Alcalar apresenta um “novo” túmulo megalítico

Os Monumentos Megalíticos de Alcalar, situados no interior do concelho de Portimão, estão prestes a ganhar um novo túmulo, batizado […]

Os Monumentos Megalíticos de Alcalar, situados no interior do concelho de Portimão, estão prestes a ganhar um novo túmulo, batizado pelos arqueólogos como Túmulo 9. A recuperação desta estrutura milenar está quase concluída, para que os visitantes possam começar a usufruir de mais um ponto de interesse naquele monumento nacional.

Situado ao lado do mais imponente Túmulo 7, este Túmulo 9 é mais novo «200 a 300 anos» que o seu vizinho do lado, segundo o arqueólogo Rui Parreira. «O Túmulo 7 é mais antigo, é de meados do 3º milénio antes de Cristo, enquanto este ainda estava em uso e aberto quando esse já estava selado», acrescentou. Ou seja, o Túmulo 9 tem uma datação que aponta para a sua construção «na passagem do 3º milénio para o 2º milénio» a.C. Um jovem, portanto, com pouco mais de 4 mil anos.

O mais curioso sobre este túmulo construído com grandes pedras (daí o nome megalítico) é que, segundo a arqueóloga Elena Morán, ele terá «colapsado», ou seja, caído, quando ainda estava a ser utilizado…o que não abona muito a favor do seu construtor.

Na deslocação do Sul Informação a Alcalar, apontando para os dois túmulos que se podem ver lado a lado, Rui Parreira comentou, em tom de brincadeira: «o arquiteto deste era diferente».

«Este, por fora, era mais robusto que o 7, feito com pedra calcada com barro. O que falhou aqui foi a estrutura interna», acrescentou Elena Morán. «O problema foi o empreiteiro, não o arquiteto», gracejou.

Os túmulos megalíticos de Alcalar – há mais para além destes dois – têm em comum o facto de se tratar de mamoas, ou seja, estruturas em forma arredondada de mama, situadas no topo de montes, talvez para serem vistas ao longe, como símbolo de poder dos habitantes que moravam na colina ao lado, no povoado.

Eram constituídos por um corredor de acesso a uma câmara interior, estruturas construídas com grandes lajes de pedra, neste caso calcário ou grês. Nessa câmara interior, por vezes em nichos, eram depositados os mortos e as suas ossadas, acompanhados com objetos que simbolizavam o seu estatuto de poder.

Esse corredor e câmara eram cobertos depois por pedras mais pequenas, às vezes ligadas com barro, formando o tal monte arredondado. O coroamento era feito com pedras mais pequenas, geralmente pedras calcárias brancas, que seriam vistas à distância, como uma marca na paisagem. Toda a estrutura, de forma circular, era rematada por lajes. Como os construtores de há cinco mil anos não sabiam ainda construir abóbadas, a câmara circular interior era tapada, no topo da mamoa, por uma grande laje de pedra.

Não menos importante era, acredita o casal de arqueólogos Rui Parreira e Elena Morán, que há décadas se dedicam aos estudo de Alcalar, a praça frente à entrada do túmulo. «A praça do túmulo 9 que está já escavada é quase do mesmo tamanho do túmulo em si», explicou Rui Parreira. Isso demonstra que, além do monumento, os rituais que se faziam nestas praças eram também momentos muito importantes da vida das populações milenares, «associados a uma arquitetura da paisagem».

Nos trabalhos especializados de restauro e conservação que têm estado a decorrer no Túmulo 9, candidatados pela Direção Regional de Cultura do Algarve ao CRESC Algarve 2020 e que custam pouco mais de 106 mil euros (financiados em 60% pelo FEDER), «optou-se por refazer o túmulo, mantendo o interior, que já tinha sido consolidado em 2008, e encher o interior com leca», de modo a ajudar a manter de pé a «estrutura muito fragilizada», como explica Elena Morán.

Foi ainda reparada a fachada (onde são visíveis as pedras inclinadas, devido ao colapso do túmulo, que aconteceu há milhares de anos) e colocados drenos para «evitar a piscina que se formava aqui à frente sempre que chovia».

«Todas as pedras que estamos a colocar na fachada são pedras que retirámos da estrutura de condenação [fecho] do monumento», acrescentou Rui Parreira.

Essa estrutura de fecho, com grandes lajes de pedra, «prolonga-se desde o interior até à fachada e depois a toda a volta» do monumento.

Mas as obras agora feitas, esclarece Elena Morán, são «uma intervenção reversiva». É que, «se alguém, no futuro, quiser fazer outro tipo de intervenção, ou mais estudos, é possível». Bem diferente da «intervenção à bruta» feita no século XIX. «Mas, nesse tempo, o que interessava a esses primeiros arqueólogos eram os objetos em si, por isso, abriram uma trincheira para ir até ao interior, à procura desses objetos», contou Rui Parreira.

Sendo Alcalar um monumento nacional e dos mais visitados no Algarve a nível de arqueologia, «o restauro implica que não fique só memória, mas que seja também divulgado até para servir de exemplo». O custo total da intervenção (106.315 euros) envolve a empreitada de intervenção no monumento, os arranjos exteriores, bem como a preparação e edição de uma monografia, quer sobre este Monumento 9, quer sobre os trabalhos em si. Ou seja, o que os investigadores descobriram ou a metodologia dos trabalhos de conservação e restauro não ficarão trancados a sete chaves numa gaveta, antes serão divulgados.

Rui Parreira, que é também o diretor de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura do Algarve, salienta que se trata de «um projeto muito virado para o turismo, já que estamos a preparar o monumento megalítico para poder ser visitado, fruído pela população e pelos turistas».

O «ídolo oculado», depois do seu restauro – Foto: Ricardo Soares

Mas nem essa perspetiva levou a que a intervenção descurasse os aspetos da investigação científica. A datação deste túmulo, que o torna umas centenas de anos mais novo que o vizinho Túmulo 7, foi feita «a partir dos ossos de um enterramento secundário descobertos no interior».

«Foram descobertas duas taças de cerâmica e, por cima, um crânio e os ossos compridos, que foram datados no Laboratório de Antropologia da Universidade de Coimbra», recorda Rui Parreira. Os ossos eram de «um indivíduo de meia idade, que sofreu um traumatismo craniano mas sobreviveu, porque há reconstrução de osso. Era um indivíduo robusto», provavelmente um chefe. Mas «também encontrámos mais quatro indivíduos, entre crianças e adultos».

Mas não se pense que toda a população dessa Alcalar de há mais de 4 mil anos era enterrada aqui. «Havia segregação social, isto era apenas para as elites do povoado e do território», sublinhou o arqueólogo.

Estes algarvios antigos usavam «adornos, em marfim, âmbar, cobre, ouro, pedras verdes, materiais que por vezes eram trazidas de outros lados», até de muito longe. Isso demonstra o seu poder e importância social.

Os trabalhos arqueológicos levaram ainda à descoberta de uma falange, que primeiro se pensou ser de cavalo e depois se descobriu ser de zebro, um equídeo «que havia aqui até ao século XV, mas que hoje está extinto».

Noutros túmulos semelhantes, esses ossos estão decorados, mas aqui, lamenta Rui Parreira, «a nossa falange não está decorada». Mas não deixa de ser importante para acrescentar mais uma página à pré história de Alcalar.

No entanto, a mais interessante peça descoberta pelos arqueólogos, nesta intervenção, foi um «ídolo oculado». «A parte decorada do ídolo estava in situ [no local], enquanto a não decorada estava nas terras da escavação do século XIX», que os investigadores atuais passaram a pente fino. O ídolo, um pequeno cilindro de pedra decorado com uns grandes olhos, foi restaurado no Museu de Portimão, onde pode agora ser visto.

O novo Túmulo 9 vai ser mostrado ao público já com todas as obras terminadas em Maio, nas comemorações do aniversário do Museu de Portimão, quando aqui se realizar mais um Dia na Pré-História, a iniciativa que costuma levar centenas de visitantes, na sua maioria famílias com crianças, aos monumentos megalíticos.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação (à exceção da fotografia do ídolo oculado)

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