A Rede Azul – Rede de Teatros do Algarve criou um apoio de 50 mil euros para estimular a criação de espetáculos por artistas algarvios ou que estejam sediados na região. Esta foi uma das medidas anunciadas ontem, no Centro Cultural de Lagos, na apresentação do Plano de Atividades para 2025 e 2026.
Mas será também criada uma Bolsa de Espetáculos igualmente da autoria de artistas ou estruturas algarvias, de forma que cada parceiro da rede programe, durante o ano de 2026, pelo menos um espetáculo dessa bolsa.
Naquilo que Dália Paulo classificou como a «refundação» da Rede Azul, as novidades não ficam por aqui. Este ano já está a decorrer um ciclo de conferências e seminários, destinadas sobretudo às pessoas que, no seu dia a dia, trabalham as questões culturais.
A Rede Azul, criada em 2016 como «estrutura informal» para estimular e facilitar a criação, a circulação e a promoção da oferta cultural das artes performativas no Algarve, integra 13 dos 16 concelhos algarvios. De fora, continuam Aljezur, Monchique e Alcoutim, por não terem, formalmente, um teatro ou uma sala de espetáculos, mas em breve poderão vir a integrar a rede.
Na apresentação de ontem, que reunia responsáveis autárquicos, técnicos superiores e outros responsáveis dos diversos municípios da rede ligados à programação cultural, diretores das salas de espetáculo algarvias, bem como criadores artísticos de todo o Algarve, houve um tema que não ficou de fora das preocupações: os resultados das Eleições Legislativas do passado domingo, que trouxeram a vitória esmagadora do Chega na região e uma subida acentuada desse partido a nível nacional.

Sara Coelho, vereadora da Cultura da Câmara de Lagos, deu o tom, dizendo que «estamos a atravessar tempos diferentes, tivemos uma mudança eleitoral muito recente, cada um de nós terá, evidentemente, as suas opções políticas, mas devemos todos sublinhar, no âmbito da nossa ação, a importância da cultura e da atividade cultural para nos construirmos a nós próprios e para construirmos uma sociedade melhor».
«O que já era verdadeiro anteriormente, hoje em dia torna-se ainda mais premente e ainda mais necessário», acrescentou.
«Cada município tem, por si só, exercido um papel muito importante ao nível da dinamização da atividade cultural, integrando, na sua atividade cultural, não só a nossa riqueza e património histórico, mas também a nossa riqueza e diversidade cultural. O Algarve caracteriza-se pela multiculturalidade, por ter uma grande percentagem de população estrangeira residente, e isto também deve ser refletido na nossa atividade cultural», concluiu Sara Coelho.
Por seu lado, Dália Paulo, diretora municipal da Câmara de Loulé, foi ainda mais direta: «não posso falar aqui neste âmbito sem recordar domingo e o que aconteceu na nossa região. Nós todos temos culpa, nós que trabalhamos na cultura. O que é que nós estamos a fazer na região? Estamos a chegar às pessoas? Estamos a chegar sempre aos mesmos? O que é que nós, quer estruturas, quer equipamentos culturais municipais e públicos, quer as estruturas de criação artística, estamos a fazer verdadeiramente? Estamos a chegar às pessoas todos os dias? Estamos a pô-las a pensar, a ser seres pensantes, que é o que a cultura pode fazer, a transformar, a saírem de casa? Não estamos! Não estamos, senão, não estávamos aqui».
«Cada vez mais a educação tem que estar no centro da nossa atividade cultural, porque, senão, não vamos mudar. É através da educação e desta relação com a educação que nós temos que mudar. Nós temos que chegar às pessoas, temos que abrir espaço para chegar às pessoas».

E é com este quadro que a Rede Azul pretende reforçar o seu trabalho. Gil Silva, diretor do Teatro Municipal de Faro, recordou que, «quando começámos a rede, em 2016, a criação artística era um pouco incipiente no Algarve. Na altura, até discutíamos se poderíamos fazer este convite à criação apenas a entidades amadoras, porque só tínhamos uma entidade profissional a trabalhar na região. Felizmente, a situação mudou. Hoje em dia, temos mais estruturas criativas que estão a ser apoiadas pela DG Artes e a profissionalizarem-se. Nesse sentido, lançámos outra vez este convite à criação».
Música, dança, teatro, performance, circo contemporâneo, cruzamentos artísticos, multidisciplinares. A tudo isto está aberto o apoio anunciado.
Em anos anteriores, este apoio à criação de um novo espetáculo e à sua circulação pelos espaços da Rede Azul deu origem aos espetáculos «Leôncio e Lena», pelo LAMA Teatro (2016), «Moda Vestra» (2018), de João Frade, Rafael Correia e Ana Perfeito, um projeto musical que «trabalhou muito sobre esta identidade do acordeão no Algarve e que daí resultou um disco». Finalmente, em 2019, «Diz-me António», de Carolina Cantinho, Armando Correia e Pedro Pinto, sobre a vida e a obra de António Aleixo. Mas depois meteu-se a pandemia.
Desta vez, com o novo convite à criação, dotado de uma verba de 50 mil euros e tendo como prazo para apresentação de candidaturas o dia 31 de Julho, o que se pretende, segundo Gil Silva, é que «o vencedor deste apoio comece a criação ainda no corrente ano», para que o novo «objeto artístico» possa ser apresentado em 2026 nos diferentes espaços que integram a Rede Azul.
O júri que vai escolher a criação a apoiar é de luxo: integra o coreógrafo e bailarino Rui Horta, bem como o encenador e ator Nuno Cardoso, enquanto profissionais do setor cultural de fora da região, mas também José Viegas, técnico superior da Câmara de Lagos, enquanto representante da Rede Azul, Mirian Tavares, da Universidade do Algarve, Elsa Cavaco, da Unidade de Cultura da CCDR Algarve, e Dália Paulo, que será jurada suplente.

Mas um dos grandes problemas dos criadores algarvios, mesmo dos que já têm estruturas profissionais, é saírem dos concelhos onde estão sediados.
Dália Paulo, que apresentou esta medida na sessão em Lagos, admitiu que «o que eu venho apresentar aqui foi um sonho que nós já tentámos e sempre falhámos. Mas agora vamos tentar melhor e acho que falhar menos, ou pelo menos falhar de outra maneira. Porque, para nós que gerimos os equipamentos culturais, desde há nove anos, esta também tem sido uma grande preocupação, assim como também uma grande inquietação e angústia dos agentes culturais».
De novo até 31 de Julho, os artistas e as estruturas artísticas podem candidatar-se a integrar a Bolsa de Espetáculos da Rede Azul e «depois nós, equipamentos culturais, temos a responsabilidade e o compromisso de programar, no ano de 2026, as criações que forem aceites e que integrarem esta bolsa».
O objetivo, salientou Dália Paulo, é que «a itinerância flua um bocadinho mais» e as criações artísticas algarvias possam ser conhecidas em toda a região.
José Viegas, da Câmara de Lagos, que começou por citar, de memória, uma frase de Sophia de Mello-Breyner – «A cultura é vida, não é um ornamento, não é algo acessório, não é um luxo, é uma necessidade» – salientou que a «preocupação» da Rede Azul, desde a sua criação em 2016, é «ter uma programação mais partilhada, mais integrada, de modo a que não haja concorrência entre nós, para que nós, enquanto técnicos, enquanto responsáveis pelos vários teatros, pudéssemos conhecer a programação e as dificuldades do outro».
Importante é também que o público possa ter acesso mais facilitado ao que acontece em todo o Algarve, promovendo uma certa «democracia cultural». É que, salientou, «parece-nos importante não apenas apostar na circulação e no apoio às entidades artísticas, mas também desenvolver iniciativas que contribuam para uma verdadeira mobilidade de públicos».
Para isso, a Rede Azul já apresentou uma «intenção» à Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) e à CCDR, estando agora a trabalhar «em conjunto para discutir a melhor forma de conseguir incentivar, criando condições preferenciais para que alguém de Lagos que deseja ir assistir a um espetáculo em Faro, em Lagoa ou em outro lado possa ter um benefício adicional, um incentivo que contribua para a sua deslocação».
«O professor João Guerreiro costumava dizer que o Algarve é uma rua com casas de um lado e de outro. Importa efetivamente criar as condições para que essa rua flua e que se consiga valorizar a cultura no território, chegando a toda a gente», concluiu.

Outra iniciativa da Rede Azul que já está em curso são as conferências e seminários. Assim, em Janeiro, no âmbito da celebração do 20º aniversário do Auditório Carlos do Carmo, em Lagoa, teve lugar neste espaço a conferência «Outsiders», sobre cineteatros municipais, tendo-se seguido, em Abril, um encontro de mediação cultural denominado «Zoom», em Faro. No dia 10 de Outubro, no âmbito do Dia Mundial da Saúde Mental, será a vez de um encontro dedicado à reflexão sobre o papel da participação em projetos artísticos, que terá o título «De Génio e de Louco», marcado para o Centro Cultural de Lagos.
Em 2026, será igualmente lançado um livro para assinalar a primeira década de vida desta Rede Azul. E aí, acredita quem anda há já nove anos a trabalhar neste projeto, ficará patente como o panorama da criação artística e da programação cultural se alterou muito no Algarve.
Depois de Faro e Loulé terem assegurado a coordenação da Rede Azul nestes primeiros anos, a partir de agora será sobre os ombros de José Viegas, da Câmara de Lagos, e de Paulo Francisco, da Câmara de Lagoa, que recairá a responsabilidade.
Depois da apresentação genérica das novas medidas e iniciativas, cujos pormenores e regulamentos estão, a partir de hoje, no site das 13 Municípios que integram a rede, bem como no da CCDR Algarve, seguiu-se uma reunião entre os parceiros desta Rede.
O Sul Informação falou com um dos criadores, Alexandre Batista Santos, da associação Questão Repetida, de Lagos, tentando saber qual a importância dos apoios anunciados pela Rede Azul.
«Fazemos um grande esforço para tentar equilibrar a parte profissional, que é escassa no Algarve, porque temos o problema da habitação e é quase impossível fixar os profissionais. Temos um grande enfoque na atividade profissional, mas também na arte social», enquadrou aquele responsável pela Questão Repetida.
«Estamos num setor subfinanciado», acrescentou, falando do trabalho acrescido da produção na busca de apoios. Uma tarefa ainda mais difícil pelo facto de associação Questão Repetida envolver «dezenas de profissionais» nos seus vários projetos, seja na Orquestra Barroca d’Aquém Mar e no “Está do Aço”, que visa «a inclusão pela arte de crianças e jovens», seja nos outros projetos, junto dos bairros, dos jovens, das pessoas com deficiência, fomentando a integração e a inclusão.
«A Rede Azul pode contribuir para a divulgação do nosso trabalho», por isso, assegurou, «vamos de certeza candidatar-nos quer ao apoio à criação, quer à bolsa de espetáculos. É mais uma porta que se abre para todos nós, criadores», concluiu.
Fotos: Francisco Castelo | CM Lagos

Sara Coelho na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Sara Coelho na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

José Viegas na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

José Viegas na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Gil Silva na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Gil Silva na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Dália Paulo na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Dália Paulo na apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Apresentação do Plano de Atividades da Rede Azul

Alguns dos responsáveis pela Rede Azul

Reunião da Rede Azul

Reunião da Rede Azul
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