Por uma Escola de Artes e Tecnologias do Algarve

A escola de artes e tecnologias fará parte do futuro ecossistema digital do Algarve

Já não é a primeira vez que me refiro a este tópico como uma necessidade básica fundamental e sinal distintivo da educação do século XXI.

Tal como a escola industrial e comercial do século XX, a escola de artes e tecnologias do século XXI marcará o virar de página para um outro paradigma educacional e cultural.

As razões objetivas

As razões objetivas são já conhecidas: o combate contra as alterações climáticas e a transição para novos regimes de agricultura e ambiente, as alterações tecnológicas e a transição para a sociedade digital, a biossegurança e a proteção contra as próximas epidemias, a segurança informática e a prevenção do cibercrime, a revolução das profissões e dos costumes e as novas formas de empatia, sociabilidade e etiqueta social.

Em todas estas razões objetivas eu encontro outras tantas razões para a presença de diversas formas artísticas e culturais, como fator fundamental de coesão social, paz interior e barreira contra o perigo da servidão digital.

Uma prova de inteligência coletiva regional

As artes e tecnologias não são apenas disciplinas escolares, elas fazem parte integrante da inteligência coletiva territorial (Pierre Levy) e de um outro ADN das sociedades do futuro. As artes e tecnologias são uma exigência e condição do nosso tempo e um produto combinado de três inteligências indissociáveis: a inteligência emocional, a inteligência racional e a inteligência artificial.

Uma escola de artes e tecnologias tem por objetivo colocar esta inteligência a três dimensões ao serviço de uma comunidade humana, por isso, ela não se dirige apenas à faixa etária mais jovem, mas a toda a coletividade regional, tendo em vista dotar toda a comunidade de uma inteligência complexa e de uma cultura compreensiva, muito para lá de uma singela literacia de utilizador.

A fratura digital e a coesão territorial

A escola de artes e tecnologias não é uma ilha isolada, é uma escola completamente aberta à comunidade e em regime de permanente colaboração e prestação de serviços. Para o efeito, precisamos de ter uma boa cobertura digital do território e uma boa literacia dos utilizadores, o que não é possível sem uma boa infraestrutura de rede de telecomunicações no terreno e um programa de formação permanente.

Além disso, uma boa cobertura digital é determinante para um território possuir uma importante produção e colheita de dados acerca da sua própria condição. Um bom governo regional está, portanto, obrigado a cruzar e partilhar bases de dados de várias origens e a testar a sua interoperabilidade.

É o tempo das redes de vilas e cidades mutualizarem a sua cobertura digital e o tratamento dos dados que lhes dizem respeito. Neste contexto, a eventual fratura digital é, antes de mais, um problema de ordenamento do território e de política urbana. Os operadores de telecomunicações vão repeti-lo amiúde perante as autoridades públicas.

O plano verde regional e o pacto ecológico europeu

Um dos eixos principais da escola de artes e tecnologias é a sua contribuição para o plano verde ou ecológico da região onde se insere, no quadro do pacto ecológico europeu, pois, essa vertente é fundamental para assegurar uma boa qualidade de vida às populações.

A ecologia funcional, a engenharia biofísica e a arquitetura paisagista fazem parte integrante das artes e tecnologias que informam o plano verde.

Estou a falar de biodiversidade, de infraestruturas ecológicas, da preservação de habitats e ecossistemas, de corredores verdes e de serviços de ecossistemas, tudo o que permite proteger as leis da natureza e a saúde fundamental de uma população. O plano verde ou ecológico é, não o esqueçamos, a primeira prioridade da União Europeia para 2030 e 2050.

O turismo, as artes e as tecnologias

No caso da região algarvia, o turismo é uma das atividades que mais beneficia com as externalidades positivas proporcionadas pelo plano verde, desde que, ele próprio, seja mais criterioso na sua oferta, reduza a pegada turística e aumente o valor acrescentado que lhe é proporcionado pelas atividades artísticas e culturais.

A pandemia da covid 19 é uma oportunidade para fazer esta transição menos intensiva e mais diferenciada no ciclo turístico regional. Só esta opção política permitirá realizar uma diversificação bem-sucedida da base económica regional.



 

O empreendedorismo e as profissões das artes e tecnologias

No quadro da transição digital tudo está em mudança: as atividades e os clientes, as empresas e os modelos de negócio, os colaboradores, as profissões e os mercados de trabalho, os financiamentos e as tecnologias financeiras.

O empreendedorismo e as novas profissões da economia digital precisam de um enquadramento favorável que só é possível com a formação de um ecossistema digital e tecnológico apropriado.

A escola de artes e tecnologias, pela ampla abertura que propicia, é a infraestrutura mais apropriada para constituir essa retaguarda, em conjunto e parceria com as outras instituições regionais de ensino, investigação e iniciativa empresarial.

Proteger o screener e a sua servidão digital voluntária

A pandemia da covid 19 tem um impacto muito forte na transformação digital da sociedade, acelerando a digitalização de processos e procedimentos, por exemplo, na telemedicina, no teletrabalho, no ensino à distância, no comércio online, nos serviços públicos online, nos captores/sensores ambientais, nas câmaras de segurança, no combate ao cibercrime, para referir apenas os casos mais citados. A pandemia da covid 19 apertou a malha digital e digitalizou ainda mais os cidadãos.

Digamos que, involuntariamente, a pandemia causou uma maior adição digital nos cidadãos. Quanto mais isolados e distanciados socialmente mais ligados e conectados digitalmente.

É imprescindível que os cidadãos sejam alertados para o efeito sistémico perverso da servidão digital voluntária, se esta não for adotada com medida e moderação.

Quero acreditar que a constituição de uma escola de artes e tecnologias criará um ambiente favorável e o espírito crítico necessário para libertar e aliviar os cidadãos screener dessa servidão digital voluntária.

Uma outra empatia, etiqueta e ética social

Não é impunemente que tudo isto acontece. Não se trata, simplesmente, de um problema de etiqueta social face ao distanciamento social, mas de uma outra empatia e ética social face a uma invasão eventual das tecnologias digitais.

Não sabemos, ainda, como fica a sociabilidade e a comunicação humanas neste ambiente sufocante, mas a ideia de Sociedade Appstore é deveras assustadora e serve de aviso à navegação.

A Sociedade Appstore é a imagem de marca e o ícone do momento, um hiper-lugar à nossa inteira disposição. Basta descarregar. Todavia, uma aceleração digital feita num ambiente sem literacia e cultura digitais suficientes envolve um risco muito elevado e pode abrir a porta a graves episódios de violação da privacidade e da liberdade.

Notas Finais

A escola de artes e tecnologias que eu aqui proponho fará parte do futuro ecossistema digital do Algarve e estará associada aos Polos de Inovação Digital propostos pela Comissão Europeia na sua estratégia de transição digital.

É neste enquadramento que a escola ganhará toda a sua razão de ser, pois beneficiará de um ecossistema inovador e empreendedor completamente aberto às novas metodologias de ensino interativo e experimental.

Quero crer que estaremos perante um verdadeiro fablab de âmbito regional com incubadora empresarial e espaços de coworking onde se testam as novas atividades e profissões: os analistas de dados, os técnicos de logística e distribuição, os administradores de sistemas e redes online, os programadores de software, os designers industriais, os operadores de realidade virtual e inteligência artificial, os gestores de segurança informática, entre muitos outros, onde também se contam os criativos digitais e as equipas técnicas ligadas à cultura e às artes do espetáculo.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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