Pandemia – o que já aprendi (1)

«Foi o carácter social da nossa espécie que nos permitiu aqui chegar. E vai ser essa a nossa salvação»

Tempos estranhos, parecerá pouco. Tempos de incerteza, de medo e, sobretudo, de estarmos a viver numa bolha, que nos isola, de nós e dos outros – melhor definição para esta semanas?

Como espécie, os humanos sobreviveram devido à socialização e a ela estão destinados. É característica evolutiva de que agora temos de abdicar se queremos sobreviver, bem como de toda a nossa cultura e arte. Paradoxo cultural e evolutivo.

Se a vossa paciência, e a do Sul Informação, aceitarem pensamentos soltos, é isto que estes textos serão, com carácter mais ou menos regular: pensamentos nem todos pessimistas, mas também nem todos optimistas, sobre Ciência, é certo, mas não só.

1 Más Notícias Envolvidas em Proteínas
Um vírus, um conjunto de “más notícias envolvidas em proteínas”, que não chega sequer a ser considerado inequivocamente como vida, com apenas 29 genes, repito, 29 instruções para produzir proteínas e se propagar, consegue ultrapassar os 20 000 genes do dito ser superior, faz estremecer os milhares de anos de evolução cultural, social e até ética que nós desenvolvemos.

Nunca desprezar a simplicidade, seja biológica, seja comportamental, é a mensagem.

 

2 Anti-vacinas
Estes tempos, apesar do incremento de notícias falsas relacionadas com a Pandemia, parecem ser bons para a Ciência e Tecnologia, para o pensamento racional e crítico.

Nos últimos anos, vários intelectuais alertaram para que, apesar de nunca tanta informação estar acessível a tantos, o mundo assistia a um cada vez maior número de ideias, comportamentos e ações que negam, recusam e até hostilizam o conhecimento, o pensamento crítico, enfim, a Ciência.

Muitos há anos clamam horrores contra as vacinas. A eles dedico, parafraseando um meme das redes sociais: “A todos aqueles que queriam um mundo sem vacinas: este É um mundo sem a Vacina”.

A esperança, não pondo em causa o legítimo direito às crenças de cada um, deve estar no Conhecimento, na Ciência e na Tecnologia. Serão elas que nos poderão libertar. E a solidariedade e o humanismo. Essas deverão ser a esperança. E a aposta.

 




 

3 Eanes, homem bom
Na semana passada, o General Ramalho Eanes concedeu uma entrevista à RTP. Na conversa, o ex-Presidente da República, por quem aprendi a nutrir respeito, quer pela natureza humilde das suas opiniões, quer pelo espírito de missão que demonstrava em tudo o que fazia, proferiu uma frase: que daria o seu ventilador a um jovem pai, caso fosse necessário.

A frase rapidamente se disseminou em milhares de memes motivacionais.

Gosto do General, como já disse, acho-o um homem bom, um militar dedicado, generoso e com espírito de missão.

Mas, por detrás do abnegado altruísmo da frase, considero que a ideia expressa é uma ideia perigosa, a de que há “soldados” que podem ser deixados para trás, neste caso os idosos.

Eanes, ainda que não fosse essa a sua intenção, deixou no subconsciente coletivo a ideia de que há camaradas mais dispensáveis que outros, de que uma vida com muito para trás vale menos do que uma com muito pela frente, de que não devemos todos trabalhar para que ninguém fique para trás, como aliás estamos a fazer, aplanando o pico da pandemia.

Não acredito nisso. Somos e deveremos ser e agir como um bloco, enfim, como sociedade, onde ninguém deve ser deixado para trás e onde não há soldados dispensáveis.

São públicos os relatos de que, em Itália, no mais recente Inferno de Dante que tiveram de atravessar, foi preciso escolher quem deveria ser ventilado.

Não estamos nesta fase em Portugal e desejo que nunca estejamos, mas parece-me que condicionar o nosso pensamento antecipadamente para o perfil do soldado a deixar para trás de certo modo anestesia o nosso horror.

E não devia – porque é um horror. Foi o carácter social da nossa espécie que nos permitiu aqui chegar. E vai ser essa a nossa salvação.

Há dias, no meio do inferno espanhol, um título do El País afirmava:
“Éramos Felizes e Não sabíamos”.

E voltaremos a sê-lo; como, não sei.

Esse é o nosso destino – procurar ser felizes. É isto que devemos a nós próprios, às nossas famílias e, sobretudo, à nossa espécie e ao planeta que habitamos. Sabermos encontrar (novas) maneiras de sermos.

Até lá, é combater, seja no terreno com os outros, seja em casa, solitários ou com família.

Esse é o nosso destino.

 

Autor: Luís Azevedo Rodrigues é diretor executivo do Centro Ciência Viva de Lagos
Paleontólogo, Comunicador de Ciência – [email protected]

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