A Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Alentejo: uma visão de futuro

A digitalização do território em conjunto com um associativismo intermunicipal mais vigoroso transporta as comunidades inteligentes para outros patamares de desenvolvimento territorial

Portalegre

Os territórios e em especial as áreas de baixa densidade (ABD) não são pobres, estão pobres. Muitos recursos estão expectantes e aguardam que alguém os converta em ativos territoriais. A cooperação local e regional é um desses recursos expectantes mais decisivos. Sem a cooperação e a reinvenção do associativismo de base local e regional não há comunidades inteligentes. Sem plataformas e redes colaborativas não há ator-rede capaz de gerar a intensidade-rede suficiente para dinamizar os territórios.

Os sinais distintivos territoriais (SDT) são a base de partida da economia criativa regional e o mapeamento dos mercados locais, fileiras económicas e cadeias de valor a base de partida da economia produtiva. Estas duas bases territoriais precisam de ser reinventadas e interagir intensivamente, mas de modo muito mais inteligente e imaginativo. Nestas hiperligações entre economia criativa e economia produtiva a caixa de instrumentos tecno-digitais e a smartificação do território das áreas de baixa densidade (ABD) desempenham um papel fundamental. A digitalização do território em conjunto com um associativismo intermunicipal mais vigoroso transporta as comunidades inteligentes para outros patamares de desenvolvimento territorial.

Em síntese. É preciso reinventar o associativismo de base regional para gerar comunidades mais inteligentes. É preciso criar plataformas digitais colaborativas para aumentar a intensidade-rede das comunidades. É preciso reinventar a narrativa territorial acerca dos SDT para recriar as hiperligações entre economia criativa e produtiva. É preciso usar o colar de pérolas da economia criativa – património e paisagem, ciência e tecnologia, arte e cultura – para promover os intangíveis criativos e transferir as suas inovações para a economia produtiva.

Finalmente, é preciso transformar uma nomenclatura estatística (NUTS III) num território-desejado e mobilizar a inteligência emocional, através da arte e da criatividade, para o desenvolvimento consistente das áreas de baixa densidade. Pensemos, por exemplo, na Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA) e numa visão de futuro para esta sub-região no horizonte 2030. Quais são as perguntas mais críticas e pertinentes neste momento e nesse horizonte temporal?

1 – Quais são em cada município e na sub-região CIMAA os SDT com maior visibilidade e efeito multiplicador e que cadeias de valor eles podem alavancar?

2 – Qual é o estado da arte em matéria de associativismo local e sub-regional e qual é a sua projeção e relevância territorial regional, inter-regional, transfronteiriça e internacional?

3 – Quais são os bens e serviços que podem ser considerados emblemáticos e representativos da economia sub-regional e aqueles com um potencial de crescimento mais inovador e mais global?

4 – Quais são os bens e serviços criativos que já estão incorporados nos bens e serviços da economia produtiva e aqueles com um potencial importante para serem parte do branding territorial da sub-região?

5 – Qual é o estado de saúde empresarial da sub-região e qual é o potencial de sucessão e rejuvenescimento empresarial que pode ser promovido daqui até 2030?

6 – Quais são os projetos estruturantes que a sub-região necessita, impreterivelmente, no horizonte 2030 para encetar um ciclo virtuoso de desenvolvimento e que acelere as hiperligações entre economia criativa e economia produtiva?

Para responder a estas perguntas mais críticas e pertinentes podemos ensaiar o esboço de uma visão para 2030, o horizonte temporal dos principais instrumentos de política pública europeia, nacional e regional. Como é obvio, este elenco é da minha inteira responsabilidade.

 

Eis a minha proposta:

1- Centro partilhado de recursos digitais: o objetivo é criar uma plataforma analítica territorial para a sub-região.

2- Incubadora de Base Rural: o objetivo é gerir um banco de solos e apoiar os jovens empresários rurais na sua instalação.

3- Distrito Agroindustrial do CAIA: o objetivo é criar um parque logístico e empresarial na parte sul da sub-região no quadro das relações transfronteiriças.

4- Parque agroecológico da Serra de S. Mamede: o objetivo é criar um sistema agroalimentar de base local que seja exemplar na gestão do mosaico agropaisagístico da serra de S. Mamede.

5 – Escola Secundária de Artes e Tecnologias: o objetivo é criar na CIMAA os jovens talentos e o capital humano e social do futuro da sub-região.

6 – Rede de Co-Housing e envelhecimento ativo: o objetivo é criar um programa de envelhecimento ativo, uma rede de cuidados ambulatórios de saúde e bem-estar e, assim, iniciar a desindustrialização da velhice.

7 – Banco de Oportunidades Jovens: o objetivo é criar uma plataforma que reúna informação sobre estágios, bolsas, residências, empregos, microcrédito, clubes de jovens empresários, etc.

8 – Rede de mercados locais e agricultura familiar: o objetivo é criar uma rede de circuitos curtos de comercialização e uma logística própria para a pequena agricultura.

9 – Rede Intermunicipal de economia circular: o objetivo é criar uma rede que articule todas as iniciativas e projetos nesta área, desde as comunidades de energia alternativa até à gestão de resíduos e compostagem para a agricultura regenerativa.

10 – Rede Intermunicipal de ofícios, artes e cultura: o objetivo é criar uma plataforma colaborativa de crowdsourcing e crowdfunding para sustentar um movimento cultural e criativo na sub-região que seja inspirador e, assim, cative os mais jovens a ficar na CIMAA.

Nota Final

Estes e outros projetos estruturantes, por exemplo, o empreendimento de fins múltiplos do Crato e a barragem de Pisão, devem fazer parte de um Programa Integrado de Desenvolvimento para a sub-região e inscrito no âmbito mais geral dos programas operacionais do PRR, do PT 2030, dos programas europeus e transfronteiriços e, obviamente, do programa operacional regional do Alentejo. Para o efeito, julgo indicado criar um sistema operativo apropriado a esta visão de futuro, se quisermos, através da criação de um ator-rede para a sub-região que seja uma administração executiva do conselho estratégico da sub-região.

A terminar, gostaria de deixar expresso uma espécie de aviso à navegação, chamado custos de oportunidade. As áreas de baixa densidade (ABD) sofrem de um forte handicap. Quando o país tem pouco capital próprio e as ABD uma baixa taxa de retorno no espaço e no tempo, fica mais difícil investir em bens não-transacionáveis nas ABD do interior em vez de bens transacionáveis nas áreas mais intensivas do litoral.

Por isso, uma diferenciação ou discriminação geral e transversal nas ABD pode afigurar-se contraproducente, não obstante a sua comprovada necessidade. Fica o alerta, uma política meramente redistributiva entre municípios para financiar bens não-transacionáveis não nos leva muito longe.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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