Há um “Algarve Natural” e as crianças algarvias já o estão a descobrir

O projeto “Algarve Natural” está a levar crianças do 4º ano de escolas algarvias ao campo, para conhecerem de perto as riquezas naturais, mas também culturais, da região

Foto: Pablo Sabater|Sul Informação

«Aprendemos que há muitos pássaros na natureza, se a gente os escutar, que os sobreiros não ardem facilmente e que os eucaliptos não são daqui, mas da Austrália, e que ardem com facilidade». Os alunos da Escola Básica do 1º Ciclo de São Roque, em Monchique, aprenderam isto e muito mais na primeira saída de campo do projeto “Algarve Natural”,  que está a levar crianças de todos os concelhos do Algarve à descoberta dos valores naturais da região.

Esta iniciativa da Região de Turismo do Algarve (RTA) foi lançada na segunda-feira, dia 22 de Outubro, e decorre até dia 9 de Novembro. Neste espaço de tempo,  crianças do 4º ano de escolas dos 16 concelhos algarvios vão ter a oportunidade de se fazer ao caminho e conhecer melhor o território onde habitam. Esta primeira saída foi dinamizada pela Almargem, por ter acontecido na Via Algarviana, cuja gestão e manutenção está a cargo desta associação.

«Nós já tínhamos promovido uma iniciativa semelhante, a Via Algarviana Júnior. Esta é, mais uma vez, dirigida às crianças. O facto de começar em Monchique é simbólico, tendo em conta que passam agora três meses da calamidade que assolou o concelho e queríamos assinalar esse facto, olhando para o futuro e de forma positiva», revelou aos jornalistas João Fernandes, presidente da RTA, que foi até aquele concelho, na segunda-feira, para acolher as crianças da escola de São Roque, no seu regresso da saída de campo .

«A ideia é sensibilizar as crianças para a riqueza do património natural e cultural do Algarve, porque nestes caminhos se aproveita para retomar algumas tradições. Este exercício vai ser feito em diversos pontos, por todo o Algarve: na Via Algarviana, no Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) e na Rota Vicentina. Em cada um dos 16 concelhos, vamos dar a oportunidade aos alunos do 1º ciclo de conhecer as ofertas de turismo de natureza que existem no próprio concelho», acrescentou.

Foto: Pablo Sabater|Sul Informação

O Sul Informação também esteve em Monchique e falou com Alícia, Daniela, Diogo e Francisco, quatro dos cerca de 20 alunos que participaram no passeio. E todos se mostraram satisfeitos com a experiência. «Gostámos de ver a natureza, as folhas e as coisas verdes e ver a vista linda, como é aqui em Monchique», segundo Alícia.

Para estas crianças, o contacto com a natureza não é propriamente novidade. «Nós vivemos ali no meio», resume Alícia, que depressa assume o papel de oradora, perante alguma timidez dos seus colegas.

«Já sabia a maior parte do que nos disseram. Já conhecemos muitas plantas. Mas hoje aprendemos que há uma que as abelhas adoram, que é a urze», diz Daniela, que vai ganhando confiança e faz questão de se juntar à conversa.

Diogo, por seu lado, reteve que só há um animal que consegue comer as folhas dos eucaliptos, que são «os coalas, que não existem cá». Isto porque, explicaram a várias vozes as crianças, «as folhas do eucaliptos têm um pouco de veneno, mas os coalas comem muito devagarinho e têm um organismo e dentes especiais».

Os quatro alunos da Escola Básica de São Roque – e, certamente, os seus colegas – não esconderam ao Sul Informação que, por eles, voltavam a sair para o campo, para conhecer, mas também «para não ter aulas».

Foto: Pablo Sabater|Sul Informação

Avaliando pela reação e pela resposta (quase sempre) na ponta da língua dos mais pequenos, um dos grandes objetivos desta iniciativa foi atingido. «Queremos dar a estas crianças uma ideia do que aqui existe, dos animais que aqui habitam e as plantas que há, porque para elas isso ainda é uma ideia algo abstrata. Para alguns, é como se pudessem existir leões (risos). Por isso, falamos do que há cá e de como os habitats são importantes. No final, conseguimos perceber que eles retiveram muita da informação e entenderam a mensagem», segundo Anabela Santos, da associação Almargem, que dinamiza as saídas de campo na Via Algarviana.

«Há pouco, quando passámos pelo primeiro sobreiro, todos eles sabiam que árvore era, até porque a maioria tem alguém na família que subsiste da cortiça. Sabiam o que queria dizer o número e todos eles tinham a ideia de quanto tempo era preciso passar para voltar a tirar a cortiça. Mas, depois, quando fizemos a comparação entre esta árvore e o eucalipto, muitos não sabiam que este não era cá de Portugal», disse.

A Almargem, nas saídas que já efetuou e continuará a dinamizar, em conjunto com a RTA, até ao dia 9 de Novembro, vai procurar «sempre fazer um pouco da Via Algarviana, tendo em conta que muitas destas crianças não sabem que esta via existe». No caso dos alunos de Monchique, quando Anabela Santos lhes disse que «havia muita gente a vir de fora de Portugal para fazer de propósito estes 300 quilómetros, eles ficaram pasmados».

Como explicou João Fernandes, mais do que passar conhecimentos às crianças, estas saídas de campo e os jogos didáticos que lhe estão associados pretendem ser uma forma de passar a importância dos valores naturais a toda a sociedade.

«As crianças têm esta capacidade de ser uma caixa de ressonância, que educam os adultos. São o nosso futuro, mas também o nosso presente, com essa capacidade de induzirem comportamentos mais responsáveis para com a floresta, para com a separação de resíduos e um conjunto de práticas que os adultos vêm a adoptar pela boa influência dos mais novos», disse.

Foto: Pablo Sabater|Sul Informação

Desta forma, formar-se-ão cidadãos mais conscientes e haverá mais condições para evitar tragédias como a que assolou Monchique no Verão, cujas consequências ainda são bem visíveis, neste concelho.

«O incêndio acabou por ser, também, um dos temas abordados, até porque muitas das crianças foram evacuadas durante a noite e apanharam um grande susto. Foi engraçado vê-las comentar que à volta das suas casas só havia eucaliptos e fazer a associação com essa espécie de combustão rápida», segundo Anabela Santos, da Almargem.

«Algumas destas crianças viveram situações assustadoras e conversando com elas percebe-se isso. Algumas estão ainda muito tristes com o que aconteceu e atividades como esta são muito importantes para ajudar a resolver esse problema, mas sobretudo, para que elas possam valorizar a sua terra em termos culturais e naturais», reforçou o presidente da Câmara de Monchique Rui André.

Há, de resto, um programa municipal neste concelho, o “Viver Monchique”, que «tem objetivos muito semelhantes» e visa que as crianças e jovens possam olhar para o interior do Algarve «como um sítio de futuro, onde possam aplicar estes conhecimentos, quem sabe, numa profissão ligada à natureza e aos nossos produtos endógenos».

Assim, quem decidir ir passear na Via Algarviana, no PNRF ou na Rota Vicentina, por estes dias, poderá cruzar-se com pequenos caminhantes e, quem sabe, aprender alguma coisa com eles.

 

Fotos: Pablo Sabater|Sul Informação

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