Joaquim Romero Magalhães é doutor Honoris Causa da UAlg com «honra» e emoção

Romero Magalhães nasceu em Loulé, viveu em Faro e nunca perdeu a ligação à região que o viu nascer em 1942

É um cidadão do mundo que deu aulas em França, no Brasil e nos Estados Unidos da América, mas é a terra onde viveu até aos 17 anos a que lhe deixou «mais profundas marcas». Joaquim Romero Magalhães recebeu, esta quarta-feira, 12 de Dezembro, o Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Algarve (UAlg), numa cerimónia muito emotiva. No discurso, o professor, natural de Loulé, falou do seu Algarve, aquela região que ainda hoje, aos 76 anos, «lhe desperta os sentidos».

Receber este Honoris Causa foi uma «honra» que Joaquim Romero Magalhães aceitou «jubilosamente, depois de uma emoção incontida» que o levou «até às lágrimas» quando Paulo Águas, reitor da UAlg, lhe comunicou a decisão.

Fazendo uma autoanálise ao porquê da decisão, o professor jubilado da Universidade de Coimbra disse que a distinção se deverá a duas razões: a sua qualidade de académico algarvio e os trabalhos que dedicou à história do Algarve económico na sua longa carreira.

Paulo Águas e Joaquim Romero Magalhães

Aliás, pouco antes da cerimónia, a Biblioteca da UAlg tinha sido palco da reedição do livro “O Algarve Económico durante o século XVI”, da autoria de Romero de Magalhães.

É que, como disse, «sou algarvio por nascimento e por uma continuada vivência». «Porém, nem regionalista, nem exclusivista. Tenho procurado instalar-me numa neutralidade que me permita ser justo e avaliar, com equilíbrio, aquilo com que me depreendo. Nem tudo no Algarve é bom, nem tudo aquilo que nos rodeia em Portugal deve ser desprezado», disse, perante uma plateia emocionada.

Mas foi precisamente à região que o viu nascer que Romero Magalhães dedicou boa parte do seu discurso.

«Será o Algarve definível? Concentrado em meia dúzia de palavras,  cristalizado nuns tantos conceitos e difundido em não menos preconceitos? A que metáforas há que recolher? O Algarve é uma história. Uma literatura. Uma paisagem. Uma tonalidade luminosa: é um viver e saber viver e é um conjunto daquilo que, afinal, nos rodeia e conforta. É tudo isso. O que se vê e o que não se vê. O que é material e o que paira acima dessa realidade. É um todo, não pode ser fragmentado. É algo que ainda hoje me desperta os sentidos».

Recordando o seu amigo António Rosa Mendes, historiador falecido em 2013 e patrono da Biblioteca da UAlg, Romero Magalhães terminou citando António Pereira, poeta de Armação de Pêra: «sou algarvio e a minha rua tem o mar ao fundo».

Maria Leonor Costa, professora no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), foi a madrinha de Joaquim Romero Magalhães na cerimónia e também não escondeu a emoção de poder presenciar a atribuição do doutoramento Honoris Causa ao académico algarvio.

«O ato que aqui hoje se realiza é um desses momentos singulares de uma instituição que se deseja inclusiva e virada para o mundo. A Universidade coopta para a sua galeria de doutores uma figura emérita, exterior ao seu quadro, indiscutivelmente merecedora de um tratamento de honra. O prestígio da universidade fica enriquecido pela eminência do mérito da personalidade que assim acolhe no seu corpo de doutores», disse.

A Joaquim Romero Magalhães, a região deve uma «insubstituível história económica atenta».

«Como mostrou nos milhares de páginas que sobre o tema escreveu, o Algarve revela-se efetivamente um espaço económico, separado do Alentejo e do resto do país por forças em parte ditadas pela geografia, sendo em 1700 mais rural que em 1500. Estão ainda por fazer monografias histórico-económicas semelhantes sobre outras regiões do país», disse ainda.

Joaquim Romero Magalhães

Paulo Águas, reitor da UAlg, considerou por seu lado que, mais do que o momento da celebração do 39º aniversário da Universidade do Algarve, «esta cerimónia será lembrada como o dia em que a academia reconheceu e distinguiu o percurso da figura ímpar que é Joaquim Romero Magalhães». 

A opinião foi partilhada por Vítor Neto, presidente do Conselho Geral da UAlg, que recordou os tempos em que foi colega de Joaquim Romero Magalhães no Liceu de Faro.

«Seguimos caminhos diversos, mas não opostos. A vida assim o determinou, mas creio poder afirmar que continuamos iguais em valores e atitude social», disse.

Para Vítor Neto, o Algarve deve «muito» a Joaquim Romero Magalhães. «O título que lhe é hoje atribuído é plenamente justificado», concluiu.

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

Discurso na íntegra de Maria Leonor Costa:

 

«Em louvor de Joaquim Romero Magalhães

O ato que aqui, hoje, se realiza é um desses momentos singulares de uma instituição que se deseja inclusiva e virada para o mundo. A Universidade coopta para a sua galeria de doutores uma figura emérita, exterior ao seu quadro, indiscutivelmente merecedora de um tratamento de honra. O prestígio da universidade fica enriquecido pela eminência do mérito da personalidade que assim acolhe no seu corpo de doutores.

Quem recebe hoje as insígnias doutorais é natural de Loulé. O Doutor Joaquim Antero Romero Magalhães cedo descobriu na sua adolescência em Faro as lentes argutas com que tem observado a sociedade em que vivemos, tanto hoje, como ontem, ferida de persistentes desigualdades. O Algarve deve-lhe uma insubstituível história económica atenta a essas desigualdades. Mas, seguramente, esta cerimónia, que a todos regozija presenciar e nela participar, não nasce de coincidências de pendor regionalista. O vasto horizonte temporal e temático da obra do doutor Joaquim Romero Magalhães e a pluralidade de facetas da sua vida como cidadão conformam-se com o cunho universalista da academia que o acolhe.

O doutor Joaquim Romero Magalhães figurará entre a escassa quinzena de historiadores (nacionais e estrangeiros) enaltecidos com doutoramento por honra por universidades públicas portuguesas ao longo de praticamente um século. Por proposta conjunta das Faculdades de Ciências Humanas e Sociais e de Economia, a Universidade do Algarve, nesta cerimónia solene, faz o devido alarde do valor académico e cívico deste historiador. A história serve o presente e no presente se preparam as respostas aos desafios da mudança.

Mudança que devemos compreender, sob pena de perdermos o sentido para as escolhas públicas que realizamos como cidadãos. Este é o valor social do ofício de historiador, tal como o vemos em Joaquim Romero Magalhães. A Universidade do Algarve abre assim, mais uma vez, as portas à reflexão que prepara Portugal para o futuro, dignificando, por seu turno, os que se perfilam na sua galeria de doutores. Tentarei nesta lauda – em esforço afinal desnecessário porque a obra e o individuo falariam por si – tentarei, dizia, asseverar que o cidadão/ historiador Joaquim Romero Magalhães  retribui com a notoriedade das suas realizações a honra que lhe concede a Universidade do Algarve.

O doutor Joaquim Romero Magalhães alia uma vida de assinaláveis dádivas à sociedade portuguesa, enquanto homem público, a um destacado lugar na academia portuguesa e estrangeira. Tem vastíssimo trabalho impresso, que se individualiza num conteúdo analiticamente fecundo, simultaneamente didático e literário, em muitas páginas tão provocador como o foram alguns dos intelectuais portugueses republicanos que admira. Provocações que o próprio admite serem bem suas em título de obra recentemente publicada.

Ainda que se queiram justificadas por dever de ofício – não seja pois por feitio – destinaram- se a incitar discípulos a rasgar novos horizontes. Nos largos milhares de páginas impressas – livros, capítulos de obras coletivas, algumas que ele mesmo dirigiu, ensaios e mais de uma centena de artigos – transpira em fina, e por vezes irónica prosa, a sua ilimitada erudição, a qual, todavia, nenhum dos seus discípulos tem conseguido igualar. Mas sempre essa erudição
lhes tem servido de exemplo, instigando-os a seguir na direção mais promissora.

Uma cerimónia com este elevado significado académico oferece a merecida recompensa a quem sempre se entregou à docência com a generosidade de um verdadeiro Mestre, qualidade que nem sempre acompanha o papel do professor. Mas em Joaquim Romero Magalhães mestre e professor conjugaram-se e, por isso, deixa obra na admiração e amizade que lhe dedicam muitos historiadores seus discípulos.

As suas qualidades analíticas, voltadas para a especulação, não o impediram de abraçar funções que exigem pragmatismo. Por diversos anos académicos entre 1985 e 1999 exerceu cargos de direção na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, quer como presidente do Conselho Diretivo quer como presidente do Conselho Científico (1989-1991, 1996-1999), certamente porque para tais funções importa igualmente a consideração e confiança dos pares.

É ainda pelas suas qualidades pragmáticas, mas também pela sua sensibilidade ajustada ao exercício da diplomacia, que lhe foi confiada a presidência da Comissão Nacional Para As Comemorações Dos Descobrimentos Portugueses, com cargo de Comissário-Geral entre 1999- 2002. Ações e virtudes devidamente assinaladas com seis condecorações, cinco das quais conferidas pelo estado brasileiro e uma pelo Estado português.

Em tal personalidade e obra, Magnífico Reitor, encontram-se múltiplas razões para este ato solene. Mas gizar este laudatio não é uma função ligeira. Porque se querem bem ponderadas as palavras. Há que tentar a harmonia entre um discurso objetivo, persuasivo, das qualidades singulares do doutorando, com o desejo de as realçar num tom encomiástico. Mas também porque me vejo no gratificante papel de publicamente expressar a minha admiração e amizade pelo doutor Joaquim Romero Magalhães, pois que me cabe, então, agradecer à Universidade do Algarve a ocasião e a honra concedidas. Nos breves minutos que se seguem, relevo o que melhor ilustra os traços gerais da vida e obra de Joaquim Romero Magalhães na tentativa de asseverar o quão dignifica esta Universidade tê-lo entre a sua galeria de doutores.

Nasceu em 1942 em Loulé. Cursou o liceu em Faro e seguiu para Coimbra em 1959, preterindo no ano seguinte Direito em favor da História. Nos tempos de estudante participou no associativismo académico, então uma das formas mais expressivas de intervenção cívica e política para um jovem estudante num país em ditadura. O regime, ao reprimir a “chamada crise académica” de 1962 com forças policiais, despertaria nesta geração o interesse pela atividade política, tornando-a protagonista da resistência ao Estado Novo. Membro da República do Prakistão, Joaquim Romero Magalhães foi presidente do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra e presidente da Associação Académica de Coimbra nos anos críticos de 1962 e 1963. Defendeu a tese de licenciatura em 1967 e pouco mais tarde, após um brevíssimo período como professor do ensino secundário, encetou em 1973 a sua carreira de docente na Faculdade de Economia daquela universidade. Ali prestou provas de Doutoramento em 1984 e de Agregação em 1993. Teve posição de catedrático em 1994, sendo desde 2012 catedrático jubilado.

Logo na elaboração das provas finais de licenciatura encontrou boas razões para olhar a região onde nasceu. Escreveu um retrato inovador do Algarve interessando a prestigiada editora “edições Cosmos”, que nesses anos finais da década de 1960 se distinguia no panorama editorial português pela entrega de coleções a diretores cientes de que a divulgação científica e cultural é um meio de intervenção cívica. Saiu a sua primeira obra impressa em 1970 com o título “Para o estudo de Algarve económico durante o século XVI” na coleção Marcha da Humanidade, dirigida pelo seu mestre Vitorino Magalhães Godinho, outra figura notável da cultura portuguesa, que revolucionou a historiografia e que viu em Joaquim Romero Magalhães o seu natural herdeiro intelectual.

A revolução de 25 de Abril de 1974 alterou a marcha de Portugal, chamando o doutor Joaquim Romero Magalhães para o centro das decisões que transformariam profundamente a sociedade portuguesa. O país conheceu em 1976 uma nova constituição política. Joaquim Romero Magalhães na sua juventude, então com 34 anos, deu um
contributo decisivo a esta fase da vida nacional, como deputado eleito à Assembleia Constituinte. É hoje, como tal, Deputado Honorário à Assembleia da República, distinção que o parlamento português deliberou por unanimidade atribuir em Março de 2016 aos deputados da Assembleia Constituinte, considerando uma forma digna de comemorar os 40 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976, para a qual muito contribuiu a pluralidade das visões políticas representadas pelos diferentes deputados à Assembleia Constituinte.

Além de deputado, Joaquim Romero Magalhães deu mais serviço à causa e coisa pública, sendo secretário de Estado da Orientação Pedagógica entre 1976-1978. As suas qualidades pessoais e a confiança que mereceu das forças vivas nacionais em diversos ciclos eleitorais justificam a sua continuada intervenção na vida do município de Coimbra, como presidente da Assembleia Municipal entre 1986 e 1998.

De resto, o poder local e a economia regional orientam uma parte fundamental da sua curiosidade científica. O seu rasgo de historiador cortou com uma forma tradicional de fazer história regional e trouxe novas interpretações sobre a dinâmica das economias regionais, atendendo em especial ao caso do Algarve. Antes de tudo, o espaço: apropriado pelo homens, guiados pelas suas motivações, conflitos, com poderes adquiridos ou disputados. Há na obra de Joaquim Romero Magalhães a preocupação com a identificação das forças ineludíveis dos mercados, dos tratos e da produção – e por isso o seu imenso labor em arquivos locais e as suas imprescindíveis séries sobre preços e variações do produto agrícola. Mas há, também, na sua análise, muita atenção ao modo e às circunstâncias em que essas forças ineludíveis da economia e da tecnologia ora transformam, ora são impedidas de transformar, as interações sociais e a distribuição dos rendimentos, revelando um profundo conhecimento das instituições que regulam a vida social, política e económica dessas populações.

Esta forma de fazer história não é simples, porque os resultados não são simples somatórios de questionários parcelares. Os inquéritos que pressupõe e as fontes documentais que exige permitem a Joaquim Romero Magalhães tecer uma tese – uma ideia nuclear- fundamental sobre o Algarve, que até hoje nenhum outro historiador alterou ou sequer pôs em causa, muito diferente da “retórica passadista” como ele próprio chamou a uma historiografia glorificadora dos tempos henriquinos.

Como mostrou nos milhares de páginas que sobre o tema escreveu, o Algarve revela-se efetivamente um espaço económico, separado do Alentejo e do resto do país por forças em parte ditadas pela geografia, sendo em 1700 mais rural que em 1500. Estão ainda por fazer monografias histórico-económicas semelhantes sobre outras regiões do país. Único, portanto, o alcance desta forma de fazer história. Só um conjunto de monografias com este nível de profundidade analítica poderá com vantagem informar uma política de descentralização económica futura. Joaquim Romero Magalhães acusou essa necessidade, ao mesmo tempo que recordou que o Algarve de hoje é o resultado da
desindustrialização que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, cujas razões importaria conhecer.

Percurso que, afirma, «está por explicar, e só a história tem condições de o fazer». O passado, como o pensa o doutor Joaquim Romero Magalhães, é informação necessária para dar reposta aos problemas do presente, para uma avaliação interventiva, mas desapaixonada.

Por isso, os temas regionais estão longe de esgotar a sua inquietação, quando procura entender como os homens vivem e interagem, que motivações os guiam e que dinâmicas explicam as transformações e permanências. Comuns a todos os espaços que estuda são os concelhos, enquanto núcleo base de organização política e também de integração social e económica.

Com Joaquim Romero Magalhães, o municipalismo teve um novo fôlego como tema entre historiadores modernistas. Ficou com a sua obra bastante mais claro em que medida essa herança medieval serviu o poder central, que delegou muitas das decisões quotidianas da defesa, justiça e fiscalidade nos municípios. Tal autonomia facultou a génese e consolidação de oligarquias locais, detentoras do mais efetivo poder. Na verdade, os séculos XVI a XVIII ofereceram a Joaquim Romero Magalhães a demonstração de que a modernidade – na sua dimensão económica, financeira, institucional e política promovida pela mundialização dos mercados – causa tensões e os poderes instalados são com frequência forças de resistência à mudança.

A história em Joaquim Romero de Magalhães é um ofício de cidadania: não dispensa as velhas e provadas ferramentas da análise crítica de fontes documentais, mas também não dispensa interrogações orientadas por um espírito erudito, por uma inteligência invulgar, despertas para os problemas do presente. O que interessa a Joaquim Romero Magalhães ajuda, pois, a descortinar onde se instalam, mas também como se desvirtuam, as forças da mudança. É com a preocupação de descobrir os diferentes caminhos pelos quais se perderam os impactos modernizantes de inovações, incluindo as financeiras, que questionou temas como o crédito público e a fiscalidade.

A história, como a faz e preconiza este historiador, distingue-se de um aprazível repositório de estórias, que se costuma permitir a um colecionador de objetos carregados de memórias ou a um catálogo de antiquário. Não que nas suas páginas faltem pitorescas viagens ao encontro de homens e mulheres cuja vida vivida Joaquim Romero Magalhães devassa em prosa bem-humorada. Todavia, o pitoresco é instrumental. É sedução do narrador quando quer dizer do significado social da repressão, como foi arquitetada pela Inquisição no Algarve em 1630, ou quando mostra um império Atlântico, consolidado no século XVIII, tecido pela circulação de homens de carne e osso.

A familiaridade com temas do Brasil colónia, com colaboração extensa em obra dirigida por historiadores de renome na academia internacional, em muito beneficiou da sua inserção na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, onde assumiu o cargo de comissário geral entre 1999 e 2002.

Esta iniciativa comemorativa, dependente da Presidência Do Conselho De Ministros, reforçou notavelmente o sentido da sua missão aquando do comissariado de Joaquim Romero Magalhães. Coube-lhe o programa das comemorações do achamento do Brasil, procurando-se o envolvimento conjunto dos dois países. O comissário-geral era, pois, alguém com evidentes competências diplomáticas, fazendo o elo entre o que poderia ser uma celebração de estrito interesse nacional com a necessária participação de outros estados, ex-colónias, estes com eventuais reservas quanto ao sentido dessas comemorações.

O projeto foi bem conseguido, acarinhado por ambas as partes, certificando as qualidades diplomáticas, mas
também a reputação científica que o comissário-geral Joaquim Romero Magalhães tinha e tem nos meios académicos e intelectuais brasileiros. Confrontado com cortes orçamentais no último ano, impuseram-se-lhe escolhas e decidiu que não seriam tantas as exposições (que as houve, e muitas, e com coleções extraordinárias), que não seriam tão numerosas as atividades recreativas, viradas para o grande público. Ficaram, no entanto, preservadas, e até estimuladas, as atividades editoriais. Joaquim Romero Magalhães justifica: «considerou-se que o que na verdade marca as comemorações, o que deixa uma marca indelével para futuro é tudo aquilo que se publica, seja em forma de revistas ou de livros, seja em CD_ROM, seja em qualquer outra forma de registo audiovisual».

Com tal preocupação editorial, as comemorações chamaram a história; e pela visão do comissário-geral Joaquim Romero Magalhães, em momentos menos fáceis da vida pública, distinguiram-se de uma efeméride inconsequente.

A notabilidade da ação de Joaquim Romero Magalhães foi evidenciada por organismos públicos brasileiros e pelo Estado português. É Comendador da Ordem do Mérito Cultural do Brasil desde 1999, ano em que também recebeu a medalha Almirante Tamandaré de Mérito Naval do Brasil.

Em 2000 recebeu o grau de Grande Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul, o mais alto agraciamento do estado brasileiro a cidadãos estrangeiros. Obteve a medalha de mérito da Fundação Joaquim Nabuco e foi distinguido como Grande Benemérito do Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro em 2001. Em 2002, o Estado Português reconheceu a excelência da sua obra e carácter, concedendo-lhe a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, uma das duas únicas ordens nacionais de maior prestígio. Distingue personalidades com serviços relevantes a Portugal, no País e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura, história e valores nacionais.

No caminho trilhado como cidadão e historiador, Joaquim Romero Magalhães adiou muitas vezes a escrita de um livro, que, no entanto, viu a luz do dia na ocasião certa. Refletiu sobre a República em “Vem aí a República 1906-1910”. Desta vez não é o espaço, mas sim o tempo curto do acontecimento político e da imprensa que guia o seu inquérito.

O momento histórico da emergência das forças republicanas fala particularmente a Joaquim Romero Magalhães pelas suas raízes familiares. O modelo que seguiu de cidadania é uma herança desta fase da vida nacional, que lhe é passada pelos avôs, um partidário de Afonso Costa, o outro amigo de Mendes Cabeçadas. Pelos testemunhos que proliferam neste livro, construído em jeito de reportagem, chamando os protagonistas a depor, as forças republicanas impuseram-se como alternativa a uma monarquia liberal bloqueada pelos próprios partidos políticos, esvaziados de ideias e de programas por vicissitudes várias, incluindo a premente questão das finanças públicas – sendo impossível servir os juros da dívida em 1891 – e instalando-se uma inconstitucional promiscuidade entre despesa privada da casa real e dinheiro dos contribuintes.

Tratou-se de um período da história nacional assistido por uma profícua produção publicista da autoria de intelectuais – não académicos – com ensaios sobre linhas constantes da história económica e social portuguesa, muitos divulgados na revista Seara Nova e que inspiraram Joaquim Romero Magalhães no seu modo de interrogar Portugal. Em tempos de efervescente mudança, a esse novo regime e à intelectualidade que o sustentou, Joaquim Romero Magalhães atribui a generosidade de transformar os súbditos portugueses em cidadãos portugueses. Como afirma, «a centralidade da cidadania é o grande contributo do novo regime. Que nunca pode ser minimizado».

A afinidade pessoal e o conhecimento sobre o período da Primeira República, bem assim como a sua experiência anterior nos programas comemorativos, impuseram-se como razões quase óbvias para a sua integração na Comissão de Projetos para a Comemoração do 1º Centenário da República Portuguesa em 2005 e na Comissão Consultiva das Comemorações do Centenário da República entre 2009‐2011.

A reputação científica e académica de Joaquim Romero Magalhães tem âmbito internacional. Lecionou em prestigiadas Universidades estrangeiras. Foi professor convidado da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (1989 e 1999); da Universidade de São Paulo (1991 e 1997) e da Yale University (2003).

Pesem embora as múltiplas veredas da internacionalização da sua obra e reputação, o que em muito engrandece Portugal, Joaquim Romero Magalhães mantém o vínculo ao Algarve, dirigindo a publicação de Anais do Município de Faro desde 2009. Recordemos que o conteúdo universalista da sua inquietação intelectual como historiador aqui começou.

Magnífico Reitor,

Por todas as razões expostas, que a minha arte oratória escassamente consentiu louvar, solicito que se proceda à entrega das insígnias de doutor honoris causa pela Universidade do Algarve ao cidadão e professor Joaquim Romero Magalhães. A atribuição da honra deste doutoramento a um insigne historiador, com largo serviço prestado à nossa sociedade, dignifica também a área do conhecimento que ele tão bem promoveu, oferecendo-nos as ferramentas para melhor compreendermos o que é Portugal».

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