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«Essa vai ser a fase mais bonita da tua vida», «passa tudo tão rápido, aproveita», «estar grávida é um estado de graça» ou «ser mãe é uma dádiva da vida». No pacote da lista de frases que quase todas as mães ouvem cabem muitos mais exemplos, mas a verdade é que todos trazem consigo um sentimento agridoce para quem, por vezes, se sente em sofrimento nesta que é suposto ser «uma fase encantadora». 

Teresa Reis é mulher, mãe, médica psiquiatra, doutorada em medicina e especialista em saúde mental das famílias e mais especificamente em saúde mental no período da pré-conceção, gravidez e pós-parto.

É assim que a própria se apresenta ao mundo no seu site, onde também é possível ficar a conhecer mais sobre o projeto Mentalizando, pensado por si e atualmente implementado por uma equipa multidisciplinar da qual fazem parte mais uma psiquiatra, três psicólogas e uma enfermeira.

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«A saúde mental perinatal surge como uma área de interesse no meu pós parto, numa altura em que eu própria precisava de ajuda e em que percebi que estava com problemáticas de saúde mental e em sofrimento emocional e, mesmo sendo psiquiatra, não havia propriamente muitos recursos especializados. Havia, na verdade, um certo tabu, mitos e crenças que faziam, há alguns anos, com que o acesso a estes cuidados fossem difíceis», começa por explicar a médica Teresa Reis ao Sul Informação.

Tudo se deu há 7 anos, aquando do nascimento do seu primeiro filho. Após uma procura sem respostas, Teresa decidiu, no regresso ao trabalho, começar a especializar-se nessa área.

A ideia foi implementar um projeto desse cariz num hospital público, algo que, de acordo com a especialista, «ainda hoje existe muito pouco», mas Teresa conseguiu fazê-lo no Hospital de Évora, onde trabalha.

«A ideia foi crescendo, até que se concretizou na verdade com um programa implementado e estruturado a partir de 2022», conta.

Apesar de considerar aquilo que faz no hospital «muito interessante», Teresa lamenta que «haja determinadas intervenções que não cabem naquilo que é um serviço público». E assim nasce a Mentalizando, «que é um projeto privado, com algumas iniciativas de cariz social/público aberto», mas no qual trabalha com outra equipa, da qual também faz parte a psicóloga algarvia Ana Marta Vaz.

Ana Marta e Teresa conheceram-se numa IPSS de Évora na qual a psicóloga fez o seu estágio profissional.

«Eu começo a conhecer o projeto que a Teresa estava a implementar no Hospital de Évora e, apesar de não fazer parte dele, na altura, falava sobre ele com a Teresa e a nossa ligação acabou por ser natural. Eu também sempre tive interesse na psicologia da área familiar e estas duas áreas acabam por se conjugar porque vamos à origem, trabalhando com as mulheres logo no início da gravidez».

Neste projeto, Teresa sentiu então que, juntamente com a sua equipa, podia dar asas à imaginação e também inovação, ajudando cada vez mais mulheres.

Questionada sobre se considera que os hospitais públicos não têm resposta para as necessidades reais, a psiquiatra não hesita na resposta.

«De todo. Os serviços públicos, sejam eles quais forem, são uma máquina muito pesada e para alguma coisa avançar é preciso provar muita coisa», afirma, referindo que para aprovar o primeiro grupo online «foi complicadíssimo».

Como exemplo, Teresa dá ainda o facto de no seu «pequeno projeto privado», a Mentalizando, ter três psicólogas a trabalhar e no Hospital de Évora não ter nenhuma.

«Se eu for de férias, não há ninguém que possa dar resposta», diz.

 

Sul Informação
Teresa Reis, médica psiquiatra

 

Na opinião de Ana Marta, o problema do Serviço Nacional de Saúde, neste momento, não é não dar valor à saúde mental, «o problema é não dar resposta».

«O valor já se dá, apesar de sabermos que a saúde mental continua a ser o parente pobre da saúde. Mesmo em termos de orçamento, a fatia que vai para a saúde mental é sempre muito menor do que a que vai para outros serviços. Neste momento, há um psicólogo para 40 ou 50 mil habitantes. Mas acho que tem havido um crescente conhecimento e as pessoas já vão estando mais a par, mas o estigma ainda existe, é verdade».

Teresa Reis confessa também que, nos últimos sete anos, em que tem trabalhado muito na área perinatal, o perfil de quem a procura mudou.

«Lembro-me de que quando comecei a trabalhar nesta área era muito frequente as mulheres virem à consulta e dizerem que familiares lhes diziam “pára de chorar porque isso faz mal ao bebé».

Agora, a psiquiatra considera que já se normalizaram «algumas dificuldades e sofrimento emocional associado à parentalidade», mas «não houve muita diferença em relação à doença mental».

«Ou seja, é muito mais aceite alguém dizer “sim, eu não estou bem” – basta abrir o instagram e vemos dezenas de páginas sobre o autocuidado, sobre “sim, é ok não estar bem” – mas isto não é o mesmo que dizer “sim, eu estou doente. Eu estou doente, grávida ou com um bebé ao colo e a mamar».

A médica considera que «esse salto ainda não foi dado» e um exemplo é a resistência à medicação.

«Doença é doença, seja uma infeção respiratória ou uma doença mental».

«Nós vemos as mulheres grávidas com diabetes a fazerem medicação, com alteração da tiroide igual, mas em relação à doença mental não aceitam fazer. Este passo, que pode parecer pequeno, é na verdade gigante e limita imenso a procura de ajuda adequada, faz com que as mulheres muitas vezes vão à procura de pseudo soluções e que não resultam porque doença é doença, seja uma infeção respiratória ou uma doença mental».

Mas, afinal, como é que se muda esta mentalidade? Como é que se explica às pessoas que é preciso olhar para a saúde mental como se olha para o resto?

As especialistas falam na necessidade de «falar sobre a doença mental e do impacto que isso tem na vida das mulheres e do bebé/criança».

Salomé, de 32 anos, é o exemplo de quem, devido à rede de apoio que tem, nunca sentiu qualquer estigma em relação à necessidade de procurar ajuda psicológica, mas assume que há ainda muitas mães que têm medo de o fazer.

«A minha primeira gravidez foi vivida de forma tranquila, feliz, mas o pós-parto é que já não foi tão fácil. Tive o início de uma depressão e fui seguida, nessa altura, por uma profissional de psicologia perinatal, que me ajudou bastante a ultrapassar alguns desafios. Depois, deixei de ser seguida porque consegui ultrapassar, mas nove meses depois de ter a minha filha perdi a minha mãe e foi uma reviravolta. Por isso, quando engravidei desta vez, por ter muitas coisas para revolver emocionalmente, tive a certeza de que me ia ser necessária essa ajuda», contou em entrevista ao Sul Informação em Agosto, na altura, grávida de 35 semanas.

Salomé conheceu a médica Teresa Reis – e, consequentemente, o projeto Mentalizando – num livro de uma médica obstetra, cujo prefácio era feito por Teresa.

«Na altura, lembro-me de que gostei muito das palavras delas, isso fez-me pesquisar mais e foi assim que cheguei à Mentalizando».

Salomé passou assim a fazer psicoterapia com a psicóloga Ana Marta Vaz e confessa que isso lhe trouxe muita tranquilidade.

«Eu disse: não quero voltar a ter uma depressão como tive da última vez, que de certa forma até me incapacitou de cuidar da minha bebé, tenho esta agravante de já não ter o apoio que tinha da minha mãe e por isso tenho de procurar ajuda de outra maneira e foi o que fiz», afirma, lamentando que nem todas as mulheres o possam fazer por este ser um serviço pouco ou nada acessível através do Serviço Nacional de Saúde.

Na opinião das especialistas, o «acompanhamento ideal» começa, tal como Salomé decidiu, na pré-conceção e é feito com uma equipa multidisciplinar.

 

Sul Informação
Ana Marta Vaz, psicóloga clínica

 

«Até há bem pouco tempo, tinha-se muito a ideia de que os psicólogos e psiquiatras deviam estar cada um no seu lugar, mas a literatura mostra que um acompanhamento multidisciplinar resulta muito melhor», dizem.

Ainda assim, as especialistas consideram que prevalece algum estigma em relação a estas temáticas por parte de médicos de outras especialidades, que continuam a não dar a devida importância à saúde mental dos pacientes.

«Se eu sei que as problemáticas de saúde mental são a principal complicação obstétrica não diagnostica, ou seja, que uma mulher com depressão tem maior probabilidade de ter um parto pré termo, que vai ter complicações no parto e um bebé com baixo peso –  isto está comprovado – como é que um obstetra pode dizer que não percebe nada de saúde mental perinatal?», questiona psiquiatra Teresa.

«Não podem! Têm de saber! Porque uma mãe deprimida não fala com o bebé, não canta para o bebé e as primeiras aprendizagens e a linguagem são desenvolvidas assim. Portanto, um pediatra não pode dizer que não sabe de saúde mental perinatal. No entanto, aquilo que nós vemos, é que há inclusive obstetras a retirarem a medicação», enfatiza, acrescentando que a ajuda pode e deve inclusive chegar logo dos cuidados de saúde primários.

Apesar de a Mentalizando ser um projeto recente, Teresa e Ana Marta dizem que já muitas mulheres as procuram diretamente, mas, no início, chegavam sempre por recomendação de alguém.

«Era muito frequente nas consultas as mulheres dizerem «eu só vim porque a pediatra a conhece, confia muito em si e disse para eu marcar», ou «eu só vim porque uma amiga me falou de si».

Apesar de ser um projeto focado na saúde mental perinatal, Teresa e Ana Marta explicam que o acompanhamento é mantido às mulheres que assim o desejem, «até porque uma mulher que é mãe nunca mais deixa de o ser».

Por saberem que não conseguem chegar a todos, a médica psiquiatra explica que uma das missões da Mentalizando é também a de «formar profissionais», através da Comunidade Mentalizando, que realiza ações junto de outros psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, internos da especialidade, etc.

«Nós não queremos ficar com o conhecimento para nós. O objetivo é distribuir o conhecimento e haver mais pessoas capacitadas para trabalhar com estas mulheres», afirma Teresa, que neste momento desenvolve projetos pioneiros, tanto no hospital de Évora como com a sua equipa da Mentalizando.

Neste momento, a Mentalizando já chegou a mais de 250 pessoas e Teresa, no hospital, já ultrapassou as 4 mil intervenções, mas o objetivo é que todas as mulheres possam ter estes cuidados à sua disposição, de Norte a Sul do país, se assim o desejarem.

 

Nota: À data de publicação deste artigo, Marta Vaz já não faz parte da equipa do projeto “Mentalizando”. 

 

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