Morreu Manuel Maia, o arqueólogo que descobriu o Vaso de Tavira e era diretor do Museu da Lucerna

Arqueólogo deixou marca do seu trabalho em todo o Sul do país

Manuel Maia, o arqueólogo que, em 1996, com a sua mulher, a também arqueóloga Maria Maia (falecida em 2011), descobriu aquilo que viria a chamar-se «Vaso de Tavira», morreu hoje em Castro Verde, onde era conservador e diretor do Museu da Lucerna. Tinha tinha 76 anos e era natural de Lisboa.

Manuel Maria da Fonseca Andrade Maia licenciou-se História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1971) e foi responsável por inúmeras escavações arqueológicas e coordenação de vários projetos, em conjunto com a esposa, a arqueóloga Maria Maia.

A Câmara de Castro Verde, em nota de pesar, salienta que, «com um percurso público muito relevante, Manuel Maia mantinha há longos anos uma forte ligação com o concelho de Castro Verde, contribuindo de forma bem visível para a definição da história local e do país».

Do seu percurso como arqueólogo e investigador, merece destaque também a descoberta do depósito de lucernas de Santa Bárbara de Padrões, o inventário dos sítios arqueológicos do concelho e o Museu da Lucerna, onde assumia as funções de Conservador/Diretor.

José d’Encarnação, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade do Algarve, recorda, numa nota divulgada hoje entre a comunidade de arqueólogos, recorda que, no Algarve, ainda no final dos anos 70, Manuel e Maria Maia «deram corpo ao grande projeto de preservar a cidade romana de Balsa, em Tavira, criando um Campo Arqueológico, a designação comum na altura para as estruturas de apoio a um sítio arqueológico. Aí desenvolveram uma atividade a todos os títulos notável, podendo mesmo afirmar-se que, sem o seu entusiasmo e dedicação, de Balsa se não conheceria o que se sabe hoje».

De Balsa, o casal seguiu para Castro Verde, onde deu corpo «ao mui singular Museu da Lucerna e se dedicaram a explorações arqueológicas que muito contribuíram para o conhecimento da ocupação romana nessa área da Lusitânia».

José D’Encarnação recorda que «foi de Manuel Maia a ideia de terem existido ‘castelos’ no início da permanência dos Romanos nesse território, como locais altaneiros destinados não apenas à defesa militar mas também à organização económica, designadamente ligada à mineração (cf. «Fortaleza romana do monte Manuel Galo», comunicação apresentada ao III Congresso Nacional de Arqueologia, no Porto)».

Aliás, acrescenta, «Manuel Maia colaborou intensamente com a empresa das minas Neves-Covo, sempre procurando salvaguardar tudo o que fosse possível. Deve-se-lhe – e a Maria Maia – muito do que se sabe acerca do depósito votivo de Santa Bárbara de Padrões, onde – em seu entender (e não só) – se deverá localizar a cidade romana de Arandis (cf. MAIA, Maria Garcia Pereira, Lucernas de Santa Bárbara. Castro Verde: Núcleo de Arqueologia da Cortiçol, 1997)».

 

O Vaso de Tavira no Núcleo Islâmico – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

De volta ao Algarve, em 1995, Manuel e Maria Maia foram os responsáveis pelas escavações no edifício da antiga Pensão Arcada, na baixa de Tavira, frente à Câmara, que o banco BNU queria adaptar para aí instalar uma agência. Foi aí que, em 1996, descobriram o chamado «Vaso de Tavira».

A peça de cerâmica, cuja interpretação tem gerado alguma controvérsia, sobretudo por não haver exemplos semelhantes no mundo islâmico, foi descoberta a dois metros de profundidade, feita em pedaços numa lixeira do século XI.

«Quando descobrimos este vaso ficámos absolutamente fascinados!», contou o arqueólogo Manuel Maia, quando, em 2012, mil anos depois de ter sido jogada para o lixo, a peça voltou quase para o seu local original, ao Núcleo Islâmico do Museu de Tavira, que entretanto foi criado no edifício que tinha pertencido ao banco.

E o que era e para que servia este «Vaso de Tavira»? Segundo a interpretação do casal Maia, o vaso seria um brinquedo e a cena retratada pelas figuras representa «o rapto berbere de uma noiva». «Os berberes não eram muçulmanos fundamentalistas. Tavira era habitada por indivíduos que não obedeciam às regras estritas do Corão, como o faziam os novos senhores Almoadas». E graças a essa desobediência, lá está a noiva, mil anos depois, ao lado do cavaleiro, mostrando a sua feminilidade nos seios, no véu, no diadema a coroar a sua cabeça.

 

Manuel Maia, em 2012, na inauguração do Núcleo Islâmico do Museu de Tavira, a falar sobre o Vaso de Tavira – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Entretanto, a Câmara Municipal de Castro Verde, reunida em Sessão Ordinária desta quinta-feira, dia 23 de setembro, aprovou, por unanimidade, um Voto de Pesar pelo falecimento de Manuel Maia e recorda «toda a dedicação, empenho e amizade que Manuel Maia disponibilizou no desenvolvimento da sua atividade no concelho de Castro Verde, marcando de forma profunda o conhecimento que temos da nossa história, e apresenta as suas mais sentidas condolências a toda a família enlutada».

Segundo o jornal Correio do Alentejo, o corpo estará em câmara ardente amanhã, na Casa Mortuária de Castro Verde, das 9 às 12 horas, seguindo para Faro, às 14 horas, onde será cremado.

 

 



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