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Querido cigarro,

Lembro-me que quando te conheci não tive a melhor primeira impressão. Foste até algo desagradável, mas eras adorado por tantos que não quis ser a única a não gostar de ti. E assim foi-se passando o tempo e há quem diga que, previsivelmente, tornámo-nos os melhores amigos.

Inicialmente, sempre que ia jantar ou passear, lá te encontrava. Depois, sem qualquer aviso, entraste na minha vida, na minha rotina. Sempre que estava mais ansiosa, tu reconfortavas-me. Sempre que precisava de uma pausa, tu acompanhavas-me. Sempre que quisesse festejar, tu celebravas comigo. Sempre e em qualquer lugar, tu estavas lá. Tornámo-nos verdadeiros amigos.

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Eu já não me via a viver sem ti. Até acho que os meus amigos e família te invejavam.

Eras imprescindível na minha existência, no meu próprio ser. Já não era a mesma sem ti, já não conseguia ser “eu” sem ti.

A nossa relação era tão próxima que quando ficava privada do teu tempo, ficava diferente. Ansiosa, irritada, às vezes até agressiva. Tinha de me ausentar para estar contigo, era só isso que pensava – como e quando? E quando te via, o alívio que sentia! Tudo voltava a estar bem, por pouco tempo que fosse. Depois voltava ao mesmo. Era como se estivesse dependente de ti.

A verdade é que me foram dizendo que não eras a melhor companhia – eu é que achava que comigo era diferente. Sem me aperceber, fui regendo a minha vida de acordo com o que tu ditavas, direta ou indiretamente – eu é que não quis ver.

Os anos foram passando, e eu é que me cansava, enquanto tu estavas sempre insaciável.

Afinal, quem achou, quem não quis ver, quem se cansou, fui eu. Eu é que me pus de lado. Pus-me de lado pela nossa relação, achava eu, de amizade.

Enquanto eu dava o meu tempo para estar contigo, tu depositavas deliberadamente veneno em todo o meu corpo. Controlavas tudo o que fazia. Fizeste com que a minha vida fosse centrada em ti, e não em mim. Deixei de gostar de me ver ao espelho, envelheceste-me. Já não conseguia correr como antes, roubaste-me o fôlego. A vida não tinha o mesmo sabor, apoderaste-te de todos os mesmos sentidos.

Quando parei para pensar, sem ti para me influenciares, percebi que tudo era efémero. Que tudo se pode facilmente esfumar. Então, estabeleci as minhas prioridades. Por muito que gostasse de ti, gostava mais de mim. E assim, escolhi-me a mim. Por estranho que pareça, foi talvez das decisões mais difíceis que tive de tomar.

Com apoio daqueles que verdadeiramente gostavam de mim, cortei os laços contigo. Confesso que muitos foram os momentos, os dias, em que quis voltar a trás.

Invadias-me constantemente o pensamento, com as tuas falsas promessas de tranquilidade, conforto e bem-estar. No início senti-me só e vulnerável. Não foi nada fácil. Recorri a tudo para te substituir da minha vida, tinha de ter sempre pastilhas na mala, deixei de beber café no trabalho, evitei frequentar esplanadas, recusei convites para festas, enfim. Foi como se tivesse de recomeçar a minha vida de novo. Relembrar-me de como é que vivia antes de te conhecer.

Com o passar do tempo, fui-me habituando a não estares presente, até que houve um dia que deixei de pensar em ti.

Assim, sou hoje oficialmente uma ex-fumadora! Tenho mais tempo, mais saúde, mais vitalidade. Quem diria!

E por isso decidi que estava na hora de te escrever esta carta. Uma carta de despedida para contigo. Uma carta de amor para comigo.

Quero-me despedir de ti, sem culpa ou ressentimentos. Estou pronta para seguir em frente.

 

De uma fumadora, que orgulhosamente escolheu e conseguiu deixar de fumar. Até nunca mais cigarro.

 

Celebra-se hoje, 31 de maio, o Dia Mundial Sem Tabaco.
A todos os ex-fumadores, muitos parabéns! Tentaram e conseguiram. É uma verdadeira conquista.
A todos os fumadores, pensem sobre como querem viver. Não precisam de estar sozinhos nesta luta. Estamos aqui para vos aconselhar, apoiar e acompanhar.

 

 

Autora: Adriana Justo Correia é Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

 

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