos do município para se financiar junto da Caixa Geral de Depósitos. Nunca isso deveria ter sido feito! A Unifaro faliu, a CGD disse “isto então reverte a nosso favor”, já que os terrenos estavam hipotecados. E nós, Município, ficámos sem aquilo que era nosso.
Entretanto, houve uns fundos que adquiriram os três prédios à CGD e, desde há algum tempo, todas as pessoas que vivem nas casas arrendadas estão a ser intimadas a abandoná-las, porque esses fundos querem vender as casas como segunda habitação. Na altura da campanha eleitoral, nós, porque tínhamos a informação de que era possível o Município ter algum papel para conseguir impedir que estas casas fossem para as mãos de privados, de pessoas que não fossem daqui, dissemos que nunca íamos libertar a cláusula de reversão. Os fundos queriam que nós libertássemos esse ônus, mas nós dissemos sempre que não.
Depois, com a Secretaria de Estado da Habitação e com o IHRU, começámos a perceber que era possível sermos nós, através do programa «1º Direito», a comprar essas casas. Começámos assim a ver a luz ao fundo do túnel.
Falámos com esses fundos, WhiteStar e Hipogest, e foi possível chegar a acordo. Logo que seja aprovada a nossa Estratégia Local de Habitação pelo IHRU, estaremos em condições de assinar o acordo e começar a comprar estes apartamentos, para descansar as pessoas que lá vivem. Alguns vivem há anos em sobressalto, porque estão sempre a ser ameaçados que têm que abandonar as casas.

SI – No fundo, o Município vai comprar aquilo que, se não fosse a tal autorização para a hipoteca, seria vosso…

AA – Eu disse há tempos, na Assembleia Municipal, que é um pouco estranho e ao mesmo tempo revoltante estar a adquirir umas habitações que foram construídas em cima de terrenos do Município e à custa de financiamento público. Mas o que interessa, no fundo, é que os cidadãos sejam os principais beneficiados, que possam viver em paz, pagando a sua renda acessível, que vai até aos 400 euros. É o que nós pretendemos, que haja habitação para a classe média.

SI – Que outros aspetos estão previstos nesta Estratégia?

AA – Além da aquisição destes prédios, vamos construir, na zona do Intermarché, noventa apartamentos, em terrenos do Município. Será construção sob a nossa gestão, não vamos dar a terceiros, porque já vimos que pode não correr bem. Teremos de contratar uma empresa para construir, como é óbvio, mas sob gestão nossa. E aí vai estar uma dificuldade. É que o problema do PRR e do cumprimento dos seus prazos são os preços de construção, que estão a aumentar exponencialmente, e até a falta de empresas para levar a cabo essas construções. Esperamos ter sorte e que consigamos levar isto avante.
Temos também um aparthotel aqui no nosso concelho, que também entrou em insolvência e neste momento pertence a um banco. Estamos em vias de conseguir adquirir, por um valor à volta dos 2 milhões de euros, através destes apoios do PRR, esse aparthotel que tem T0 e T1, completamente equipados.
Esses apartamentos serão para habitação de emergência e para casas de função, para acolher médicos, enfermeiros, professores, pessoas para trabalhar na época alta e para a população em geral. É importante termos este tipo de habitações disponíveis.

SI – E para as famílias de etnia cigana, está alguma coisa pensada?

AA – Também aí iremos intervir. Nem todas as famílias de etnia cigana se conseguem integrar nas soluções normais, como os apartamentos. Sei que isto é polémico, mas é assim que nós pensamos e por isso vamos fazer a experiência. Se não resultar, obviamente que daremos a mão à palmatória.
Numa ótica de discriminação positiva, encontrámos um terreno para construir habitações modelares, com todas as condições para aí se poder viver, com terreno para poderem ter os seus animais, mas que tenha também uma estrutura municipal de apoio social, por exemplo para as crianças, no apoio ao estudo, e para ir acompanhando a gestão do espaço.
Temos muitas famílias em barracas, algumas delas até foram despejadas dos locais onde estavam, e nós temos a obrigação de lhes arranjar uma solução.
Temos alguma ilusão de que isso corra bem.
Quanto a estes 101 milhões de euros, há quem não acredite nestes valores. Mas isto só prova que se fez muito trabalho, envolvendo o IHRU, a Secretaria de Estado, os serviços do Município, trabalho de campo com a FNWay, para chegarmos a estes montantes. O dinheiro existe, haja engenharia para o utilizar a tempo e horas.

 

Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 


A Estratégia Local de Habitação de VRSA identificou um total de 812 agregados (com 2.121 pessoas) com carência de habitação, 76 dos quais (227 pessoas) na freguesia de Monte Gordo, 71 (136 pessoas) na freguesia de Vila Nova de Cacela e 665 (1.758 pessoas) em Vila Real de Santo António.
Quanto às condições de habitação «indignas», há 177 agregados (com 468 indivíduos) com casas precárias, 560 agregados (1365 indivíduos) com habitação insalubre ou insegura, 62 agregados (261 indivíduos) com casa sobrelotada, enquanto 13 agregados (com 27 indivíduos) têm habitação inadequada.

 

 



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