Investigação em curso no Castelo de Alferce revela novas descobertas arqueológicas

Trabalho de prospeção geofísica da equipa da Universidade de Marburgo já está a dar resultados

Os dois estudantes alemães que integram a equipa da Universidade de Marburgo

Ainda mal começou e a prospeção geofísica que está a decorrer, desde segunda-feira, no cerro do Castelo de Alferce, na serra de Monchique, já permitiu duas descobertas arqueológicas: foi identificada uma nova torre e surgiram evidências de que a segunda linha de muralhas também tem o formato de um pentágono, em vez do quadrado que se julgava.

A prospeção geofísica deste sítio arqueológico, que remonta pelo menos à Idade do Bronze ou pode mesmo ser mais antigo (há cerca de 5 mil anos), está a cargo de uma equipa da Universidade de Marburgo, na Alemanha, coordenada pelo arqueólogo Felix Teichner.

Desde segunda-feira passada e até amanhã, sexta-feira, dia 13 de Setembro, a equipa estará no terreno, a trabalhar numa pequena parte deste arqueossítio, que, no total, tem entre «9 a 9,5 hectares», como explicou Fábio Capela, arqueólogo municipal que também participa nos trabalhos.

O objetivo é fazer «uma espécie de radiografia do terreno», de modo o indicar aos arqueólogos onde se encontram as estruturas construídas em tempos remotos e hoje escondidas no subsolo, sem que, para isso, seja preciso escavar tudo.

Ontem à tarde, quando o Sul Informação visitou o local, Felix Teichner estava ausente, a trabalhar numa outra campanha arqueológica em curso no Algarve (na Boca do Rio), pelo que foram Thomas Schierl e Anna Jankowiak a falar à nossa reportagem.

Ao fim de menos de três dias de trabalho, Anna Jankowiak já se mostrava contente com os «resultados prometedores». A tarefa dos investigadores da universidade germânica, munidos dos seus aparelhos, é sobretudo «localizar as estruturas enterradas, nomeadamente as muralhas e paredes» e confirmar (ou não) se a entrada para o recinto amuralhado interior – o chamado alcácer do século IX, do período Emiral-Omíada – se situa no local que os arqueólogos chefiados por Fábio Capela identificaram na campanha de escavações de 2017.

O que se pretende, cruzando diferentes métodos de prospeção geofísica, um deles o georradar, é «descortinar evidências de estruturas e de outras “anomalias” de origem humana ocultas no subsolo», acrescentou Thomas Schierl.

 

Aqui está parte da equipa: os dois estudantes alemães, Thomas Schierl, Anna Jankowiak e Fábio Capela

Enquanto decorre a conversa, os dois estudantes alemães que integram também a equipa de seis pessoas da Universidade de Marburgo, estão de de fita métrica na mão a marcar os locais a partir dos quais serão colocadas no solo, a espaços regulares de 50 centímetros, uma espécie de sondas metálicas, ligadas entre si e a um aparelho por fios elétricos azuis. «Ontem foi difícil, estava aqui frio e muito vento, mas hoje está um tempo bom, mais quentinho, sem exageros», comentava Fábio Capela.

A pesquisa com georradar, por seu lado, vai permitir recolher dados que possibilitem depois a construção de «uma imagem em 3D das estruturas enterradas existentes no subsolo», fazendo uma «reconstituição em área e em profundidade», explicou ainda Thomas Schierl.

E que vantagens têm estes métodos de prospeção geofísica em relação às escavações arqueológicas tradicionais? «Permitem poupar muito tempo, porque os arqueólogos, por exemplo, poderão ver a fundação de uma casa ou a localização de uma muralha e decidir que apenas vão escavar ali», responde Thomas.

Mas também há outras vantagens: «sabendo onde estão as prováveis estruturas, os arqueólogos vão apenas escavar em sítios escolhidos e não escavar tudo, em grande extensão, evitando assim destruir todo o sítio arqueológico», acrescenta Anna. É que, salienta a jovem arqueóloga, «toda a escavação arqueológica é destruição». Assim, os investigadores poderão deixar algumas zonas do arqueossítio onde estão a trabalhar «para mais tarde», quando as técnicas e as tecnologias até estiverem mais avançadas. «Com a informação que recolhemos através da prospeção geofísica e da interpretação dos dados, podemos escavar, mas deixando partes para serem investigadas no futuro».

Para já, no imediato, a equipa continua a trabalhar no cerro do Castelo de Alferce, a curta distância da aldeia, tentando recolher, em intensos cinco dias, o máximo de dados geofísicos, «informação eletrónica e topográfica». Depois, segue-se uma longa análise e interpretação destes dados, em laboratório, quando regressarem à Universidade de Marburgo, na Alemanha.

«Não se pense que o que aqui estamos agora a fazer nos dá logo, de imediato, imagens completas e diretas do que existe aqui. Vamos ter meses de trabalho quando regressarmos à universidade, a tratar e cruzar estes dados, com a ajuda dos computadores muito mais potentes que lá temos. Aqui, no campo, temos apenas uns pequenos computadores que servem para descarregarmos os dados que vamos recolhendo, mas não têm potência para os analisar, tratar e cruzar. Recolhemos muitos, muitos dados, depois precisamos de bons computadores para os processar», disse ainda Thomas Schierl.

 

A marcar o terreno para novas prospeções

Tanto Thomas, como Anna Jankowiak têm já experiência em sítios arqueológicos portugueses. Anna, aliás, fez a sua tese de doutoramento sobre os Romanos em Portugal. Mas este cerro do Castelo de Alferce tem algumas características que agradam muito aos jovens arqueólogos da universidade alemã: «conhecemos muitos sítios romanos e islâmicos em Portugal, mas aqui estamos perante um período de transição, entre os romanos mais tardios ou mesmo povos do período visigótico e a primeira ocupação islâmica. É muito interessante!», diz Thomas.

Também a zona do povoado pré-histórico, possivelmente do início da Idade do Bronze, ou mesmo anterior, do Calcolítico Final (finais do 3º milénio, início do 2º milénio antes de Cristo), «que parece ter sido muito grande», entusiasma a equipa alemã.

Fábio Capela, arqueólogo da Câmara Municipal de Monchique, tem estado no terreno todos os dias, a dar apoio à equipa, mas também a garantir a ligação entre os investigadores da Universidade de Marburgo e os da Universidade do Algarve. O cerro do Castelo de Alferce é nitidamente a sua menina dos olhos no que ao património arqueológico monchiquense diz respeito e por isso Fábio fala deste sítio com grande entusiasmo.

E tem razões para isso, já que, das escavações arqueológicas que têm sido feitas nos últimos tempos no Castelo de Alferce, em especial da campanha de 2017, surgiram dados novos.

As plantas mais antigas, recorda, «mostram sempre um castelo quadrangular. Mas em 2004, quando houve aqui as escavações da equipa franco-belga, eles determinaram que afinal o o alcácer [a zona central, espécie de último reduto do castelo] era pentagonal e não quadrangular». Isso mesmo foi confirmado nas escavações de 2017, que decorreram sob a direção de Fábio Capela. «Confirmámos que há uma inflexão da muralha para sul e que o alcácer era pentagonal», recordou, ao Sul Informação.

«Na sequência dessas escavações e do incêndio do ano passado, que queimou a vegetação e deixou mais estruturas à vista, pudemos ainda definir que quase todos os segmentos tinhas três torres quadrangulares, adossadas exteriormente à muralha».

 

Fábio Capela, arqueólogo da Câmara Municipal de Monchique

Mas o mais interessante foi descobrir, graças à combinação da observação superficial e dos dados preliminares da propeção geofísica, que a segunda linha de muralhas, exterior ao alcácer, também tem formato pentagonal, ou seja, é uma muralha com cinco lados e não com quatro, como se pensava.

Só que a orientação deste quinto pano da segunda linha de muralhas é virada a poente, enquanto no alcácer era virada a nascente. «Porquê? Não sabemos. Terá sido por razões militares? Para adaptação ao terreno? Por capricho do arquiteto que a construiu?», interroga Fábio Capela.

As atuais sondagens geofísicas pretendem ainda determinar qual a localização da entrada para o segundo recinto amuralhado. «Pensava-se que seria num sítio, mas agora descobrimos que há uma outra grande torre adossada à muralha interior. Este é um dado inédito», conta o arqueólogo municipal.

Mais interessante ainda é que, nesse local, a segunda linha de muralhas passa muito perto da torre agora descoberta, o que faz surgir novas hipóteses. «Será que afunilaram a muralha, para a entrada ser aqui?», questiona Fábio Capela. «Não conheço nenhum paralelo, mas nunca se sabe», acrescenta, com entusiasmo.

Este ano, a prospeção geofísica será o único trabalho de campo a decorrer no sítio arqueológico do cerro do Castelo de Alferce. Mas está já em fase final um Projeto de Investigação Plurianual em Arqueologia (PIPA), a submeter em 2020 para aprovação da Direção-Geral do Património Cultural, envolvendo a Câmara Municipal de Monchique e as Universidades do Algarve e de Marburgo, bem como outros consultores científicos, para poder definir um trabalho a quatro anos de investigação sistemática neste importante arqueossítio.

«Se o nosso PIPA for aprovado, poderemos ter aqui escavações durante quatro anos. Em vez de só fazermos sondagens em alguns locais, como até aqui, poderíamos escavar em extensão. Há mesmo a hipótese de termos um campo arqueológico internacional, com a colaboração das universidades do Algarve, de Marburgo e até de Coimbra», explicou Fábio Capela.

Noutra frente, a Câmara de Monchique está também a ultimar uma candidatura ao CRESC Algarve 2020, para valorização turística. O presidente da Câmara Rui André já tinha explicado ao Sul Informação que essa candidatura inclui a criação de percursos de interpretação, com sinalética, no cerro do Castelo, bem como um Centro Interpretativo em Alferce e ainda um percurso pedestre que ligue a aldeia ao arqueossítio, passando pelo vizinho Barranco do Demo,  dotado de formações geológicas de grande interesse e povoado de lendas e superstições.

A arqueóloga Anna Jankowiak saudou esta ideia de integrar o cerro e os seus importantes vestígios «numa rota do património». «É bom que todas as pessoas e não só nós, os investigadores, possam ficar a conhecer o que aqui existe».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

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