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El-Rei Boris I, de Andorra e um pouco de Olhão

Talvez faltem os adjetivos para caracterizar a vida de Boris Skossyreff. Foi decerto atribulada; muitas vezes incerta, sempre aventureira, nunca linear. Fez-se de encontros, de desencontros, de prisões em vários países. Ele que um dia se autoproclamou Rei de Andorra, que nunca desistiu, que inventou histórias, conversas com Hitler, passaportes, e que, durante aqueles seis meses, agitou a vida pacata da vila de Olhão. Ou não fosse ele o «mano-rei».

«Bem, com o Boris é sempre difícil escolher por onde começar», diz-nos António Paula Brito de Pina mal nos sentamos para uma conversa que durará mais de uma hora. E que passará pela Rússia, pela União Soviética, pelo Reino Unido, por Espanha, França, Estados Unidos da América. E Olhão.

Há 15 anos que parte da vida deste médico, que é dirigente da APOS – Associação de Valorização do Património Cultural e Ambiental de Olhão, também se confunde um pouco com a deste Boris Skossyreff. Foi um daqueles casos em que do inesperado surgiu uma história. Ou várias.

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«Este indivíduo foi um aventureiro! Eu até diria que era quase um Corto Maltese que esteve em todos os acontecimentos da História», diz.

O nome era-lhe totalmente desconhecido. Leu-o pela primeira vez num dia banal, igual a tantos outros, em que estudava, no Arquivo Municipal, a vida do olhanense Francisco Fernandes Lopes (outra das paixões deste investigador da história local).

«Quando li as primeiras coisas pensei logo: mas o que é isto?! Havia muitas lacunas e isso dava-me uma curiosidade quase romântica», enquadra António Paula Brito de Pina.

Boris Skossyreff é um nome longe de figurar nas grandes páginas da História. Mas a verdade é que acompanhou os grandes acontecimentos do século XX – e passou por Olhão.

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Boris Skossyref na Armona

Senão vejamos: nasceu em 1896 em Vilnius (então território da Rússia dos Czares), numa família aristocrata. Participou na I Guerra Mundial, viveu a Revolução Bolchevique de 1917, deu-se com fascistas como Primo de Rivera, com nazis, diz-se que foi um espião alemão, mas talvez também americano durante a Guerra Fria, esteve preso em mais do que um país. E foi Rei de Andorra – pelo menos, na sua cabeça.

«Logo para começar, foi o único homem da sua família que sobreviveu à Revolução Bolchevique. Era um tipo culto, que falava muitas línguas, e conseguiu tornar-se ajudante do exército inglês que estava na Rússia durante a I Guerra. Precisavam de intérpretes e ele fazia a ligação entre o russo e o inglês. Quando se deu a Revolução, em 1917, os britânicos retiraram-se e ele foi com eles», conta António Paula Brito de Pina.

Já no Reino Unido, sem dinheiro, começa a dedicar-se a algo que seria «transversal» na sua vida: «os pequenos crimes».

«Passava cheques falsos, não pagava as pensões onde dormia… E nós sabemos, até por notícias da época, que ele era muito sedutor e conseguia ter dezenas de mulheres a ajudá-lo. Que lhe davam dinheiro. Podemos dizer que a vida toda ele foi, muito provavelmente, um vigarista», diz o presidente da APOS.

Expulso do Reino Unido, andou pela Holanda, França, «sempre fazendo pequenas falcatruas», até chegar a Palma de Maiorca, onde se casa. E onde terá também começado a formar a ideia de se autoproclamar Rei do co-principado de Andorra, o que aconteceria em 1933. Título: Boris I.

«O tipo que sabe mais sobre ele – um investigador espanhol – defende que, quando se autoproclamou, o Boris quis causar uma confusão tal e estaria a ser apoiado pelos serviços secretos alemães. O Hitler tinha acabado de conquistar o poder e, sinceramente, eu tenho dúvidas, mas… a verdade é que foram forças de extrema-direita que o apoiaram, nomeadamente da Falange espanhola. E isso sabemo-lo devido ao Francisco Fernandes Lopes», conta António Paula Brito de Pina.

Mas o que movia este homem? Que argumentário apresentou para, certo dia, ter dito unilateralmente: «eu sou o Rei de Andorra»?.

«Ele via a sua ascendência aristocrática quase como um direito divino. E então aproveitou-se do facto de o co-principado de Andorra sempre ter tido dois príncipes: o rei de França e o bispo espanhol de Urgell. Quando se deu a implementação da República Francesa, o Presidente passou a exercer essas funções de príncipe, o que foi aproveitado pelo Boris para dizer que tal não era possível. E para se autoproclamar como rei», explica o investigador local.

E mais: Boris Skossyref sempre se achou um «injustiçado»; queria viver a vida que achava que os bolcheviques lhe tinham roubado em 1917. E tinha uma inegável sede de protagonismo.

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Boris Skossyref

A verdade é que este intento causou mesmo uma «crise mediática» tal à volta «dessa ideia de ser rei». Boris criou e chegou a imprimir uma Constituição para Andorra, apareceu em todos os jornais, deu entrevistas ao The Times, ao Daily Herald.

Terá mesmo sido Rei? Boris argumentava que sim, mas nada o comprova.

«Durante a vida, ele sempre disse que tinha sido Rei de verdade. Contava que tinha havido uma reunião com o Conselho Geral de Andorra que lhe terá dito que concordava, mas que não queria assumi-lo publicamente. A verdade é que nas atas desse Conselho Geral nada disso figura. Provavelmente mentiu outra vez», conta António Paula Brito de Pina, entre risos.

Acabaria por ser expulso de Andorra, voltar a Espanha e foi aí que se deu outro dos episódios mais curiosos da vida de Boris: a fuga para Portugal, onde entrou pela Serra de São Mamede (Portalegre), em 1935.

«Ele conseguiu entrar em Portugal com uma carta do Rolão Preto, líder dos Nacional-Sindicalistas, para entregar a um amigo que estaria em Portalegre». Consegue-o, vai para Lisboa, onde está por uns dias – a sua presença desperta curiosidade.

O seu passaporte tinha uma condicionante: só poderia sair de Portugal para França e, a partir do momento em que abandonasse terreno luso, não poderia voltar a entrar.

Tal como hoje, Olhão tinha uma «vivência de mar muito maior». Era uma vila piscatória, «de emigração para Marrocos, de ligações legais, outras menos legais». No fundo, era mais fácil «dar o salto».

Boris chegou a Olhão em 1935 e por lá ficou durante seis longos meses. Em que fez amizades, principalmente com Francisco Fernandes Lopes, em que nadou na Ria Formosa, em que se «comportava como um Rei», com uma certa altivez. Em que deixou uma marca.

«Além da correspondência com o Francisco Fernandes Lopes, havia pessoas, com quem falei quando comecei a estudar o Boris, que se lembravam da presença dele. Até porque tinha porte de rei, tinha modos e, ao que parece, aqui nunca fez vigarices», conta.

Há um episódio que também ainda estava muito presente na memória dos locais. «Ao que parece, o Boris gostava muito de ir nadar para perto da Ilha do Coco [Ria Formosa], frente a Olhão. E então pagava a um homem, que era conhecido como o Corta-Machados, que o levava num barco a remos e o chamava mano-rei», diz António Paula Brito de Pina, entre risos.

A expressão «mano-rei» nem era nova, mas ficou-lhe arreigada: tinha sido criada, por pescadores olhanenses, para chamar o Rei D. Carlos I quando, nas suas viagens de barco, passava ao largo de Olhão.

No Algarve, Boris não ficou só por Olhão e pelas ilhas-barreira (que conheceu): também foi a Monte Gordo, a Monchique, conheceu Mário Lyster Franco e conseguiu mesmo sair de Portugal, de barco, mas partindo de Lisboa.

«Quem se disponibilizou para o levar, percebeu que tinha autorização para ir e não para voltar. E pensaram: eu levo-o, não o querem, trago-o de volta e depois? Ando com ele eternamente no barco? Por isso é que andou por aí, esperando, tentando», recorda.

A PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado – também andava a vigiá-lo, tal como comprova um dossiê que lhe é dedicado e que ainda pode ser consultado na Torre do Tombo.

Já em França, voltou a ser preso, colocado num campo de refugiados, depois libertado pelos alemães em 1942, durante a II Guerra. Mas escolheu o cavalo errado: os Aliados ganharam o conflito e Boris foi capturado pelos americanos.

Ao que parece, terá sido, depois, recrutado para espionagem contra a URSS – durante a Guerra Fria – o que levou a que passasse oito anos preso na Sibéria (Rússia).

«Isso é outra coisa que me intriga: como é que este tipo, sendo um nazi, um traidor, consegue sobreviver na Sibéria», interroga-se António Paula Brito de Pina.

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António Paula Brito de Pina

Boris acabaria por regressar à Alemanha, onde morreria em 1989. A última correspondência conhecida entre ele e Francisco Fernandes Lopes é de 1958. Dava conta da morte da sua mulher, Marie Louise Parat de Gassie.

Na Alemanha, ainda tentou mais alguns «golpes mediáticos», mas sem sucesso. Escreveu um livro, onde contava uma história que, se soube depois, era inventada. Mais uma.

«Nesse livro, ele diz que tinha estado na Conferência de Ialta e que até tinha falado com Hitler. Mas é tudo mentira! Sabe-se que ele nem nunca esteve em Ialta sequer», conta António.

Mesmo na sua passagem por Olhão, ainda há incógnitas: de onde vinha o dinheiro com o qual viveu?

Boris Skossyreff é um enigma, mas, também por isso, a sua história se torna ainda mais interessante. «Sei que ando a estudar a vida de um tipo que não foi exemplar, mas isso também dá ainda mais gosto», diz o investigador local.

É essa paixão que se quer passar esta segunda-feira, 31 de Março, num seminário internacional que a APOS vai realizar em Olhão. Haverá a exibição de um documentário sobre a vida desta personagem enigmática, com a presença da ministra da Cultura de Andorra – onde se continua a conhecer esta figura.

A conversa termina com uma visita ao escritório de António Paula de Brito Pina, um verdadeiro repositório de documentos, imagens, recortes de jornal (como o “Diabo”, onde Francisco Fernandes Lopes escreveu sobre Boris). É engraçado vê-lo em fotos na Armona, em Carvoeiro, a banhos.

«Isto é uma figura fantástica, não é?».

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  • Excelente! Eis o que podemos apelidar como “uma boa história”!
    A projeção do filme sobre esta história será às 11h de dia 31 de março no Auditório Municipal de Olhão.

  • infraquinta rumo à sustentabilidade
    emarp

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