Maria José Estanco, nascida em 1905, no campo perto de Loulé, foi, em 1942, a primeira mulher arquiteto em Portugal. E não, não é erro. Foi assim mesmo que um jornal da época noticiou a obtenção do diploma por esta louletana – a primeira «senhora arquiteto portuguesa».
É que, nos anos 40 do século passado, muitas profissões estavam ainda vedadas às mulheres e a arquitetura era uma delas.
E hoje?
Para homenagear as arquitetas, a Ordem dos Arquitectos (e das arquitetas) e a Câmara de Loulé lançaram o Prémio Maria José Estanco, um galardão nacional que pretende, precisamente, distinguir as mulheres nesta profissão. Um prémio que foi entregue pela primeira vez, esta quarta-feira, dia 26.
A vencedora foi Paula del Río, pelo seu projeto da praça e posto de turismo na aldeia de Piódão, concelho de Arganil, no Centro do país.
Mas houve também quatro projetos no Algarve concorrentes, um deles no concelho de Loulé, bem como um projeto de uma arquiteta algarvia, mas em Barrancos, no Alentejo.
Com projetos no Algarve, concorreram as arquitetas Maider Neto, do ateliê Maider Neto Architecture & Engineering, autora do projeto da Vila São Lorenzo, na freguesia louletana de Almacil, Marta Mateus Frazão, do Atelier Data, coautora do projeto do Museu Casa do Colecionador, em Moncarapacho (Olhão), e ainda Tatiana Sena Bento, da Sena Architects, com duas propostas, a Casa dos Gelados e a Casa Amor, ambas em Olhão.
A algarvia com projeto no Alentejo é Ana Isabel Santos, do MESA Atelier, com a Casa Mortuária de Barrancos.
Nesta primeira edição do Prémio Maria José Estanco, a Ordem dos Arquitectos recebeu 19 candidaturas, com projetos construídos em Portugal, mas não só – um deles é o de uma Base Náutica em Mathaux, França.
São obras em que as mulheres são autoras, coautoras ou coordenadoras de equipas, obras de encomenda pública ou privada.

A tarefa do júri, constituído pelas arquitetas Teresa Nunes da Ponte (presidente), Sofia Pontes e Ana Bordalo, não foi fácil, embora a decisão tenha sido unânime.
Quanto ao projeto vencedor, Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos, presente em Loulé na entrega do prémio, salientou o facto de ser da autoria de um «ateliê sediado em Coimbra», fora dos grandes centros urbanos de Lisboa e do Porto, e uma obra numa aldeia, a do Piódão, no concelho de Arganil.
Trata-se, sublinhou, de uma obra que tem «várias dimensões»: tem a ver com a recuperação de uma aldeia histórica, ao mesmo tempo que valoriza «a coesão, a importância da comunidade».
Paula del Río, a premiada, explicaria que o objetivo do projeto do seu ateliê (Branco del Río Arquitectos), que divide com João Branco, foi «devolver ao largo, que antes era um estacionamento, o seu carácter de porta de entrada na aldeia» de Piódão.
Para chegar ao projeto final, houve muitas e longas conversas com a Junta de Freguesia e com a população. Os seus contributos e «o seu conhecimento dos materiais foram fundamentais para o sucesso do projeto», frisou.
Sofia Aleixo, coordenadora desta primeira edição do Prémio, saudou a vencedora «por ter demonstrado que os valores socioculturais estão nas pessoas e nos sítios», tendo, com a «sua atenta e cuidadosa interpretação», proposto «uma intervenção que promove a arquitetura».

Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, salientou, por seu lado, que o «reconhecimento das mulheres arquitetas e da valorização do papel sociocultural da arquitetura na Europa integra-se em duas áreas – social e igualdade – [nas quais] o município tem vindo afincadamente a trabalhar para tornar o território mais justo e digno socialmente, em parceria com entidades nacionais, nomeadamente a Comissão para a Igualdade e Não Discriminação».
Em 1942, Maria José Estanco, que fora aluna brilhante, tornou-se a primeira «senhora arquiteto», obtendo 16 valores com o projeto “Um Jardim-Escola no Algarve”, que apresentou ao então indispensável Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto (CODA).
Mas isso não lhe abriu as portas de nenhum ateliê de arquitetura, nem de nenhuma entidade oficial. E Maria José Estanco acabou por tornar-se professora de liceu, distinguindo-se ainda na decoração de interiores, no desenho de mobiliário e de joalharia.
Sofia Aleixo recordou, na sessão de entrega do prémio, que a sua única obra construída data de 1957 e foi uma casa projetada para uma amiga, Maria da Conceição Duarte, em São Pedro de Muel.
E hoje, qual é a situação das arquitetas? Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos, admitiu que, apesar de, «nas escolas de arquitetura, a maioria dos estudantes serem mulheres», «ainda não estamos em situação de plena igualdade de género». Na OA, as mulheres ainda não representam 50% dos inscritos.
Teresa Nunes da Ponte, presidente do júri, afirmou que «as mulheres têm tido um papel bastante invisível na arquitetura» e um «trabalho pouco valorizado pela sociedade».
Por isso, este Prémio que pretende valorizar as mulheres na arquitetura «é mais do que justo».
«Há uma dívida histórica com as arquitetas de Portugal, que não tiveram vida fácil», admitiu ainda Avelino Oliveira.
A vencedora deste ano não quis, porém, deixar escapar a oportunidade de falar de outras questões que a preocupam a ela e aos seus colegas, como a do papel dos arquitetos – de todos os géneros – na sociedade atual.
«Este é um momento em que a cidade precisa intensamente do nosso trabalho», porque «precisamos de construir habitação, cidade», sublinhou.
Por isso, Paula del Río defendeu a necessidade de «reivindicar o papel dos arquitetos na transformação da cidade», de modo a tornar «as nossas cidades saudáveis, sustentáveis, justas e inclusivas».
Sendo esta a primeira edição do Prémio, que é bienal, tem «âmbito e impacto nacional» e um valor pecuniário de 15 mil euros, no final da cerimónia o presidente da Câmara Municipal de Loulé sugeriu ao dirigente máximo da Ordem dos Arquitectos que seja feita uma brochura. O desafio foi aceite.
Os 19 projetos concorrentes, nomeadamente o vencedor, estão agora em exposição no foyer do Cineteatro Louletano.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Paula del Río


Sofia Aleixo

Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos


Teresa Nunes da Ponte

Vitor Aleixo

Vitor Aleixo e Avelino Oliveira com a vencedora

Paula del Río

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