Depois da escassez, Covid-19 pode criar problemas de excesso de sardinha aos pescadores

Devido à pandemia, o consumo diminuiu e deverá ser bem mais baixo no Verão, mas a possibilidade de pesca aumentou

Depois de anos a pedir o aumento da quota da sardinha, os armadores da pesca do cerco podem ter, este ano, um problema de peixe em demasia. Desde segunda-feira e até 31 Julho, podem ser pescadas em Portugal 6300 toneladas desta espécie, um aumento considerável em relação ao ano passado, quantidade que, para as Organizações de Produtores OlhãoPesca e BarlaPescas, pode ser demasiado elevada e levar uma queda abrupta do preço.

Em declarações ao Sul Informação, tanto Miguel Cardoso, da OlhãoPescas, como Mário Galhardo, da Barlapescas, se mostraram preocupados com a campanha que agora começou. E a culpa é da Covid-19.

«Nós estamos contentes e orgulhosos com o facto da possibilidade de pesca estar a aumentar. Aquilo que o setor já vinha a dizer há cerca de um ano ou dois está a ser confirmado pelo IPMA e certificado – o recurso aumentou exponencialmente e temos sardinha na costa», começa por dizer Miguel Cardoso.

«Mas o que nos preocupa agora é o escoamento da sardinha. A possibilidade de pesca aumentou para estes primeiros dois meses e muito provavelmente voltará a aumentar em Agosto. Arriscamo-nos a deixar de ter um problema de escassez, para começar a ter um problema de abundância», acrescentou o presidente da OlhãoPesca.

É que este aumento da quota de pesca coincide com a pandemia da Covid-19, durante a qual estão proibidos os grandes eventos, nomeadamente as festas dos Santos Populares e festivais temáticos – como o que existe em Portimão -, e está restrita a atividade dos restaurantes, pelo menos para já.

 

 

«Nós, no ano passado, com um bocado menos de capacidade de pesca e num período totalmente normal, com o turismo em alta, tivemos alguns problemas de escoamento em fresco. Algumas organizações de produtores tiveram de tomar medidas extra para regular a oferta, porque o preço caiu muito», explicou Miguel Cardoso.

«Este ano, com a situação de exceção que estamos a atravessar, com a retração do turismo, da hotelaria e por aí fora, ao aumentar a possibilidade de pesca, isso ainda nos trará maiores problemas», enquadrou o dirigente associativo.

Como explicou ao Sul Informação Mário Galhardo, que diz «partilhar das preocupações» de Miguel Cardoso, a sardinha pescada pelos barcos algarvios «destina-se a ser vendida para consumo em fresco, principalmente na restauração». Já no Norte do país, onde existe muita indústria, a frota do cerco tem alternativas com as quais pode jogar.

Aqui, entram os limites diários de captura de sardinha, que também aumentaram.

«Em nosso entender, e este é um sentimento partilhado por outras organizações de produtores, não por todas, os limites diários são excessivamente altos. Desde dia 1, os barcos podem capturar 3740 quilos por dia, o que é muito», considerou Miguel Cardoso.

«Isso levará a que tenhamos problemas com o preço, que cairá abruptamente. Alguns colegas nossos, nomeadamente no Norte, não pensam assim. Preferem começar em cima e, depois, ir regulando a oferta. Pois nós defendemos que devia ser ao contrário: começar por baixo e, progressivamente, ir aumentando o limite diário de captura», sugeriu o presidente da OlhãoPesca.

 



 

Já Mário Galhardo não concorda com a diminuição do limite diário de captura.

«Eu acho que isso não é solução. Depois de seis meses sem ninguém ir à pesca, impor limites é muito complicado, porque as pessoas estiveram sem ganhar e querem trabalhar», ilustrou o presidente da Barlapescas.

Dessa forma, como este dirigente associativo já transmitiu ao gabinete do secretário de Estado das Pescas, o algarvio José Apolinário, o Governo devia «colaborar com as empresas de transformação e fábricas de transformação, para haver um equilíbrio e se chegar a um consenso quanto a um preço mínimo».

Apesar de admitir que «impor preços diários é difícil», Mário Galhardo acredita que, caso haja o envolvimento do Governo, se poderá estipular um valor mínimo para o quilo de sardinha, nomeadamente de um euro, em vendas para a indústria.

«A pelo menos um euro por dia, daria 3740 euros por dia, por barco. Ao final de uma semana serão mais de 20 mil euros. Isso já dá para pagar o combustível, a Segurança Social e para que os homens ganhem algum dinheiro», concluiu.

Isto também acabaria por regular o valor da venda em lota. «Não quero vender a sardinha a 30 cêntimos para depois as pessoas virem-se queixar que, na praça, está a seis ou sete euros o quilo».

 

 

Créditos: Depositphotos

 

Os armadores algarvios mostram-se preocupados com o aumento da possibilidade de pesca de sardinha, mas a Federação dos Sindicatos do Setor da Pesca (FSSP) tem uma visão oposta e exigiu ao Governo um aumento da quota desta espécie, já em 2020, de modo a garantir «a sustentabilidade social e económica do setor».

Os sindicalistas apontam, mesmo, um número e exigem «que a quota para 2020 seja de 30 mil toneladas», defendendo que este é um valor «sustentável».

Do lado do Governo, chega a garantia de que o aumento da quota é mais do que uma possibilidade, é mesmo uma probabilidade.

«Neste momento, estamos a avaliar os dados recolhidos durante os cruzeiros acústicos que foram feitos, para definirmos a quota para a temporada de 2020/21, já com as novas informações», disse ao Sul Informação, Ricardo Serrão Santos, ministro do Mar, que confirma que a perspetiva é que haja um aumento da quota «já este Verão, tendo em conta que a campanha começa a 1 de Agosto».

«Não nos vamos aventurar a disparar um número. Agora em Junho teremos a avaliação, que terá, ela própria, de ser acreditada internacionalmente – são procedimentos que dão segurança às avaliações e à gestão das pescarias», anunciou o membro do Governo.

De seguida, o Ministério do Mar vai discutir a questão com a União Europeia e «partir para o que o mar nos puder oferecer».

Garantias que para as Organizações de Produtores, que representam os barcos que vão buscar o peixe ao mar, não são tranquilizantes. «É uma situação preocupante. Mas vamos ver como é que as coisas correm», rematou Miguel Cardoso.

 

 

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