Barragem na Foupana é hipótese, na ribeira de Monchique «esqueçam»

Estudo considera inviável uma barragem na ribeira de Monchique, mas admite infraestruturas deste tipo na Foupana e na Ribeira de Alportel

Foto: Flávio Costa|Sul Informação

A construção de uma barragem na ribeira da Foupana, a dessanilização, uma rede para reaproveitamento de águas residuais e a ligação do Guadiana à Barragem de Odeleite, a partir do Pomarão, são as grandes infraestruturas que podem vir a ser construídas,  no âmbito do Plano Regional de Eficiência Hídrica (PREH) do Algarve, que foi ontem apresentado em Faro. Já a barragem que os autarcas queriam ver construída na ribeira de Monchique, «esqueçam», avisam os especialistas.

Estas são as principais conclusões de um estudo feito pelos peritos Carmona Rodrigues, Pedro Serra e Rodrigo Oliveira sobre as várias soluções para aumentar a reserva hídrica do Algarve previstas no plano ontem apresentado.

E ficou claro, da exposição feita por Pedro Serra, que as soluções que têm mais pernas para andar são a ligação entre o Pomarão e Odeleite, para trazer água do Guadiana para o Sistema Intermunicipal de Abastecimento de Água do Algarve, a construção de «uma ou duas» centrais de dessalinização e o reaproveitamento massivo de águas residuais.

Destas, a solução mais fácil de colocar em prática é o reaproveitamento das águas tratadas pelas ETAR da região, tendo em conta que já estão em funcionamento as estações de tratamento de última geração da Companheira (Portimão) e de Faro/Olhão.

A ideia é aproveitar as águas residuais tratadas para rega de campos de golfe, de algum tipo de culturas agrícolas e para usos urbanos, como a limpeza de ruas ou rega de jardins públicos.

E até já há uma linha de apoio financeiro para realizar as obras de adaptação necessárias, de modo a possibilitar a utilização da água tratada, garantiu João Matos Fernandes, o ministro do Ambiente, na sessão de apresentação do PREH, que teve lugar no Grande Auditório do Campus das Gambelas da Universidade do Algarve, e que também contou com a presença de Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura.

 

 

De todas as soluções de médio/longo prazo apresentadas esta foi, resto, a única que o ministro não hesitou em perfilhar, tendo em conta que contribui para aquele que considera ser o principal remédio para a escassez de água no Algarve: «poupar,poupar, poupar», uma premissa que, considerou, se aplica «no imediato, mas também no curto, médio e longo prazo».

Com o aproveitamento de águas residuais tratadas e uma aposta forte na melhoria da eficiência e sustentabilidade dos sistemas de abastecimento de água e das infraestruturas dos perímetros de rega, a nível regional, é expectável uma poupança anual de 30 hectómetros cúbicos (hm3), que é o mesmo que dizer 30 milhões de metros cúbicos deste bem essencial, já que um hectómetro cúbico equivale a um milhão de metros cúbicos.

Ao mesmo tempo, há a perspetiva de aumentar as disponibilidades hídricas em 60 hm3, com as infraestruturas que estão previstas no plano.

Isto porque, salientou Pedro Serra, o Algarve já enfrenta «algumas situações de stress hídrico, que se tornarão mais evidentes à medida que aumenta a procura e se fazem sentir as alterações climáticas».

Atualmente, «a barragem da Bravura já estará a ser sobreexplorada e o mesmo se passará com os aquíferos da região». No entanto, ainda há um balanço positivo da oferta e da procura de 30 hm3 – em anos normais, claro, não num ano de seca como o que enfrentamos, uma situação considerada «muito preocupante» pelos diferentes intervenientes na sessão de ontem.

Antecipando o cenário de 2050, dentro de 30 anos, as disponibilidades hídricas vão baixar substancialmente, devido a uma diminuição da precipitação, o que reduzirá a água disponível tanto à superfície, como no subsolo. Nessa altura, haverá um balanço negativo na ordem dos 58 hm3.

É aqui que entram as novas infraestruturas, para garantir que há água suficiente para as necessidades do Algarve, nas próximas décadas.

Dos investimentos preconizados no plano, e tendo em conta a análise SWOT (Strong, Weaknesses, Opportunities e Threats) feita pelos autores do estudo de aumento da reserva de água do Algarve, a solução mais fiável é mesmo a dessalinização, pois «água do mar nunca faltará».

Uma central de dessalinização poderá trabalhar todos os dias, 365 dias por ano, e, segundo as estimativas apresentadas por Pedro Serra, ter um débito mensal de 4 hm3, o que representaria «cerca de 50 hectómetros cúbicos num ano».

Números muito interessantes, tendo em conta o objetivo de conseguir aumentar em 60 hm3 as reservas anuais do Algarve.

 

Pedro Serra

 

No campo das fraquezas, está, desde logo, o elevado custo do equipamento, não só o necessário para o construir, estimado em 85 milhões de euros, mas também o energético, já que esta é uma tecnologia que necessita de muita eletricidade.

O dinheiro necessário para construir a central de dessalinização torna-se um problema ainda maior, tendo em conta que, segundo avisou o ministro do Ambiente, não deverá haver verbas no próximo Quadro Comunitário de Apoio para apoiar este tipo de infraestruturas.

Ou seja, Portugal teria de arcar sozinho com o custo da obra, embora haja, segundo os autores do estudo, a possibilidade de concessionar a construção e exploração da central a privados.

Por outro lado, o processo de dessanilização «produz uma salmoura». No entanto, este problema «tem solução».

«Em Barcelona, este subproduto é usado na desinfeção de águas residuais em ETAR. Noutros locais é usado para produção de sal, em salinas», revelou Pedro Serra.

Também a captação de água no Pomarão, para a trazer para Odeleite, poderá ter um impacto positivo no aumento das disponibilidades hídricas da região algarvia.

No cenário que vivemos atualmente, «será possível aduzir algo como 30 a 40 hm3 por ano para o sistema», trazendo água na entrada do troço internacional do Guadiana, no Pomarão, para a barragem de Odeleite.

No entanto, tudo indica que o cenário não se irá manter, tendo em conta que o perímetro de rega do Alqueva continua «em expansão acelerada» e os nossos vizinhos espanhóis «vão querer mais água em Bocachança», o que siginifca que «os caudais que hoje chegam ao Pomarão têm tendência a diminuir».

«Em anos muito secos não será possível trazer água do Pomarão para Odeleite», avisou Pedro Serra.

 

Barragem de Odeleite – Foto: Flávio Costa|Sul Informação

 

Quanto à análise das vantagens e desvantagens desta obra, a equipa de especialistas diz que os pontos fortes são o facto desta solução poder compensar o excesso de capacidade existente no sistema Odeleite-Beliche, que, por causa da pouca chuva, está muitas vezes longe da sua capacidade total.

No campo dos pontos fracos está o facto desta solução «operar apenas três meses por ano, quando há caudal no Guadiana, e depender da hidraulicidade do ano», ou seja, poderá não haver água suficiente para permitir o transvase, por questões técnicas.

Outra solução que é tida em conta no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve – e que a equipa composta por Carmona Rodrigues, Pedro Serra e Rodrigo Oliveira estudou – foi a construção de barragens em diferentes ribeiras do Algarve.

Uma eventual barragem na ribeira da Foupana poderia, segundo o estudo, ter uma capacidade de armazenamento na ordem dos 40 hm3. Neste caso, a albufeira serviria de suporte à Barragem de Odeleite, à qual estaria ligada através de um adutor.

Esta barragem «poderia ser complementar à captação no Pomarão» e é uma das soluções que será estudada com maior profundidade pelos mesmos especialistas.

Já a barragem na ribeira de Monchique, «esqueçam», avisou Pedro Serra, lembrando que, no passado, um primeiro projeto da Barragem de Odelouca, que previa o uso da água desta ribeira, foi chumbado a nível europeu, devido ao impacto ambiental que teria.

Por outro lado, «vai ser estudada» a possibilidade de construção da barragem do Monte da Ribeira, na ribeira de Alportel, uma albufeira de pequenas dimensões, com capacidade para armazenar 10 hm3.

Apesar de constarem do plano e ser certo que irão ser alvo de estudos de viabilidade, as barragens parecem ser uma possibilidade remota, tendo em conta o discurso do ministro do Ambiente.

É que, e apesar de garantir que iria olhar sem preconceitos para todas as soluções, João Matos Fernandes avisou de forma veemente e reiterada que o armazenamento de água à superfície, numa região como o Algarve, não é opção que lhe agrade.

«Não brinquemos aos Deuses, pensando que podemos armazenar água como parafusos ou produtos numa despensa», afirmou, acrescentando que «não vale a pena multiplicar barragens quando não há água».

É que, defendeu, «desperdiçar água não é deixá-la correr para o mar», mas sim dar-lhe mau uso e perdê-la em redes pouco eficientes.

«Há coisas que não podemos esquecer. A água não é só nossa, há outras espécies que precisam dela. O caudal ecológico é o mínimo necessário, e mais um bocadinho», lembrou Matos Fernandes.

Ou seja, ao reter água da Foupana ou da ribeira de Alportel, podemos estar a colocar em causa todo um ecossistema, sem certeza de ter ganhos no aumento das disponibilidades hídricas.

Já Maria do Céu Antunes salientou que o Algarve enfrenta o «duplo desafio» de «garantir eficiência na oferta de água e incentivar a eficiência na procura».

«O regadio, para continuar a progredir, terá de melhorar o seu desempenho na utilização de água. A agricultura e o ambiente têm de caminhar a passo», disse a ministra da Agricultura.

 

 

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