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Sul Informação - Querença homenageia Ribeiro Telles com lançamento de fotobiografia

Gonçalo Ribeiro Telles ou a ousadia de sonhar

Morreu Gonçalo Ribeiro Telles. Uma frase que, por força do seu estado de saúde, há já algum tempo se esperava ter que ser escrita, mas para a qual nunca estamos verdadeiramente preparados.

A obra de Ribeiro Telles acompanha-me, curiosamente, desde tenra idade, sem que nunca lho tenha dito, nos encontros que tive a felicidade de com ele partilhar.

Literalmente desde as primeiras e mais fortes imagens que consigo reconhecer como minhas, muito antes de saber quem era Ribeiro Telles, o que era a Arquitectura Paisagista e mais ainda de imaginar que algum dia seria arquitecto paisagista.

festival do marisco de olhao

Numa fotografia do casamento dos meus pais, nos anos 70 do século passado, surgem ambos impecáveis, sorridentes, felizes. A enquadrá-los, o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, projectado por Gonçalo Ribeiro Telles, em conjunto com António Viana Barreto. Num quadro perfeito. Porque, mais do que enquadrá-los, o jardim envolve-os, partilhando da sua felicidade, ampliando-a, fazendo-a reverberar por todo o espaço, numa geometria sublime, feita de linhas intangíveis.

Muitos anos mais tarde, ao visitar o espaço, e encontrar-me com a perspectiva de onde aquela foto foi tirada, sorri. Porque revivi a felicidade deles. E revivo-a hoje, de cada vez que lá regresso e por lá passo, impreterivelmente. E revivo a de tantas outras pessoas, pois aquele é um espaço de, precisamente, felicidade. Uma felicidade indizível, etérea, que os sentidos apreendem, mas é o espírito que interpreta.

Porque o traço de Ribeiro Telles era orientado para a felicidade.

Uma felicidade que sonhou para Portugal, para lá mesmo da nossa capacidade de nos cumprirmos. Com paisagens equilibradas, produtivas, de um País democrático e humanista, com identidade, com qualidade de vida e justiça social.

Sonhos construídos com pragmatismo. “A Utopia e os pés na terra”, como resume, na perfeição, o título da exposição dedicada à sua vida e obra.

Por isso nos legou as Reservas Nacionais (Ecológica e Agrícola), as bases para uma política de Ambiente e Ordenamento do Território ou uma escola de Arquitectura Paisagista internacionalmente reconhecida.

O seu contributo no campo do ordenamento do território e da reflexão em torno da expressão espacial da identidade do País e das suas políticas de desenvolvimento, juntamente com aqueles de quem se fez rodear, foi decisivo para a construção de um pós-25 de Abril menos desequilibrado.

Temperou, com doses massivas de bom senso e esclarecimento, e paciência de Jó, os excessos de voluntarismo de uma euforia pouco esclarecida e muito atribulada. Já antes, numa ditadura que sempre contestou, ousava apontar o dedo aos erros que todos queriam calar, como nas cheias de Lisboa em 1967.

Homem de tremenda simplicidade e afabilidade, o seu humor e sorriso geravam empatia imediata. E o inquebrável espírito de missão e de realização impressionava. Os seus ensinamentos eram histórias inspiradoras, que fluíam ao sabor do olhar e do que encontrava.

Ribeiro Telles fez a sua parte. Muito mais, até. Regressa à terra de onde, verdadeiramente, nunca saiu, pois foi na terra que as suas raízes estiveram sempre profundamente fundadas, nutridas por um amor profundo à mesma e a tudo o que dela emergia.
Principalmente às pessoas.

Nada lhe devemos, porque a grandiosidade dos maiores é precisamente essa: dar sem nada esperar em troca. Devemos, isso sim, a nós próprios e aos vindouros, perpetuar o seu sonho e valorizar o seu legado, tendo a generosidade de sonhar sempre melhor, e para isso trabalhar. E não nos conformarmos ou resignarmos nunca com nada menos que a plenitude da utopia.

Porque, conforme Gonçalo Ribeiro Telles nos ensinou, somos nós os jardineiros do nosso futuro.

Sit tibi terra levis.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP).
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

 

 

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