Olhão: Descargas de esgotos na ria continuam sem solução, mas não é por falta de aviso

Câmara e APA estão a trabalhar em conjunto e prometem para breve plano de ação para acabar com descargas ilegais na Ria Formosa

Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

«Há mais de 20 anos que ando aqui nesta luta. Já fiz um pouco de tudo. Já andei a pôr cartazes nas praças, bandeiras pretas nos candeeiros, caveiras a denunciar os sítios onde há os esgotos, abaixo assinados, chamei a Capitania, o SEPNA, a Agência Portuguesa do Ambiente, o Parque Natural da Ria Formosa… No entanto, continua tudo na mesma», desabafa João Carlos.

Esta é, muito resumidamente, a história da batalha de um viveirista da Ria Formosa contra as descargas ilegais de esgotos nesta zona lagunar, através de tubos que se espalham um pouco por toda a frente ribeirinha de Olhão.

Mas João Carlos não é a única pessoa que luta contra este flagelo e que quer ver resolvida a situação das descargas de águas residuais na ria, quase sempre através da rede de pluviais, na qual, em teoria, apenas corre água da chuva.

O Sul Informação falou com este viveirista, com os também produtores de bivalves Aristides Lopes e Nuno Russo – este último dirigente da cooperativa Formosa – e com o sindicalista Josué Marques, e fez-se à Ria Formosa, para conhecer, in loco, os principais pontos de descarga.

E, seja pelo cheiro, seja pelo aspeto visual, é fácil que perceber que, numa terça-feira qualquer, com o céu limpo e com a maré perto de estar vazia, há esgotos a ser descarregados na ria, através da rede de pluviais.

 

Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

Esta é uma situação antiga, dizem os viveiristas  – e confirmam as autoridades. Contactados pelo nosso jornal, tanto o presidente da Câmara de Olhão, como o diretor regional da Agência Portuguesa de Ambiente (APA) se mostram conscientes do problema e da sua gravidade e garantem que não têm estado parados.

«Esse é um problema que existe desde sempre. Não é de agora. E não se trata de esgotos, são pluviais que estão com ligações ilegais, mas não só», assegura António Miguel Pina, presidente da Câmara de Olhão, em declarações ao Sul Informação,.

«Nos últimos anos, fizemos inspeções vídeo e reconhecimento das redes e sabemos que a conspurcação dos pluviais resulta, também, de bypasses feitos no passado. Ou seja, quando a rede de esgoto entupia, fazia-se um bypass para os pluviais», explica.

«E, fruto do que era a idade das caixas de visita, do subsolo que se movimenta, que leva a que essas caixas estejam fora do lugar, com rutura, faz com que drene para o pluvial», acrescenta António Pina.

Este procedimento, salienta o autarca de Olhão, «foi feito há 40 ou 50 anos», numa época «em que não havia a preocupação ambiental que hoje temos».

 

António Pina – Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

Entretanto, as consequências destes focos de poluição vão-se fazendo sentir cada vez mais. Apesar das descargas serem ocasionais e sem padrão conhecido, certo é que estão a influenciar negativamente o frágil ecossistema da Ria Formosa.

E uma das principais provas foi a deterioração da qualidade ambiental dos bivalves produzidos na zona de viveiros designada como “Olhão3”, situada mesmo em frente à cidade de Olhão, que viu a sua classificação baixar de B para C, em 2013, o que significou uma perda de rendimento enorme para os viveiristas que ali operavam.

Mais recentemente, devido a análises laboratoriais feitas a bivalves ali produzidos, a “Olhão3” foi considerada zona D, a classificação mais baixa e que impede totalmente a apanha de bivalves.

«É pena que isto continue assim. Chegámos a esta situação. A coisa mais grave que está aqui – e as pessoas não se estão a aperceber – é que agora está interdita a zona “Olhão3”. Mas se isto continuar assim, dentro de pouco tempo poderá afetar as outras zonas: a “Olhão2”, a “Olhão5” e por aí fora» avisa João Carlos, que, à semelhança de Aristides Lopes, tem a maioria dos seus viveiros na “Olhão 3”.

«Se as autoridades não fizerem nada, dentro de pouco tempo vamos ter graves problemas aqui», reforçou.

 

João Carlos – Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

Num primeiro momento, ainda houve a esperança de que se poderia alterar a situação, tendo o IPMA avançado com um programa de análises quinzenais, de modo a acelerar o processo de reavaliação da classificação desta zona, realizada segundo critérios da União Europeia.

Mas, tendo em conta que, entre as muitas amostras recolhidas, surgiram algumas que acusavam elevadas quantidades de coliformes fecais nos bivalves, essa reclassificação não aconteceu. Para agravar a situação, são agora precisos «três anos de análises boas para que possa deixar de ser zona D».

«Há o exemplo do meu viveiro, que é um dos pontos de amostragem. As análises que foram feitas durante seis meses, de 15 em 15 dias, deram desde A a D. Ao dar os dois extremos, é sinal que houve algum tempo sem haver descarga nenhuma, em que as águas ficaram boas, para o marisco ter classificação A», defende Aristides Lopes.

«Ou seja, se houvesse a eliminação dos esgotos, isto rapidamente voltava ao normal», acredita.

Até porque, lembram, as análises mais recentes foram realizadas após a entrada em funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e consequente desativação da que existia no extremo poente do concelho de Olhão, apontada como a grande culpada dos focos de poluição.

Isto levou a que os viveiristas e mariscadores ficassem «com a esperança de que as coisas iam melhorar».

«Mas não, foi precisamente o contrário. Cada vez as análises começaram a dar pior e pior. Não se consegue justificar o porquê, não é?», questiona João Carlos.

«Se há uma fonte poluidora – a ETAR antiga, que estava obsoleta, como diziam -, que é desativada e as coisas pioram, há qualquer coisa aqui que não está bem. Não sou biólogo, não sou técnico, sou apenas um aquacultor, mas acho que há qualquer coisa aqui que não bate certo», afirma.

Nuno Russo, viveirista que faz parte da direção da Cooperativa Formosa, não tem dúvidas: «Todos admitem que é um caso claro de poluição, mas dizem que não é fácil de resolver. Da reunião que se teve com o presidente da Câmara, ele diz que, claramente, está do nosso lado».

 

Nuno Russo e Aristides Lopes – Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

António Pina, por seu lado, garante que está a fazer o que pode para resolver a situação.

«Como temos dito, este é um trabalho que não se vê e é quase como encontrar uma agulha num palheiro. As estruturas estão enterradas. Mas em breve apresentaremos aquilo que temos feito e um plano de ação para o próximo ano», assegura o edil olhanense.

O primeiro passo, disse será «corrigir várias caixas de visita».

«Para além de muito dinheiro, é preciso perceber primeiro o que é que existe realmente. Quando estamos a falar de bypasses que não estão nos cadastros, quando falamos de ligações ilegais, que também não estão registadas, é complicado», defende.

«Isto é uma questão de dinheiro e de trabalho contínuo durante os próximos dez anos. É quase investigação subterrânea para perceber onde estão as ligações ilegais», reforça.

Para garantir que os investimentos futuros em infraestruturas são os mais acertados, a Câmara de Olhão e a empresa municipal Ambiolhão têm vindo a trabalhar em conjunto com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e com o Parque Natural da Ria formosa.

As diferentes entidades estão «a estudar o problema e a monitorizar os eventuais pontos de descarga, para tentar perceber quais são e se há mais focos».

«Nós não nos escondemos do problema», remata António Pina.

Também Pedro Coelho,  diretor da Agência Portuguesa de Ambiente (APA) no Algarve, não se esconde deste problema já bem antigo e que passou por diversas direções desta entidade, nas últimas duas décadas.

«Neste momento, estamos a fazer uma campanha de amostragens periódicas, com frequência semanal, nos vários pontos de descarga pluvial existentes ao longo da frente urbana de Olhão, para caraterizar as descargas, em termos de quantidade e qualidade», revelou ao Sul Informação o responsável pela APA, no Algarve.

Na prática, isto passa pela «identificação visual da descarga e depois, em termos de monitorização laboratorial, pelo que se identifica ao nível de E.Coli (Escherichia coli) e de bacterologia».

«Há algumas descargas ocasionais, não é algo constante. Há zonas em que as descargas são mais periódicas, estamos a tentar perceber se há algum padrão», explicou.

 

Pedro Coelho – Bárbara Caetano | Sul Informação

 

«Elas às vezes variam entre a maré cheia e a maré vazia, as marés mais vivas e as marés menos vivas. Porque há algumas zonas onde parece que a maré entra mais nos coletores e consegue desequilibrar o sistema e depois há libertação de caudal», acrescentou.

Depois, há a questão da própria rede pública de esgotos, já explicada por António Pina, que, em certas zonas, parece «estar mais periodicamente a verter de residual para o pluvial», segundo Pedro Coelho.

A investigação da APA «é apenas analítica, para perceber o comportamento da rede» e, como tal, complementar à que a Câmara e a Ambiolhão estão a levar a cabo.

«Não sabemos bem o que há. O que queremos agora é identificar, claramente, em que regime acontecem episódios de poluição, para depois conseguir dar esse contributo à Câmara, que também está a fazer o seu trabalho», disse.

Para Pedro Coelho, «é essencial este compromisso entre as duas partes, para que haja uma análise concreta. Só com uma análise muito concreta e cirúrgica, porque isto é um trabalho de relojoaria, se consegue depois intervir em sítios específicos».

«Depois, terá de haver intervenções, isso não há volta a dar. Isto é preciso obra. Pode ser uma obra mais pesada, de condutas e caixas, pode ser só caixas, eliminar alguns bypasses ou intervir em algumas ligações da rede em baixa à em alta», concluiu.

 

Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

Atualmente, a APA está a fazer recolhas em «cerca de duas dezenas de pontos de monitorização, na frente ribeirinha de Olhão, mas alargada».

«O Cais do T é um dos locais mais problemáticos, mas estamos a começar a monitorização na Quinta de Marim e a acabar já mais perto da fronteira com Faro», explica Pedro Coelho.

Os viveiristas, por seu lado, falam em «32 pontos com descarga de esgotos, entre Olhão e Faro», números que António Pina admite que possam estar corretos.

«Dá a ideia de que não se consegue identificar de onde é que esta poluição vem, o que é um pouco estranho, em 20 e tal anos não se ter conseguido detetar ninguém», salienta João Carlos.

«Normalmente, diz-se que é o princípio do poluidor-pagador e não sei que mais, cozido e frito. Nós, por causa de uma caixa de plástico nos nossos viveiros, estamos a levar nas orelhas todos os dias», ilustra.

Já os esgotos «correm a céu aberto dias e dias seguidos, durante semanas, dia e noite, e parece que isto fica tudo em águas de bacalhau. Não conseguem achar um culpado!».

Pedro Coelho garante que, não é bem assim, embora admita que muitas vezes é difícil encontrar um culpado.

«O problema é que, por vezes, a origem é difusa. O efluente entra no pluvial, mas nós temos de fazer o caminho todo para trás. E a certa altura, de onde é que ele saiu?», diz.

Nos casos em que se trata de «uma indústria a descarregar com um tubo diretamente na ria, é mais fácil. No limite, que já houve situações no passado, se uma indústria descarrega num pluvial e a Câmara não tem problemas nenhuns com a rede nessa zona, é fácil».

Mas, «quando a indústria descarrega na rede urbana de esgotos, e mete em carga a ponto de ela não aguentar e extravasar para o pluvial, nós fazemos a investigação invertida, mas não é fácil o processo».

«Não quer dizer que não se faça. Já houve muitas situações de indústrias daqui de Olhão, algumas das quais até já estão desativadas, que foram identificadas e multadas», assegura o diretor da APA no Algarve.

«Neste caso, é difícil chegar a esse nível da contraordenação, mas não quer dizer que não se faça a avaliação, o correto diagnóstico e a correta intervenção. Mas tem de se resolver, não é um caso para dizer que não se resolve, e é aí que estamos», conclui Pedro Coelho.

 

Foto: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

Entre descargas e multas – ou falta delas -, a poluição continua a chegar à frágil Ria Formosa, através de tubagens que só deveriam trazer água limpa.

Tendo em conta que, como se percebe, o problema não terá uma solução para breve, os viveiristas sugerem que se tome medidas extraordinárias, nomeadamente «o bloqueio» dos tubos mais problemáticos, como o que termina junto ao Cais do T, desviando o seu caudal para a nova ETAR Faro/Olhão.

Este bloqueio seria parcial, tendo em conta que há a questão do valor que a Câmara paga pela quantidade de águas residuais enviadas para a ETAR, que, admite Nuno Russo, «é muito elevado».

«Pouco chove no Algarve e em Olhão. E mesmo que chova, seria criada uma maneira de a água vir parar à ria, como está neste momento a acontecer. Mas seria apenas na altura em que chovesse. Não era um ano inteiro a correr para a ria», defendeu o viveirista olhanense.

Mas esta ideia é rejeitada por António Pina.

«E para onde vai a água que sai das caves, mesmo no Verão? Vamos pagar isso tudo à Águas do Algarve a 50 cêntimos o metro cúbico?», questiona.

«Há sempre água. Em Olhão, escavas um metro, tens água. Quase todas as caves da EN125 para baixo têm bombas para extrair água. Está sempre a sair água das caves», afirma o presidente da Câmara de Olhão.

O edil olhanense acha que a solução, a curto/médio prazo, terá de passar pelo desassoreamento da barra da Armona e dos canais da Ria Formosa.

«A Barra da Armona, apesar de ter tido umas dragagens, que foram umas cócegas na areia, é determinante para a circulação da água. Porque se ela circular mais, a pluma de coliformes fecais dilui-se muito mais rapidamente», acredita.

«Temos hoje mais saneamento do que tínhamos há 40 anos, do que há 10 anos. Antigamente, os esgotos iam diretamente para a ria. Hoje não vão. Temos uma nova ETAR. Então, o que está diferente? A diferença é o assoreamento da barra e dos canais e a menor capacidade de regeneração da própria Ria Formosa, motivada pela falta de circulação da água», defende António Pina.

 

Fotos: Hugo Rodrigues|Sul Informação

 

 

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