O Hospital do Barlavento fez 20 anos e ninguém deu por isso

Este esquecimento é sintoma de quê?

A constatação: o hospital de Portimão fez vinte anos neste Verão e não se vê uma palavra, uma nota de imprensa ou algo a assinalar.

Muita coisa mudou desde a viragem do século XX para o XXI, quando o Hospital foi inaugurado. E a mudança mantém-se para formas de civilização que ainda não antevemos. No entanto, e neste caso em concreto, este esquecimento é sintoma de quê?

No concreto da história da evolução do Hospital do Barlavento, inaugurado em Julho de 1999, assistimos, em 2004, à criação do Centro Hospitalar do Barlavento, com a integração com o Hospital de Lagos, e, posteriormente, em 2013, ao surgimento do Centro Hospitalar do Algarve, com a integração com o hospital de Faro nesse centro hospitalar.

Centro este que, em 2017, conjuntamente com a componente universitário articulada e com a integração do Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul Centro, evolui para o atual Centro Hospitalar Universitário do Algarve, o CHUA.

No entanto, temos todos o sentimento de que se perdeu algo nesta fusão. De um hospital em Portimão, sem todas as especialidades, mas com boa prestação nas existentes e que respondiam à grande maioria das situações, encontramo-nos, presentemente, numa situação com várias carências não colmatadas e que se agravam.

Ainda recentemente assistimos à visita do Bastonário da Ordem dos Médicos e, das primeiras constatações que este assinalou da sua visita, foi o verificar, entre os médicos das duas instituições, este sentimento de que a fusão não resultou.

Não existe uma atitude comum, um acertar de passo entre instituições para aquele que é o seu principal objetivo: prover bons cuidados médicos para a população a que presta assistência.

 

Recordemos que a fusão aconteceu quando estávamos sob a troika. Não havia muita margem de manobra, tinha saído a lei dos compromissos, não sendo possível melhorar, comprar o que quer que fosse, sem que existisse orçamento cabimentado para tal. Acrescentar dívida não era possível.

O distanciamento temporal dos anos da troika, que nos afasta dos presentes debates apaixonados e pontos de vista parciais, aquele distanciamento que só o tempo permite, dar-nos-á a perspetiva que permita caracterizar esses tempos.

Mas algo é já possível constatar. Por exemplo, apesar das restrições decorrentes do estipulado com a troika, nesses dias as camas hospitalares do Algarve até foram aumentadas.

No caso do hospital de Portimão, este aumento foi de 18 camas. Mas hoje, sem troika, estão parcialmente desativadas, por falta de pessoal. E quando hoje temos doentes no internamento da urgência esperando vaga para subir para o Serviço, o olhar para estas camas vazias provoca um desalento.

Pensamos que não devemos permanecer neste desalento. Que tenhamos a tal “arte e engenho” para resolver as dificuldades. Encontrar formas de resolver este “nó górdio” deve preocupar-nos a todos, profissionais e cidadãos. Sabemos que nós, Algarve, temos cerca de 5% da população do país e isso condiciona muito. Assim, parece acertado concluir que precisamos de acrescentar massa crítica à equação e não dividir mais.

Essa mesma massa crítica que pode ser, entretanto, observada com o aparecimento do ABC, Centro Académico Universitário que tem como base a junção numa instituição de 3 componentes: centro hospitalar + curso de medicina + investigação em ciências da saúde.

Este Centro Académico de Investigação e Formação Biomédica do Algarve, designado por ABC – Algarve Biomedical Center, já está em marcha e vem reforçar com esta estrutura integrada de assistência, ensino e investigação clínica e de translação, o principal objetivo é o avanço e a aplicação do conhecimento e da evidência científica para a melhoria dos cuidados prestados à população. ABC onde o Hospital do Barlavento deve manter grande empenho.

Por outro lado, as mudanças existentes no Algarve reforçam a necessidade da construção de uma nova unidade hospitalar ser enquadrada na saúde a nível regional, não sendo aconselhável a sua análise isolada.

A nova unidade hospitalar deverá ser enquadrada no CHUA, devendo fomentar a colaboração entre as várias unidades hospitalares, garantindo a acessibilidade adequada e a equidade no tratamento dos doentes do Algarve.

O enquadramento no CHUA possibilita que a resolução do subdimensionamento possa ocorrer através de uma redefinição das áreas hospitalares, com reforço da área e dos cuidados a serem efetuados no Hospital de Portimão. Esta redefinição tornará mais equilibrados os cuidados de saúde hospitalares no Algarve, não colocando minimamente em causa a maior diferenciação técnica que deve existir no novo hospital.

Devemos ter, no Algarve, a intenção e capacidade de “acertar o passo” neste caminhar para um objetivo comum. Deveremos igualmente ter a ousadia de saber propor novos caminhos. O acima citado, das camas que não foram abatidos e que até aumentaram, é exemplo da imaginação necessária.

De acordo com o saber milenar: do caos emerge, qual fénix renascida, uma nova ordem. Portimão é a única cidade que conheço que tem na sua malha urbana, duas estátuas da fénix renascida. Que seja este o tom e que assim consigamos reerguer-nos.

 

 

Autor: Daniel Cartucho é médico, cirurgião geral do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) e membro do Conselho Diretivo do ABC – Algarve Biomedical Center

 

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