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Legado de José Mário Branco desvenda-se em livro com as suas 120 entrevistas à imprensa

As entrevistas foram publicadas desde o Expresso e o Se7e, à Crónica Feminina e ao jornal O Arrifana.  Há mesmo alguns jornais estrangeiros, todos os principais periódicos nacionais, muitas publicações especializadas, revistas, jornais regionais e locais. São, ao todo, 120 entrevistas dadas à imprensa entre 1970, quando iniciou a carreira, e 2019, quando morreu, por José Mário Branco, reunidas num livro organizado por Ricardo Andrade, Hugo Castro e António Branco, sobrinho do músico.

Foi este último, anterior reitor da Universidade do Algarve e que, nos seus tempos de juventude, também passou pelo mundo da música, quem apresentou o livro editado pela Tinta da China, no salão nobre da Câmara de Loulé, no passado dia 19 de Junho.

E em Loulé, porquê? Porque, como fez questão de dizer António Branco, o Município local foi uma das entidades que apoiaram a publicação deste livro extenso, de 672 páginas.

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«Foi graças a algumas pessoas que compreenderam a importância de apoiar a edição e a organização do livro que foi possível obter um preço» razoável para a publicação. «Não faria nenhum sentido para nós, organizadores, um livro com estas características e com este conteúdo, ficar a um preço que o tornasse praticamente impossível de ser comprado pelas pessoas», acrescentou, não sem antes dar uma «boa notícia: já vamos na segunda edição».

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António Fragoso apresenta a sua visão sobre o livro e a vida de JMB – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

A apresentação do livro «José Mário Branco – Entrevistas para a Imprensa, 1970-2019», em Loulé, foi feita a duas vozes.

António Fragoso, professor da Universidade do Algarve, foi apresentando uma leitura pessoal das entrevistas e do percurso de vida do músico. Aliás, mais tarde, António Branco haveria de falar da «dimensão quase autobiográfica» que resultou da compilação em livro, por ordem alfabética, destas 120 entrevistas.

António Fragoso sublinhou episódios evocados pelo músico nas entrevistas, mas também algumas das coisas mais interessantes que foi dizendo, ao longo de quase 50 anos.

Recordou, por exemplo, os tempos do fim do PREC, em finais de 1975, que «inaugurou uma década negra» para José Mário Branco (JMB), que «pagou bem cara a fatura das suas posições políticas, da sua frontalidade, da sua honestidade, da sua inquietação permanente».

Depois de lembrar as dificuldades que JMB, e outros músicos como ele, foram conhecendo nos anos 80 e 90, António Fragoso falou ainda das relações do autor com o teatro: «fez teatro, fez música para teatro, fez música para cinema».

«A influência do teatro na música era tal que ele achava que os seus espetáculos eram sobretudo encenações sonoras», recordou Fragoso.

Nunca negando a sua matriz de homem de esquerda, «muitas vezes lhe fizeram a pergunta: “o que é ser de esquerda”. E ele respondia: “ser de esquerda é não suportar a dor da humanidade”».

António Fragoso, que apresentou uma leitura emotiva e emocionada, concluiu que «este livro, mais do que merecer ser lido, merece ser discutido».

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António Branco – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

António Branco, sobrinho do malogrado músico, recordou que, «no dia 19 de novembro de 2019, eu perdi duas pessoas. Perdi um, que é aquele que pertence a todos nós, que todos perdemos e que vamos recuperando. Ou seja, não está totalmente perdido, porque deixou obra, que pode ser ouvida em qualquer momento, pode ser descoberta por pessoas que não a conhecem».

«Perdi um outro, que me era muito próximo, uma espécie de segundo pai. E essa perda é mais difícil».

Por isso, afirmou, «a minha decisão de me juntar a esta equipa, com o Ricardo Andrade e o Hugo Castro, foi uma decisão muito pensada e muito coerente com o sentimento de perda profunda que tive em novembro de 2019».

Destacando os «dois jovens historiadores da Universidade de Nova de Lisboa, que trabalham na área da música popular e começaram a trabalhar com o José Mário Branco em 2016», salientou que ambos conseguiram «aproximar-se dele e começaram a trabalhar com ele», o que é muito mais do que investigar.

«O José Mário chamava-lhes “a minha Nossa Senhora de Fátima”, porque eles operavam milagres e descobriam coisas que ele nem sequer sabia que existiam. (…) Outra coisa que ele dizia com muita frequência é que “eles sabem mais de mim do que eu próprio”. Isso é o melhor retrato que se pode fazer de um investigador. Quando uma pessoa como o José Mário considera que os investigadores sabem mais sobre ele do que ele próprio, está apenas a dizer que são grandes investigadores», disse ainda.

Das conversas que Ricardo Andrade e Hugo Castro tiveram com o músico, resultaram mais de 100 horas de gravações, que estão arquivadas e um dia poderão ver a luz do dia.

«É um manancial enorme, riquíssimo, de conversas provocadas por estes investigadores: porque é que esta canção tem este arranjo? Como é que esta letra veio aqui parar? Porque é que isto é cantado desta maneira? Porque é que este instrumento é usado neste arranjo?», recordou António Branco.

O investigador e sobrinho do músico revelou ainda que JMB, ao longo da sua vida, foi guardando tudo – dos bilhetes dos seus espetáculos até recados que escrevia em toalhas de mesa, passando por pedaços de partituras ou de letras de canções, faturas de táxi – «em pastinhas», cada uma identificada.

«A casa dele, em Mem Martins, estava cheia de caixas, nas quais foram inventariados mais de 25 mil documentos, organizados por ele. Isto é muito raro. É muito raro termos um acervo deste tamanho, organizado pelo próprio», garantiu.

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Aspeto da sala – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«A família decidiu que, tendo em conta o trabalho imenso que já estava a ser feito na Universidade Nova de Lisboa, com o Ricardo Andrade e com o Hugo Castro, por um lado, e com o Gabriel Mendes Ferreira, por outro, que fizeram, ainda em vida do José Mário, um arquivo online, onde há muita coisa digitalizada, fazia sentido transferir este acervo pessoal para a Nova, mediante um protocolo, com uma série de objetivos: preservar, conservar, mas, coisa mais importante, digitalizá-lo todo para o ter disponível para toda a gente a partir do momento em que seja possível».

Essa digitalização irá avançar em breve, assim como a publicação de artigos científicos que resultam da investigação sobre o legado musical de José Mário Branco.

Voltando ao livro «José Mário Branco – Entrevistas para a Imprensa, 1970-2019»: num primeiro momento, a obra resulta de «um longo trabalho de investigação», de Ricardo Andrade e Hugo Castro, que, ao longo de oito anos, «andaram em mediatecas, em bibliotecas, enfim, em tudo quanto é sítio, a recolher essas entrevistas». E foram descobri-las mesmo em publicações menos conhecidas.

«Depois, houve um segundo trabalho, que foi também muito difícil, de transcrever tudo isso. Foram alguns anos».

Finalmente, com esse trabalho feito, «eu entrei na equipa e o que fizemos foi a seleção final. Na verdade, nós não chegámos a fazer uma seleção. Isto é, praticamente, exaustivo».

No entanto, admitiu António Branco, «agora, que o livro saiu, percebemos que houve uma ou outra entrevista que nós não conhecíamos e que as pessoas nos têm feito chegar. Mas haverá muito poucas, duas, três, quatro entrevistas que nós não chegámos a conhecer, que não estão aqui».

E porque é que consideraram ser importante fazer este livro? «Porque o José Mário teve uma voz pública desde os primórdios da sua intervenção. E isto também é muito raro», garantiu o seu sobrinho.

«Nunca recusou uma entrevista. Quer dizer que ele passou 50 anos a falar. E falava de duas maneiras: uma era, nas respostas que dava, dar conta das reflexões que ele próprio fazia. O José Mário era uma pessoa muito reflexiva. Aliás, a imagem mais frequente que guardo dele é a de um homem silencioso a pensar. (…) Ele pensou toda a vida. E, portanto, uma das coisas que ele faz nas entrevistas é ir dando conta daquilo que pensou».

Mas há uma outra coisa que acontece nestas entrevistas: «é que, às vezes, ele descobre aquilo que quer dizer por causa da pergunta e por causa de ter de responder à pergunta. E percebe-se muito bem estes dois tipos de respostas: as respostas que já estão construídas, em que é só uma questão de articulação dentro da pergunta que é feita. E as respostas que ele está a construir ali, naquele momento, sobre um assunto sobre o qual ele ainda não tinha pensado tanto assim».

O livro, mais do que permitir a descoberta da vida e do pensamento de um grande músico que deixou a sua marca, também dá a conhecer uma determinada visão sobre a época e os acontecimentos do tempo em que as entrevistas foram sendo dadas.

Mas a valorização do legado de José Mário Branco não se fica por aqui: «Há muitos textos dele que podem vir a merecer uma publicação autónoma, uns que estavam publicados, outros não».

E há um projeto que António Branco admite ser «mais ambicioso» e que vai «durar mais tempo», que será «a escrita de uma monografia que ilustre a importância da intervenção do José Mário em alguns momentos importantes da mudança no universo da música popular em Portugal».

Para já, além da música que se pode ouvir em discos e online, há o livro que reúne as 120 entrevistas que José Mário Branco deu ao longo da vida à imprensa. Um livro a ler…e a discutir.

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

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