Sob uma chuva de críticas nos comentários, a Sra. Ministra do Ambiente e Energia anunciou, in persona, na rede social “Linkedin”, que vai despender do Fundo Ambiental “1 milhão de euros em campanha de sensibilização para o uso eficiente da água no Algarve”.
A justificação é que “o investimento visa promover a consciencialização da população e da economia regional para a adoção de práticas mais sustentáveis”.
Por mero acaso, e com certeza por mera coincidência, dizíamos no dia anterior na imprensa regional que a população do Algarve já sabe historicamente poupar e é alheia aos problemas de quem realmente gasta (água e tudo o mais): a agricultura industrial.
Se o que publicam os grandes empresários agrícolas sobre este tema é bastante risível (leia-se, logo no dia seguinte, por exemplo, Luís Mesquita Dias), já não o é quando se trata de quem tem responsabilidades na governança.
O uso eficiente da água no Algarve não é da sua responsabilidade, primeiro? Sensibilizar a economia regional (leia-se agricultura industrial, responsável por 70% do total do consumo de água) para adoção de práticas mais sustentáveis não seria mais eficaz pela via da criação de regulamentação específica que evitasse a destruição irreversível do território incluindo dos seus milenares aquíferos subterrâneos?
Que se imponha limites ao lucro fácil de um sector industrial assente em concorrência desleal com uma economia baseada em fatores de produção quase gratuitos, como toda a água e terrenos em reserva agrícola nacional, a toxificação dos ecossistemas com químicos de síntese baratos (e indestrutíveis), impostos privilegiados, fundos de financiamento exclusivos e a exploração severa de mão-de-obra não qualificada (para não dizer escravização), um retrocesso a todas as conquistas dos direitos laborais de Abril.
Não confundir agricultor com empresário da indústria agrícola: o primeiro usa botas de atanado e camisa de xadrez, o segundo mocassins e camisas com um pequeno bicho bordado ao peito.
Segue o comunicado da Sra. Ministra do Ambiente e Energia informando que, “a poucos dias da celebração da Semana Mundial da Água, o Governo aprovou o financiamento de um conjunto de ações de sensibilização e planeamento para a gestão da seca e escassez na região do Algarve”.
Numa única frase a evidência da precipitação de tudo o que não faz falta. Em primeiro lugar, porque a Semana Mundial da Água não é exatamente uma “celebração”, não é uma efeméride, por assim dizer, mas antes um congresso organizado anualmente desde 1991, em Estocolmo, pela SIWI – Stockholm International Water Institute, uma entidade privada sem fins lucrativos. Uma feira internacional onde se encontra de tudo, desde sistemas de rega, até enchimento de leitos de percoladores de ETAR.
Em segundo lugar, porque é muito difícil compreender como, apenas com um milhão de euros, se vai sensibilizar e planear a gestão da seca e escassez. O planeamento não está a ser feito há anos? Com recurso a uma miríade de instrumentos de gestão que passam por sucessivas consultas públicas?
Não há evidências de que as alterações climáticas tenham alterado o cenário de seca em apenas umas centenas de dias. A seca no Algarve é histórica e cíclica. E, sabemos, a grande ameaça não é a seca, mas a escassez hídrica, o desequilíbrio entre a oferta e a procura, com a agricultura a sorver quantidades de água perigosamente expressivas.
Parece que a palavra “planear” estava a mais, o que quereriam dizer era “sensibilizar”, só.
Sobre isso, o comunicado explica que “a Agência Portuguesa do Ambiente e a Águas do Algarve serão responsáveis pela implementação de atividades, entre as quais campanhas de sensibilização nas escolas, produção de materiais informativos e organização de eventos”.
Fica claro que não chega um milhão, especialmente quando os avisos sobre a redução da pegada hídrica abusam nos custos e na pegada carbónica das pequenas avionetas a sobrevoar as praias avisando: “água é vida, não a desperdice”.
A sensação de vergonha alheia escorre como água no rosto e salva-nos pensar que a maioria não consegue ler o português da tarja que atravessa os areais.
Felizmente, a campanha é lançada no final da época turística e já ninguém vê estas contradições. Ficam só a pensar que, no destino turístico de excelência de Portugal, não há duches e lava-pés nas praias como há no resto do mundo (deste ou do outro).
As campanhas escolares terão também de ser cuidadas, esperando que não atinjam as crianças que estão a atravessar a fase de repulsa pelo banho, que poderiam assim rentabilizar a informação a favor da sua rebeldia por oposição às claras instruções das necessidades de higienização ensinadas nas escolas.
É claro que, nas crianças, está o futuro e é bem possível que depois da ensaboadela escolar elas não se venham a tornar industriais agrícolas no Algarve.
Por enquanto, o efeito será diminuto, pois a população escolar e familiar representa, no consumo total de água, uma muito pequena percentagem e, sabemos, a que lhes chega por fim à torneira já se perdeu em 40% pelo caminho das redes de distribuição obsoletas.
Talvez as Águas de Portugal, envolvidas na campanha, queiram explicar também esta parte da sua ineficiência que perde muita água, mas poupa muito em investimento (aprendizado oriundo do colapso de Margaret Tatcher).
A frase final do comunicado é clara: “Estas ações são de significativa importância na mudança de comportamentos em direção a um futuro mais sustentável para a região, que enfrenta os desafios da seca”.
Esta é apenas uma lavagem cerebral para que todos fiquemos convencidos que a culpa é nossa e o que aí vem é bom e necessário. Não, não é. O que aí vem está centrado nos que menos gastam, o consumidor doméstico, e vai trazer-lhes água muito mais cara, com uma muito maior pegada ecológica, mais vulnerável a crises energéticas e sísmicas.
Não nos sensibilizem, não nos ofereçam as cenouras da economia comportamental…
Autora: Cláudia Sil,
para
HIDRA – Horizontes de Inovação para o Desenvolvimento Regional do Algarve, Inc. (Inteligência Colectiva)
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