A sala de estar desta família é agora a escola da mãe e dos filhos

Famílias têm de se adaptar a novos tempos, em que as aulas são à distância

São 9h00 e, num dia normal, já não seriam horas para a família Relvas estar toda em casa. Mudam-se os tempos, mudam-se as rotinas e, agora, a sala transformou-se na escola.

Catarina anda no 1º ano, Gonçalo no 5º e são alunos do Agrupamento de Escolas Laura Ayres, em Quarteira. A mãe, Patrícia Jesus, é professora no Ensino Secundário no mesmo agrupamento. Entre os três, há a necessidade de adaptar horários e «ajustar logísticas». Por vezes, «é caótico», mas também há sinais de esperança, dados pelas famílias, neste Admirável Mundo Novo do ensino à distância. 

Quando, na televisão, aparece a indicação de que vai começar o #Estudoemcasa, Catarina salta do sofá de sua casa, em Vilamoura, e rapidamente se instala numa pequena mesa, colocada mesmo em frente ao televisor. As suas aulas têm sido assim – todas através da telescola, transmitidas num canal que tem despertado a curiosidade desta menina de 6 anos.

«Mãe, por que é que aparece sempre a palavra memória?», pergunta, com a aula ainda a começar. «Porque é o nome do canal – RTP Memória», responde a mãe, entre risos.

As manhãs de Catarina são preenchidas com esta nova forma de ensino, criada pelo Governo devido à atual pandemia da Covid-19 para os estudantes do 1º ao 9º ano.

As aulas desta criança do 1º ano são de Português, Matemática, Estudo do Meio e até Educação Física. «Ela costuma responder às perguntas que os professores vão fazendo e cria-se aqui uma interatividade engraçada», conta a mãe.

 

Aula de Educação Física da Catarina

 

A professora Patrícia vai ajudando a filha, nos exercícios de Matemática ditados pelo professor do #Estudoemcasa, enquanto a sua aula de Biologia e Geologia, dada por vídeochamada ao 11º ano, não tem início. O filho Gonçalo também começará, dentro de poucos minutos, uma aula de Português, através da plataforma Google Meet. Tudo parece acontecer em catadupa.

«Por vezes, aqui em casa é caótico… Há dias em que estamos os três em aula ao mesmo tempo», confessa a professora.

Apesar de estarem todos em casa (mãe, pai, que é treinador de futebol, e filhos), Patrícia Jesus nota que há menos tempo para a família. «Eu sinto que estou mais tempo em casa, mas que brincamos menos. Com tanta coisa, perde-se também muito tempo. Antes, havia momentos mais definidos, mas agora não é tão fácil gerir os horários», lamenta.

É o que se passa quando acaba a primeira aula da pequena Catarina e começa uma nova «correria». Agora, é a vez da mãe e do irmão Gonçalo.

Ele, que tem tido aulas tanto por vídeochamada, como pela telescola, já está, em frente ao computador, pronto para mais uma. Antes de a professora entrar na plataforma, aproveita para falar com os amigos. «É do que tenho mais saudades. Disso e de jogar à bola», confessa, sorridente.

 

Mãe e filho frente a frente

 

Em frente, na mesma mesa, a professora Patrícia Jesus já espera pela chegada virtual dos alunos. Não há cumprimentos à entrada da sala, mas tenta-se replicar, ao máximo, a normalidade de uma aula. «Olá, Carina! Olha a Mariana! Bom dia, Jéssica! Que carinhas de sono… mas está tudo a chegar a horas, muito bem!».

A aula de Biologia e Geologia, dada ao 11º ano, é dedicada a falar sobre uma ficha, feita online, na qual a generalidade dos alunos até teve boa nota – a média da turma foi de 17,4. Ao longo de cerca de uma hora e meia, há falhas pontuais na ligação – os alunos deixam de ouvir a professora, ou vice-versa, a chamada cai… «São as novas vicissitudes deste tempo», resume a docente.

Para estes alunos, há ainda uma grande incógnita: quando voltam as aulas presenciais. Esta quinta-feira, 30 de Abril, o Conselho de Ministros deverá decidir em que moldes e quando estes jovens voltam à escola para terem aulas nas disciplinas de exame – como é o caso de Biologia e Geologia.

«Eu vejo esse regresso com alguma apreensão. O início das aulas presenciais deverá ditar o fim destas, por vídeochamada, mas é expectável que haja pais a não autorizar os filhos a ir à escola. Haverá aqui um desfasamento, em termos de acompanhamento de matéria, que me deixa preocupada, além das questões de segurança», diz Patrícia Jesus.

Ao Sul Informação, Nuno Sousa, presidente da Federação de Associações de Pais do Algarve (FRAPAL), também se mostra preocupado com esta questão.

«Nós não concordamos com a abertura de escolas em qualquer grau de ensino. Por mais que se dividam as turmas, ninguém conseguirá garantir a total segurança e higienização de tudo, nem que se manterá o distanciamento social. A única maneira, na nossa opinião, é garantir que todos os alunos tenham acesso ao ensino não-presencial. Por pior que seja, parece-nos a melhor solução».

De acordo com os dados da Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, o Algarve tinha, à data de início deste ano letivo, 61.823 alunos, divididos pelos três níveis de ensino (Primário, Básico e Secundário).

Destes, «cerca de 9 mil» são do 11º e 12º, os anos que ainda voltarão a ter aulas presenciais, segundo revelou ao nosso jornal Alexandre Lima, delegado regional de Educação do Algarve.

 

Por breves momentos, Gonçalo muda-se para o quarto para acompanhar, com mais atenção, a aula de Português

 

Por enquanto, todos estão em casa – do 1º ao 12º. O terceiro período começou há cerca de duas semanas, a telescola e as aulas por vídeochamada também e já é possível fazer um balanço, até agora, desta experiência nova para todos.

Alexandre Lima tem a visão tanto de encarregado de educação, como enquanto responsável regional pelo setor.

«Se pensarmos um pouco, no fim do 2º período, isto caiu tudo um bocadinho de páraquedas. Ninguém estava a contar e os professores adaptaram-se como puderam. Agora, no 3º período, já há alguma experiência e até preparação prévia, além das orientações que foram recebidas por parte das escolas», enquadra.

«Numa fase inicial, na primeira semana, as coisas correram como foi possível. O que há, agora, é uma maior acalmia, alguma normalização e organização, sabendo que, mesmo assim, há um esforço muito grande da parte dos alunos e encarregados de educação, que, nesta altura, até se tornam um pouco professores. Todos estamos a fazer o nosso papel e eu digo, honestamente, que não estava à espera de tanto sucesso», considera.

A perspetiva da professora Patrícia Jesus é a mesma: «no início, foi confuso e fomos tentando perceber o porquê de alguns alunos não fazerem as tarefas, por exemplo. Não aconteceu com muitos, mas ainda hoje há casos de um ou de outro que adormece, por exemplo. São as novas rotinas», confessa.

«Temos de dar segurança aos alunos porque eles sentem-se um bocadinho perdidos nesta altura. Mais do que conteúdos ou conhecimento, temos de lhes transmitir segurança para eles perceberem que, deste lado, a coisa vai funcionando e, todos juntos, vamos ultrapassar esta situação», acrescenta.

 

Patrícia Jesus, Gonçalo Relvas, Catarina Relvas e Hugo Relvas

 

A docente conhece casos mais dramáticos, de «alunos, sozinhos em casa, a ter aulas e a ter de cuidar dos irmãos, ao mesmo tempo». «Nisto, há o risco de, infelizmente, a escola ser relegada para segundo plano», lamenta.

Nuno Sousa, da FRAPAL, considera que os professores «têm feito um trabalho excelente». Este responsável dá conta da existência de «ritmos e metodologias diferentes» entre Agrupamentos.

«Infelizmente, temos uma grande disparidade entre concelhos. Em Silves, por exemplo, temos muitos relatos de pais, dizendo que há aulas só com um terço dos alunos. A isto juntam-se, a nível geral, as queixas de famílias que não têm os materiais necessários, como computadores e acesso à Internet».

Este ponto tem sido uma das principais preocupações. As autarquias algarvias têm feito um esforço, recolhendo e entregando tablets e computadores aos alunos mais carenciados: uma ajuda «crucial nestes tempos».

«De facto, a questão da falta dos equipamentos tem sido uma dificuldade. Temos tentado minimizar os problemas, as autarquias têm dado uma ajuda grande, até indo a algumas casas entregar os trabalhos, buscá-los, usando o correio», revela Alexandre Lima.

Outra queixa dos pais, segundo Nuno Sousa, está relacionada com «alguns conteúdos da telescola menos centrados no ano de escolaridade e na matéria», mas Alexandre Lima contrapõe, explicando que este é apenas «um complemento que os professores vão orientando como acham melhor».

Na casa da família Relvas, os filhos têm gostado das «aulas pela televisão». Depois das aulas de Catarina, já é Gonçalo, após o fim da aula de Português, quem acompanha a “Hora do Conto”, sentado na mesa em frente à televisão.

Os alunos da professora Patrícia, que não têm telescola por serem do 11º ano, fazem balanços diferentes da sua experiência de ensino à distância.

Mariana Aguiar diz que a maior dificuldade tem sido o facto de «se terem de organizar sozinhos». Isabel Costa, por sua vez, garante que preferia estar na escola e o seu colega Gustavo Silva complementa logo: «em casa, distraímo-nos mais facilmente». O futuro, relacionado com os exames, é uma preocupação transversal aos 20 alunos desta turma.

 

 

No final da aula virtual, não se ouve o “trriiim” da campainha, mas, ao invés, o aviso da professora a dizer que, «por hoje, está tudo». Depois, lembra-se de dar um último recado.

«Esta semana, só vamos ter uma aula porque sexta-feira é feriado, é o 1º de Maio», recorda. Do outro lado, há um silêncio estranho. «Bem, meninos, em condições normais, estariam todos contentes por ser um dia em casa, sem aulas, mas as vossas caras dizem tudo…».

Será apenas mais um dia no meio de tantos outros, nestes tempos de confinamento e de mudanças no mundo do ensino.

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

 

 

 

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