Não foi por acaso que um dos famosos “3 D” era descolonizar. A Guerra do Ultramar, que durava desde 1961, foi um dos catalisadores – talvez mesmo o maior – para o 25 de Abril de 1974, mas, apesar de óbvia, nem sempre essa relação é feita. A pensar nisso, Kalaf Epalanga pensou e criou um ciclo de quatro debates e um concerto especial que se realiza este sábado, 23 de Novembro, no Teatro das Figuras, em Faro.
“Cravo, Palavra e Melodia” é o nome da iniciativa. O desafio partiu do Teatro das Figuras e foi feito ao músico e escritor Kalaf Epalanga, um dos fundadores da banda Buraka Som Sistema.
Em entrevista ao Sul Informação, o angolano explicou que o objetivo passa por «falar da Revolução e dos movimentos independentistas também na perspetiva dos povos africanos, pensando que legado é este do 25 de Abril».
Por isso, uma das palestras – já realizada – teve como tema a famosa Casa dos Estudantes do Império (CEI), em Lisboa, mas que também tinha uma “dependência” em Coimbra.
Criada pelo Estado Novo no ano de 1944 para propagar os valores do império nas colónias, a CEI acabaria por funcionar enquanto viveiro de pensamentos revolucionários e criativos que influenciaram profundamente a trajetória de muitos intelectuais africanos.
Por lá passaram nomes como Amílcar Cabral e Agostinho Neto, entre muitos outros.
Um dos momentos altos acontecerá este sábado, 23 de Novembro, a partir das 21h30, num concerto de homenagem ao músico guineense José Carlos Schwarz, resistente à ditadura e autor de músicas como “Djiu Di Galinha”.
O concerto será protagonizado pelos artistas Manecas Costa, Karyna Gomes e Remna Schwarz e prestará tributo a um dos nomes grandes da música africana.
«Serão interpretadas canções que remetem para aquele tempo [25 de Abril], mas também para onde estamos agora», segundo Kalaf Epalanga.
O espetáculo vai ser um tributo à diversidade e à resiliência dos países unidos pela língua portuguesa, destacando o poder da arte como instrumento para valorizar e perpetuar os ideais de liberdade e democracia.
Depois de já se terem realizado três das palestras, Kalaf Epalanga reconheceu que o «feedback da iniciativa tem sido muito bom».
«No fundo, somos povos distantes só em geografia, mas tão próximos em afetividade. Somos tão próximos que não se pode pensar e falar do 25 de Abril sem falar das independências africanas e da mescla que há entre culturas, portuguesa e africana, que tem o seu expoente máximo na nossa Língua Portuguesa», disse.
A particularidade deste ciclo acontecer no Algarve também foi vincado pelo artista angolano. «É uma região periférica, normalmente longe das comemorações. É uma terra especial, também pela ligação aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP)», considerou.
A conversa “Cravos e Causas: O Espírito de Abril Hoje” vai encerrar o ciclo “Cravo, Palavra e Melodia”, com a artista Camila Maissune, a investigadora Ângela Coutinho e a escritora Djaimilia Pereira de Almeida, no dia 19 de Dezembro.
Neste espaço de diálogo, as palestrantes vão refletir sobre o modo com o 25 de Abril «impulsionou o combate às desigualdades e a luta pelos direitos cívicos, estabelecendo pontes entre o passado revolucionário e os desafios contemporâneos das sociedades pós-coloniais». Esta conversa terá lugar a partir das 19h00, no Club Farense e a entrada é gratuita.
«Espero que todo este ciclo deixe a semente e sirva de pontapé para se continuar a falar mais sobre este tema», concluiu Kalaf Epalanga.