O Conselho Intermunicipal da CIMAA aprovou, por unanimidade, a adjudicação da obra para a construção da rede de infraestruturas primárias do Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato – Barragem do Pisão, em reunião extraordinária que decorreu no passado dia 8 de outubro.
No seguimento do Concurso Público Internacional, a obra será adjudicada ao consórcio ibérico “Agrupamento FCC Construcción S.A e Alberto Couto Alves S.A” e tem o valor de 64,9 milhões de euros.
As infraestruturas primárias são, essencialmente, compostas pela Barragem. A sua altura máxima será de 54 metros e a albufeira criada terá 726 hectares de área inundada, com um volume de armazenamento total de 116,2 hm3, à cota do Nível Pleno de Armazenamento (248,00).
A Barragem do Pisão é o mais avultado investimento inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com uma dotação de aproximadamente 141 milhões de euros e mais 10 milhões previstos no Orçamento de Estado.
A sua concretização permitirá garantir o abastecimento público de água, o estabelecimento de novas áreas de regadio e a produção de energia a partir de fontes renováveis, contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento económico da região e a qualidade de vida da população.
Será também necessária a deslocalização da Aldeia do Pisão para uma nova aldeia, que irá nascer junto ao lugar do Monte da Velha. Para isso, está prevista para o início de 2025, a apresentação do Masterplan da Nova Aldeia.
Caros leitores, ao ler esta notícia, confesso que me lembrei imediatamente do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva e do seu ator principal, a EDIA. Esta evocação e este paralelismo servem de pretexto para umas breves reflexões sobre o programa de valorização da sub-região do Alto Alentejo.
Os territórios são construções longas e delicadas que atravessam muitas vicissitudes e contrariedades. O seu capital social é fruto dessa história vivida e dessa sociabilidade histórica muito particular e é dessa experiência histórica concreta que se geram, emergem e estruturam os recursos de um território.
Por maioria de razão, na sociedade do conhecimento em que vivemos, os novos problemas emergentes devem-se, em boa medida, a um défice de conhecimento. Por isso, nós dizemos, os territórios não são pobres, estão pobres.
Assim sendo, porque é que alguns territórios do interior aparentam ter parcos recursos? Em parte, porque as suas relações de sociabilidade apresentam baixos índices de intensidade-rede, isto é, revelam uma sociabilidade fraca porque em determinada circunstância ou conjuntura histórica os seus responsáveis primeiros e atores principais perderam representatividade e influência políticas e, por essa razão, ficaram aquém do que poderíamos considerar serem as suas responsabilidades públicas face às necessidades do seu território.
Ora, a conjuntura histórica atual é marcada por dois grandes programas de investimento: o PRR 2026, programa de recuperação e resiliência, e o PT 2030, o quadro comunitário de apoio para a década, para lá de outros programas europeus, como é o caso do programa de cooperação transfronteiriça.
É neste contexto que se anuncia o grande investimento relativo ao empreendimento de fins múltiplos do Pisão, não sabendo nós, ainda, qual o verdadeiro alcance estratégico regional e nacional pretendido para este empreendimento de fins múltiplos.
Seja como for, a valorização do Alto Alentejo não se esgota neste empreendimento, razão pela qual a estratégia de valorização do interior precisa de respeitar certas condições gerais para ser efetiva.
Em primeiro lugar, no plano substantivo das opções de desenvolvimento regional, há várias opções que precisam de convergir para que tenhamos um verdadeiro programa integrado de desenvolvimento para 2030:
– Em primeiro lugar, a rede digital de alta velocidade, para acabar com a discriminação territorial e, assim, contribuir para a smartificação dos territórios do interior;
– Em segundo lugar, a rede de vilas, cidades pequenas e médias do interior tendo em vista consolidar a sua malha, aumentar os seus efeitos de aglomeração, a mobilidade sub-regional e a rede de serviços ambulatórios;
– Em terceiro lugar, um plano de infraestruturas de rede, por exemplo, a interoperabilidade da rede de barragens, a renovação da ferrovia, o desassoreamento das bacias hidrográficas, o melhoramento da rede rodoviária, a oferta de serviços de saúde e cuidados continuados, a renovação do parque escolar, a rede de creches e o cohousing para a 3ª idade;
– Em quarto lugar, o plano de investimentos agroambientais e agroflorestais de ordenamento do território, tendo em vista reduzir os riscos ambientais e climáticos deste território, em associação com o banco de solos e a incubadora de base agro rural;
– Em quinto lugar, a rede de turismo sustentável de vilas e aldeias, em especial, a valorização dos seus signos distintivos territoriais, tendo em vista atrair novos residentes e visitantes;
– Em sexto lugar, o programa de incentivos fiscais e financeiros às empresas que se queiram instalar nos territórios do interior, em estreita colaboração com as associações que promovem os jovens empresários, os programas de estágios e bolsas e as incubadoras de start-ups.
Em segundo lugar, há algumas condições de carácter mais operativo que devem ser, igualmente, salvaguardadas:
– O programa de intervenção territorial não pode ser reduzido a um elenco de medidas, necessita de uma intencionalidade estratégica e operacional, um calendário de realização e um ator-rede para a sua execução; além disso, os territórios não podem ser reduzidos a simples nomenclaturas territoriais estatísticas/NUTS, ou seja, as comunidades de municípios fazem parte de uma comunidade de destino e de um território-desejado;
– Os atores-principais não podem ser reduzidos a departamentos da administração pública local e regional, os territórios necessitam da mobilização da inteligência emocional e a criatividade dos cidadãos e não podem ser reduzidos a elos de ligação de templates e algoritmos que controlam os processos de seleção e decisão; a ator-rede não é um simples destinatário, mas um representante e um curador acreditado da comunidade local e regional;
– A inovação territorial não pode ser reduzida à informática de gestão e administração, é necessária uma nova cultura de ordenamento e relação cidade-campo com relevo para as redes de pequenas e médias cidades do interior e respetivos esquemas de autogoverno e para uma nova geração de bens públicos rurais, tais como infraestruturas verdes, corredores ecológicos, equipamentos agroecológicos (bioenergias) e ecossistémicos (sequestro e captura de carbono) e, bem assim, pagamentos por serviços ambientais prestados;
– O contrato de desenvolvimento territorial, o programa integrado de desenvolvimento regional e o ator-rede são a base socioinstitucional de partida para a criação do capital social, cultural e criativo da sub-região que não pode ser reduzido a uma sociabilidade fraca ou cooperação de baixa intensidade; de resto, não se compreende que sendo a cooperação um recurso abundante e barato não seja usado com mais frequência e intensidade pelos territórios do interior.
Nota Final
Como disse, a estratégia de valorização do interior para ser bem-sucedida precisa da presença permanente de um ator-rede. Este ator-rede tem quatro missões principais: promover a identificação com o território-rede (uma geografia sentimental), reunir uma massa crítica de atribuições, competências e recursos (capacidade de autogoverno), cuidar da territorialização das medidas aplicáveis (efeito rede e coesão), e promover a formação e rejuvenescimento empresarial (capital social do território).
No mesmo sentido, importa evitar a todo o custo que os silos ministeriais descarreguem as medidas que têm em stock sobre os territórios, sem cuidar da temporalização e territorialização dessas medidas e respetivo envelope financeiro.
Esta é, justamente, a competência fundamental do ator-rede, a saber, ser um centro de racionalidade, cuidar da retenção dos efeitos de aglomeração, reduzir os efeitos externos negativos e potenciar os efeitos externos positivos.
Para memória futura, deixo aqui uma proposta de agenda para 2030.
Os bens comuns da CIMAA e a agenda económica do Alto Alentejo
1. O centro partilhado de recursos digitais e a plataforma analítica territorial
2. A criação da escola profissional de artes e tecnologias
3. O hub criativo da CIM, artes e ofícios e rede de residências criativas
4. O programa de ecologia da paisagem e gestão do mosaico paisagístico
5. A rede de bens comuns do património natural e cultural
6. O programa de envelhecimento ativo, mobilidade e cuidados ambulatórios
7. A Euro-cidade do CAIA e o programa de cooperação transfronteiriça
8. O centro de acolhimento e inclusão de trabalhadores migrantes
9. O EFM Pisão e suas conexões com Montargil e Maranhão
10. A economia circular, o mix energético e as comunidades locais de energia
11. O banco de terras, a rede de agricultura familiar e a incubadora rural
12. O programa de desenvolvimento do distrito agroindustrial do CAIA
13. O reforço do cluster aeroespacial de Ponte de Sor
14. A economia das DOP e IGP, modernização e marca territorial
15. O Parque agroecológico de S. Mamede: cluster, cabaz de produtos, marca
16. O programa integrado dos parques empresariais e zonas industriais da CIM
17. A programação e organização do cluster turístico-cultural da CIM
18. A plataforma associativa empresarial: banco de estágios, bolsas e empregos.