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Caro leitor, olhe à sua volta e repare bem no ambiente internacional que nos rodeia, pense por um momento o que o futuro nos reserva.

Pense, por exemplo, na justiça intergeracional. A justiça intergeracional está em dificuldades, os ausentes não têm quem os represente. Estamos a exportar dificuldades acrescidas para os nossos próprios descendentes.

Esta impunidade do presente face ao futuro é uma verdadeira expropriação: poluição, resíduos nucleares, dívida pública, baixas remunerações, baixas pensões, insegurança, serviços públicos de má qualidade, etc.

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Eis alguns argumentos para reflexão extraídos da leitura do filósofo espanhol Daniel Innerarity*.

1. Hipotecamos socialmente o tempo futuro e exercemos sobre as gerações vindouras uma verdadeira expropriação temporal.

2. Não basta ler a realidade apenas de trás para frente, como projeção do passado, é preciso lê-la, também, como antecipação do futuro, através de expetativas, previsões e cenários.
Ao fazer este duplo movimento de leitura da realidade não só nos aproximamos mais da realidade como alargamos o campo das possibilidades do futuro.

3. Se cada um de nós não tiver uma relação cultivada e serena com o futuro todo o processo de socialização pode estar posto em causa.
Uma verdadeira corrosão do carácter. Hoje qualquer sociedade tem de ter uma teoria do tempo social e do uso que queremos fazer do futuro.
De resto, a crise da política está muito ligada à crise do futuro, à sua crescente ilegibilidade.É essa a tarefa que Max Weber atribuía à política, gerir o futuro e responsabilizar-se por ele.
Para isso são necessários modos de pensar que se abram ao longo prazo e que o façam racionalmente para lá de simples projeções ou de cenários inverosímeis.

4. O tempo passa diante dos nossos olhos sem referências estruturantes e nós ocupamo-lo com um cínico oportunismo ou com uma instalação depressiva, compensando a nossa ineficácia com uma agitação superficial. Vamos vivendo à custa do futuro numa completa desresponsabilização em relação a ele.
A lógica do just in time e do curto prazo manifesta-se em muitos fenómenos, como na hegemonia dos mercados financeiros, na pressão mediática, no sensacionalismo e no espetacular, na pressão dos prazos eleitorais e dos eleitores.

5. Esta miopia temporal está a prejudicar a nossa relação com o tempo do futuro impede a construção de projetos de futuro. Vivemos uma lógica de sobrevivência, não uma lógica de esperança.
A imaginação acerca do futuro deu lugar à defesa dos direitos adquiridos e das lutas corporativas.

6. Boa parte da retórica da inovação, por exemplo, constitui uma trivialização do futuro, quando não se insere num contexto social de mudança. Uma aceleração improdutiva e falsas partidas, uma falsa mobilidade, por, justamente, se ignorar a complexidade do tempo longo. Passamos a ter mais processo e procedimento do que projeto e prospetiva.
Mais prevenção e precaução do que projeto e prospetiva. Precisamos de uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental, uma política empenhada em impedir que a ação se transforme em reação sem significado e que o projeto se degrade em idealismo utópico.
Os inimigos do futuro são a retórica da inovação associada ao mercantilismo e à tecnologia e, logo, à trivialização do tempo, a aceleração do tempo, as certezas e os determinismos dos realistas.

7. O futuro da política depende intimamente da política do futuro, ou seja, da reintegração do horizonte do futuro no quadro das políticas públicas depende a maior ou menor relevância das atuais democracias mediáticas.
A aceleração do tempo social dificulta a perceção do futuro. Os períodos eleitorais compartimentam o tempo da democracia representativa e os eleitores têm aí muitas culpas porque não reivindicam um tempo mais longo.
O interesse geral fica reduzido ao interesse eleitoral, não conhecemos o futuro e preferimos as certezas do presente.
O eleitorado é cada vez mais velho e o futuro para eles é cada vez mais curto. A força dos grupos de pressão é pelo presente e não pelo futuro, os interesses dos ausentes contam pouco.

8. Afinal, qual é o nosso horizonte temporal, quantos tempos o tempo tem? Como periodizamos o tempo para possamos agir sobre ele da melhor maneira sob a forma de um programa de políticas públicas?
O próximo e o longínquo como se estruturam no tempo? Que humanidade estamos nós a programar? Podemos afirmar que há nações geracionais, ou seja, gerações que merecem uma justiça própria e especifica?
O paradoxo do respeito intergeracional, decisões hoje que aumentam a liberdade de decidir das futuras gerações.
Uma política do futuro, mas o futuro não tem peso político!! Estamos sujeitos à tirania das pequenas decisões, aquelas que são imediatamente projetadas no espaço mediático e têm consequências eleitorais.

9. Alguns procedimentos que visam o futuro mais distante: livros brancos, grupos de peritos, observatórios, agendas, cartas de princípios. Os bens comuns em particular exigem a articulação entre o curto, médio e longo prazo.
Qual é o registo temporal mais apropriado para cada problema? A incerteza do futuro impede-nos de ter uma periodização do tempo com critério.
O futuro é o nosso maior problema hoje, mas talvez a única saída para reformular a política hoje. Ligar conhecimento, legitimação, ação e responsabilidade perante a complexidade do futuro.

10. A repolitização do futuro, a dose apropriada de incerteza e responsabilidade é um assunto eminentemente político sujeito à deliberação coletiva. Tudo isto reclama uma grande inovação institucional, reflexão e aprendizagem coletiva.

 

• Recomendo a leitura das obras do filósofo espanhol Daniel Innerarity, A liberdade democrática (2024), Relógio d`Água, Uma teoria da democracia complexa (2021), Ideias de Ler, O futuro e os seus inimigos (2011), Teorema.

 

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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