Promover a economia criativa e os arranjos produtivos locais

Num país tão pequeno e tão bem interligado por vias de comunicação, todos podemos beneficiar de tudo e esta reciprocidade na era das redes é uma vantagem de que ainda não nos apercebemos inteiramente

Dando continuidade ao meu último artigo sobre arte e cultura de um território-desejado, e tirando partido da publicação recente do Programa Promove, que apoia projetos e ideias que pretendem dinamizar o interior de Portugal, aproveito para fazer mais algumas considerações a propósito das estratégias de economia criativa e desenvolvimento dos territórios do interior.

O que têm em comum iniciativas tão diversas como os roteiros do património organizados pela empresa SPIRA, a Bienal Ibérica de Património Cultural, organizada pela mesma empresa em parceria com outras entidades, os programas culturais da associação ARTEMREDE, a Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, o Festival Terras Sem Sombra, no Alentejo, os roteiros Experimenta-Paisagem de arte pública, no Pinhal Interior, os inúmeros museus e centros de arte contemporânea abertos nos últimos anos por todo o país, os Festivais e os Roteiros Literários em vários concelhos do país, as Festas do Povo de Campo Maior e a Festa das Ruas Floridas do Redondo, a iniciativa Um Território a Descobrir – Montado de Sobro e Cortiça, os inúmeros trabalhos de reabilitação e restauro do património cultural, as denominações Unesco, as redes de cidades criativas e as capitais europeias da cultura, entre muitas outras manifestações?

Todas elas são sinais distintivos e elementos criativos de um território, todavia, a muitas delas falta intensidade-rede e conexão produtiva, visibilidade e projeção nacional e internacional, o músculo e a flexibilidade da governação multiníveis, mas, sobretudo, o pensamento e ação estratégicos capazes de utilizar esses recursos criativos para produzir valor especifico e marcas próprias e, a seguir, transferir e acrescentar esse valor e riqueza para os produtos, as fileiras económicas e os arranjos produtivos locais e regionais, recebendo em reciprocidade a colaboração, o patrocínio e o financiamento participativo dessas atividades económicas.

Dou um exemplo simples a partir de uma realidade local do interior: como é que os extraordinários painéis coloridos do Museu do Azulejo de Estremoz, em conjunto com as artes de pedra mármore do concelho e os conhecidos bonecos artesanais de Estremoz, podem ser projetados e incorporados como ícones e marcas territoriais nos produtos tradicionais da agricultura do Alto Alentejo e em novos arranjos produtivos locais, fazendo evoluir toda esta sub-região para um terroir de reputação e visitação internacionais?

Sabemos que, nos nossos territórios, já existe, em dose variável, um triângulo criativo que importa promover e levar à prática. Esse triângulo criativo tem, no primeiro vértice, o Património e a Paisagem, no segundo, a Ciência e Tecnologia, no terceiro, a Arte e a Cultura.

O património e a paisagem traçam, de certo modo, os limites ético-normativos da nossa atuação em matéria de recursos fundamentais, por via de uma política de ordenamento, mas são, ao mesmo tempo, uma fonte de criatividade, não apenas porque o património, a nossa memória histórica, mergulha profundamente no tempo longo da nossa existência, mas, também, porque os seus inúmeros sinais distintivos dilatam o nosso horizonte de esperança e a nossa liberdade criativa acerca do futuro próximo.

Essa liberdade criativa é, igualmente, transposta para a ciência e a tecnologia que atualizam e certificam a nossa passagem pelo tempo presente e abrem o campo dos possíveis aos vários cenários em presença.

Neste campo, é imperioso que os centros de investigação, os centros de ciência viva e os centros de interpretação, mas, também, as redes de artes e ofícios artesanais e as associações empresariais, sejam capazes de encontrar o networking mais apropriado à sua concreta atuação, tendo em vista a geração de valor próprio e o acesso ao direito de propriedade industrial e intelectual, mas, igualmente, o valor simbólico e reputacional que pode ser transferido para as fileiras económicas e os arranjos produtivos regionais.

A ciência e a tecnologia podem, por exemplo, trazer um endemismo local, uma semente perdida ou uma tecnologia circular para a ordem do dia, convertendo esses sinais distintivos em ícones da sociedade local e ajudando os arranjos produtivos locais a projetar mais facilmente as marcas e os terroirs.

Quanto à arte e cultura, basta lembrar a liberdade criativa dos roteiros da SPIRA – Rota do Fresco (arte sacra), Rota do Montado (património natural), Rota do Mármore (património industrial), Rota do Pica-chouriço (contrabando, património cultural) – que reúnem 21 municípios alentejanos e integram a marca Rota dos Compadres.

Outros exemplos podem ser incorporados em estratégias colaborativas de maior intensidade-rede e operações bem orquestradas de marketing digital, por exemplo, em redor de indicações geográficas de proveniência (IGP), denominações de origem protegida (DOP), marcas coletivas (MC), ou nos arranjos produtivos específicos de parques naturais, geoparques e zonas termais, e de certos destinos turísticos e lugares de culto e peregrinação.

Esta política de marcas territoriais, para ser bem-sucedida, precisa, no entanto, de cumprir certos requisitos. Em primeiro lugar, a intensidade-rede das medidas de política; este objetivo operacional só se consegue no quadro de um programa integrado de desenvolvimento regional onde as relações intermunicipais, intersectoriais, inter-regionais e transfronteiriças estejam claramente expressas e sejam promovidas proactivamente.

Em segundo lugar, a criação e ação de um ator-rede dedicado cuja missão fundamental é, justamente, a eficácia, a eficiência, a equidade e a efetividade das medidas do programa integrado de desenvolvimento; só assim é possível alcançar as economias de escala e o músculo necessário a uma administração multiníveis de espetro alargado.

Em terceiro lugar, um networking apropriado à missão do ator-rede, por exemplo, a sua integração em redes europeias da Unesco, do Conselho da Europa ou da União Europeia e, a partir daí, proporcionar um programa internacional que seja capaz de atrair jovens talentos de todas as áreas em estreita associação com os programas nacionais de ciência e investigação, artes e cultura; é no âmbito deste programa de economia criativa que serão forjadas e testadas algumas das propostas de marca territorial.

Em quarto lugar, é fundamental o compromisso comunitário do ator-rede em experiências inovadoras de financiamento participativo ou crowdfunding; se este envolvimento/reconhecimento for bem conseguido teremos reunido as condições necessárias para ensaiar novas práticas inovadoras de marca territorial e transferência de valor e, em consequência, obtido novas modalidades de patrocínio empresarial e social de atividades artísticas e culturais em condições de maior reciprocidade.

 

Notas Finais

Num país tão pequeno e tão bem interligado por vias de comunicação, todos podemos beneficiar de tudo e esta reciprocidade na era das redes é uma vantagem de que ainda não nos apercebemos inteiramente.

Ora, conseguir o benefício desse efeito sistémico faz parte da economia criativa, por via de economias de rede e aglomeração, que juntem os fatores criativos aos fatores produtivos das fileiras, arranjos e cadeias de valor, em especial, aquelas que têm indicação geográfica e denominação de origem e, ainda, as produções com origem em áreas de paisagem protegida, geoparques, amenidades turísticas ou zonas termais.

Acresce que a associação entre a arte pública, as artes da paisagem e as artes digitais é, hoje em dia, uma fonte de enorme criatividade para os arranjos multiprodutos do território. Esta economia dos arranjos criativos e produtivos pode rasgar um horizonte de possibilidades e dilatar a economia dos territórios, assim como, a qualidade de vida em lugares remotos do interior.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 

 



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