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teatro das figuras faro
Sul Informação

Não é bem Grândola, é mais Canhestros

Sul InformaçãoConheci, no fim-de-semana passado, em reportagem televisiva, Fernando Loureiro, que cuspiu verdades na cara dos cabecilhas do Movimento dos Reformados Indignados, sabujos que responderam com desplante à coragem e dignidade. Vi ainda ecos das manifs, e a reportagem de uma fábrica que não arranja pessoal, e o conjunto fez-me pensar que estamos todos loucos.

Grândola, escusado será dizer, está na berra, embora no que me parece uma decadência de potência, desde logo porque não tem todo o poder que lhe querem atribuir, e porque, à boa moda tuga, já foi vulgarizada. Qualquer dia, vamos na rua e damos com a Grândola entoada a plenos pulmões, e de punho cerrado no ar, por um qualquer cidadão a quem a máquina, esse arauto demoníaco da Banca, tenha aprisionado o cartão Multibanco…

Para além disso, há a questão do fundamento. Se a cantiga clama pelo direito à ordenança, por parte do povo, quem a canta esquece-se que vive nesse mesmo regime. E que, nesse regime, debateu, votou, escolheu. E que as coisas, de ontem para hoje, são estruturalmente idênticas. E que os maus gestores de hoje são os heróis de ontem. Só desapareceram as ilusões que, enquanto duraram, calaram os acordes grandolenses.

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Até havia quem avisasse, que este estado de Estado não ia longe, que os excessos sairiam caros, e outras “velhices de Restelo” afins.

Mas, nas azáfamas revolucionárias e europeístas, de acabar com pesadas heranças, como as reservas de ouro, a CUF (incluindo a Setenave e a Lisnave), a Siderurgia Nacional, frotas pesqueiras, explorações agrícolas e tantas, tantas outras empresas e actividades ligadas aos sectores primário e secundário, não havia tempo para pensar. Era urgente desbaratar os fundos comunitários a construir as cosmopolitas auto-estradas, barragens e outras obras públicas afins, dar carta-branca à especulação imobiliária, à construção civil, aos empreendimentos megalómanos, ao crédito bancário, às PPP, a tornarmo-nos “prestadores de serviços”.

E nós, parolos, achámos lindamente. Agora é que vimos chorar? Agora já não vale a pena, o que lá vai, lá vai.

Quando nos recusamos a analisar o passado, para pensar o futuro, o presente surpreende-nos, por vezes das formas mais inconvenientes.

Vai daí, o problema, por muito que custe, não é de falta de liberdade. É de responsabilidade.

Ninguém nos obrigou. Mesmo apesar de coisas tão importantes como a adesão à então CEE terem sido cozinhas, por democratas convictos como Soares, sem que o povo pudesse dizer chouriço, havia sempre a hipótese de reclamar algo diferente.

Se fomos aliciados, seduzidos, tentados e intoxicados? Sem dúvida. Mas a decisão final foi nossa.

Pede, e tê-lo-ás! São direitos, são conquistas!

Se as empresas (onde o Estado se inclui) produziam que chegasse para suster um determinado nível de encargos (p.e., como se sustenta o pagamento de 14 ordenados por 11 meses de trabalho e como se gere o permanente défice de 3 meses de produção?), ou se os rendimentos lá de casa davam para cobrir os créditos (muitos supérfluos) e aforrar (que é a melhor forma de prevenir a incerteza do futuro), foram contas que ninguém quis fazer.

E a matemática é bicho que não perdoa.

Portanto, tal como na Vila Morena, o povo ordenou. E agora enfrenta as consequências das opções tomadas. Pelas escolhas da maioria, comemos todos nós, independentemente de termos votado neste esquema ou não, de beneficiarmos dele ou não. Democracia também é isto. Não basta escolher e depois, ao ver um resultado que não nos agrada, sacudir a água do capote.

Esgotado e quebrado o porquinho mealheiro, teve que vir a Troika pôr a mão por baixo. E, no dia em que a Troika, que parecemos querer que se lixe, disser “que se lixe Portugal”, descemos à Idade Média.

Concordo no entanto, e a 100%, no quão ofensivo é esta “nossa” “classe” “política” vir pedir-nos sacrifícios. E sim, as aspas são intencionais, porque nem é nossa, na medida em que não nos representa, nem tem classe, e a política, no sentido de gerir a coisa pública para interesse comum, é conceito que lhes escapa, ou faz rir.

Aqui sim, recorrendo a literatura de manif (há grandes cabeças a desenhar cartazes por esse País fora), penso que, da mesma maneira que prostitutas não pregam sobre a virgindade, também a clique partidária (toda, por inteiro, porque o corporativismo não serve só para se encobrirem, serve também para se enfiarem todos no mesmo saco), endeusada nos seus esquemas e regalias, não pode vir pregar sobre trabalho, rigor, esforço, honestidade ou seriedade, tudo coisas que, desde o berço infecto das J, dos cursos a martelo ou das passagens administrativas do PREC, nunca souberam o que fosse.

O nosso problema é então de sistema, de estrutura, de Estado, e não apenas de Governo. Temos, de facto, que nos reinventar (falar de refundação, num País com a História do nosso, é praticamente um insulto), porque o Estado somos nós. Mas, antes de pensar “neles”, temos que perceber aquilo com que nós estamos dispostos a contribuir para tornar as coisas realmente diferentes.

Vai daí, procuremos à volta de Grândola, e cante-se antes Alcácer, Torrão, Canhestros ou até Canal Caveira, que sempre tem o cozido…

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

 

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