Para já, são 166 os pescadores algarvios que vão dividir 1,2 milhões de euros das compensações financeiras para «mitigar os impactos económicos resultantes das restrições à pesca», impostas pela criação do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve – Pedra do Valado, e até para «facilitar a transição para novas atividades, enquanto garante a sustentabilidade das comunidades locais».
As medidas de compensação foram apresentadas na quarta-feira ao final da tarde, no porto de abrigo de Albufeira, pela ministra do Ambiente, numa sessão onde participaram ainda pescadores, nomeadamente das associações de Albufeira e de Armação de Pêra, os presidentes de Câmara dos três concelhos cujas comunidades piscatórias são afetadas (Albufeira, Lagoa e Silves), do presidente do ICNF, entidade que gere esta nova área protegida do Algarve, os representantes da Fundação Oceano Azul e do CCMAR, os presidentes da Docapesca e da Região de Turismo do Algarve e a secretária de Estado das Pescas, entre outras entidades.
Apesar de a sessão contar com a participação de duas dezenas de pescadores, de portinhos desde Alvor aos Olhos d’Água, nem todas as associações do setor estão contentes com as restrições impostas, mas, sobretudo, com o montante das compensações financeiras (1,2 milhões em 2024) que serão atribuídas.
O que é certo é que, como revelou Marco Rebelo, diretor do Fundo Ambiental (de onde virá o dinheiro a pagar aos pescadores), desde a manhã de dia 6 de Agosto que «está disponível no site da Fundo Ambiental uma página onde os pescadores se podem registar, preenchem o formulário, comprovam que são os titulares das embarcações que operavam na zona, demonstram que não têm dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e, com isso, uma vez que o trabalho a montante está feito, terão direito às suas compensações financeiras».
O apoio será distribuído pelos «166 pescadores que foram identificados pelos dirigentes das associações de pesca envolvidos, com diferentes montantes de compensação, de subsídio atribuído, em razão de uma série de critérios que foram definidos com o apoio de diferentes entidades», acrescentou.
Em resumo, esses critérios têm a ver com «a proporção do esforço de pesca afeto ao parque para cada embarcação, têm a ver com o histórico dos desembarques e do valor médio dos três melhores anos num período de referência que foi definido entre 2018 e 2022, com a dimensão da embarcação, com a distância do porto ao parque marinho», explicou ainda o diretor do Fundo Ambiental.
Afirmando não ter dúvidas de que será um processo «rápido», Marco Rebelo avisou que as candidaturas estão abertas «até o dia 31 de outubro». «Quanto mais cedo se inscreverem, mais cedo receberão as compensações previstas neste mecanismo», garantiu.
Manuel João Prudêncio, presidente da Associação de Pescadores de Armação de Pêra, sublinhou, a este propósito, o facto de ser «inédito em Portugal» este tipo de atribuição de compensações aos pescadores.
Por seu lado, Miguel Reis, da Associação de Pescadores de Albufeira, sublinhando que «os pescadores são a parte que mais vai ser afetada neste processo», chamou a atenção para duas questões que não estão ainda totalmente esclarecidas: «nós já recebemos a lista de embarcações que estão contempladas pelas compensações, mas há algumas embarcações que não estão lá incluídas».
Quanto a esta questão, Nuno Banza, presidente do ICNF, respondeu imediatamente que, «se faltar alguma embarcação na lista, se houver algum erro, se algo nos falhou, nós corrigimos, seguramente».
Miguel Reis quis ainda saber quem irá pagar as caixas de monitorização que todas as embarcações que poderão pescar numa parte do Parque Natural da Pedra do Valado terão de ter. «O custo desses aparelhos vai ser suportado por quem? Pelos pescadores? Pelo ICNF? São essas dúvidas que nos atormentam», disse.
Também aqui foi Nuno Banza quem respondeu, afirmando que tanto o ICNF, como a DGRM estão «à procura de uma forma de pagar esse investimento, de maneira que não tenham de ser os pescadores a pagar».
«Na verdade, nós achamos que deve haver uma forma de pagar esse investimento, e ainda não conseguimos encontrar uma solução», admitiu.
Já antes o diretor do Fundo Ambiental tinha chamado a atenção que o mecanismo de compensação e a própria forma como o Parque Marinho será gerido contempla «as três dimensões da sustentabilidade: a ambiental, a económica e a social».
Trata-se, sublinhou, de um «mecanismo que visa compensar e de alguma forma minimizar o impacto, a curto prazo, do efeito da criação de uma área protegida. Porque haverá, naturalmente, restrições de acesso a determinadas zonas do Parque Marinho e essas têm como consequência a perda de rendimento».
Foi, assim, criado «um mecanismo para compensar os operadores económicos que utilizavam aquela zona, os pescadores e que pela primeira vez em Portugal terão direito a uma compensação».
Cláudia Monteiro de Aguiar, secretária de Estado das Pescas, bateu na mesma tecla: «este local, além de abrigar uma rica de biodiversidade, é também e será um centro vital das atividades de pesca comercial, de pesca lúdica, mas também da envolvência das marítimo-turísticas».
Todas essas atividades dependem «do bom estado ambiental e funcional do ecossistema marinho».
«Estes pressupostos são essenciais para a sustentabilidade social, são essenciais também para a sustentabilidade económica das nossas comunidades costeiras e é fundamental para o setor das pescas, sendo este setor fundamental também desta sustentabilidade», acrescentou.
«O setor das pescas não só sustenta economicamente inúmeras famílias, como também preserva tradições culturais profundas, que são parte integrante de toda esta nossa identidade nacional, tal como este grande pesqueiro contribuiu e continua a contribuir para reforçar esta identidade», salientou a secretária de Estado.
Para esta governante, «os pescadores são guardiões do nosso património marítimo e desempenham um papel crucial na sustentabilidade dos nossos recursos marinhos», por isso «é mais do que justo que aqueles que enfrentam algumas limitações do ponto de vista do acesso a determinadas áreas deste Parque Natural Marinho de Recife do Algarve, devido a esta nova implementação, sejam, justamente, compensados por potenciais perdas de rendimento».
Mas Cláudia Aguiar Monteiro até quer ir mais longe, tendo defendido que «é bom que não olhemos apenas para as compensações monetárias, mas que olhemos e procuremos encontrar soluções de políticas públicas que permitam apoiar-nos também do ponto de vista da monitorização e da valorização do pescado».
A ministra do Ambiente e Energia, depois de afirmar que «o Parque Natural Marinho de Pedra do Valado é um motivo de orgulho para a região do Algarve e para o nosso país», fez questão de sublinhar que «o facto deste projeto ter começado na sociedade civil, nomeadamente nos três municípios que o acolhem» é «um forte indício do apoio que teve e que terá por parte das comunidades e do tecido económico local», tanto na pesca, como no turismo.
Mas o Governo, frisou Maria da Graça Carvalho, reconhece «os sacrifícios que estamos a pedir a estas comunidades, ao limitarmos as atividades humanas que podem ser desenvolvidas neste novo parque natural». Daí a criação deste mecanismo de compensação, dotado com 1,2 milhões de euros para o ano em curso.
Voltando a frisar que se trata de um sistema «único em Portugal», embora já exista «em vários países europeus», a ministra manifestou a vontade de «tudo fazer para que este Parque Marinho corra bem e seja exemplo para futuros parques».
Segundo a ministra do Ambiente, «o facto de estarmos a restringir as atividades humanas neste novo parque natural, não significa que este deixe de constituir uma grande mais-valia para o país e para os municípios desta região, uma mais-valia, desde logo, de excelência para o desenvolvimento de atividades de investigação científica ligadas ao mar, que nos poderão conduzir ao desenvolvimento de novas atividades económicas sustentáveis ligadas a este setor».
Depois, «uma mais-valia também para a própria atividade piscatória», já que «esta reserva reúne condições muito favoráveis para a desova e desenvolvimento de várias espécies com grande interesse comercial, que, no futuro, não irão cingir-se aos limites do parque, contribuindo para repor os stocks de peixes nas zonas envolventes».
«Existem diversos estudos científicos que demonstram esta relação positiva, por isso é minha convicção que os pescadores destes concelhos serão parte ativa da proteção desta reserva, não só é boa para a biodiversidade, mas também para proteger o futuro da pesca nesta região», acrescentou.
De tal forma que Maria da Graça Carvalho também se mostrou confiante que «acontecimentos como o que foi noticiado há dias, com a captura de 59 armadilhas pela Polícia Marítima dentro das fronteiras do Parque Marinho, serão cada vez mais raros».
O Parque Natural Marinho Pedra do Valado foi criado em Janeiro passado, ainda pelo anterior Governo (facto que foi destacado pela atual ministra do Ambiente no seu discurso) e abrange uma área de 156 quilómetros quadrados, sendo, por isso, um dos maiores recifes de Portugal, acolhendo uma imensa biodiversidade marinha.
A criação do Parque, iniciada em 2018, foi um processo participativo que envolveu as comunidades locais e as autarquias, por forma a garantir que as suas preocupações fossem consideradas.
Criada Comissão Consultiva do Programa Especial do Parque Marinho
O Parque Natural Marinho foi criado «tendo em vista o estabelecimento de um regime de gestão e salvaguarda de recursos e valores naturais que garantisse a conservação da natureza e da biodiversidade, aliado ao aproveitamento racional dos recursos naturais, à conciliação com o desenvolvimento social e económico das populações que deles dependem, essenciais à implementação do princípio da utilização sustentável do território e do garante da sua disponibilidade para as gerações futuras».
O Programa Especial procura, precisamente, dar corpo à elaboração de uma estratégia de conservação e de gestão desta nova área marinha protegida.
Grande riqueza ecológica
É aqui que se localiza a Pedra do Valado, o maior recife costeiro do Algarve e um dos maiores de Portugal, que apresenta valores naturais ímpares no contexto da costa portuguesa.Em termos de localização e delimitação geográficas compreende a área entre o Farol de Alfanzina, limite oeste (concelho de Lagoa), e a marina de Albufeira, limite este, estendendo-se até ao limite da batimétrica de cerca de 50 metros. O Parque Natural Marinho totaliza uma área de aproximadamente 156 quilómetros quadrados.
A diversidade e complexidade de habitats presentes proporcionou uma biodiversidade marinha extraordinária, atestada pela descoberta de 12 novas espécies para a ciência.
Acresce que foram aqui registadas mais 45 novas ocorrências de espécies marinhas para Portugal.
Ao todo, foram identificadas cerca de 889 espécies nesta zona, das quais 703 são invertebrados, 111 são peixes e 75 são espécies de algas.
Além do elevado número de espécies presente, foram identificadas 24 espécies vulneráveis e/ou com estatuto de conservação, entre as quais o mero (Epinephelus marginatus) e os cavalos-marinhos (Hippocampus hippocampus).
Esta é uma área de excelência para a biodiversidade marinha, atuando como maternidade da vida marinha, para muitas espécies que nascem, crescem e vivem nesta costa.
É ainda fonte de recursos pesqueiros de elevado valor comercial, como é o caso dos polvos, pargos, sargos, douradas, robalos e linguados, que aqui encontram refúgio possibilitando o aumento da sua abundância nas zonas adjacentes.
Os fundos deste recife são em parte constituídos por uma restinga submersa entre os 18 e os 25 metros abaixo do nível médio do mar e que atesta uma antiga linha de costa.
Os recifes rochosos ou recifes naturais são habitats designados para proteção no âmbito da Diretiva Habitats. Paralelamente, dos sete novos habitats para o sistema de classificação Europeu EUNIS (European Nature Information System) identificados em toda a costa sul do Algarve, seis ocorrem nesta área marinha, com destaque para os jardins de gorgónias, comunidades de algas castanhas e de algas calcárias, e bancos de ofiurídeos.
Por outro lado, estão presentes nesta área marinha, três habitats com estatuto de proteção pela Convenção OSPAR, a saber, os jardins de gorgónias supracitados, as pradarias de ervas marinhas (Cymodocea nodosa), que são únicas na costa portuguesa, e os bancos de Maerl (algas calcárias).
Dentro desta área marinha, ao largo de Albufeira e de Armação de Pêra, existem características oceanográficas particulares, quer a nível abiótico quer a nível biótico, que favorecem o crescimento e sobrevivência das larvas de peixe, nomeadamente de sardinha.
Por último, esta área marinha é frequentemente visitada por espécies de mamíferos marinhos (golfinhos e baleias), répteis marinhos (tartarugas) e aves marinhas, com estatuto de proteção a nível nacional e internacional, e que poderão beneficiar de um ambiente marinho mais saudável e equilibrado.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação
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