Comunidades Intermunicipais, os núcleos de inovação multitask

Só seremos bem-sucedidos nos processos de descentralização e regionalização se formos capazes de fazer mais e melhor com menos

A digitalização de muitas atividades, por um lado, e a sua territorialização, por outro, são as duas faces do problema regional e nem sempre convergirão na direção pretendida que é uma ocupação harmoniosa do território e a criação de riqueza e emprego bem distribuídos no interior do país.

Neste sentido, as Comunidades Intermunicipais (CIM) são uma janela de oportunidade para o futuro na medida em que receberão atribuições, competências e recursos das administrações central e local em resultado da aplicação da lei nº 50/2018.

Todavia, essa é apenas a linha de partida de um processo longo de consolidação territorial que, para se afirmar, precisa de se inscrever em redes de cooperação e inovação que lhe confiram musculo estrutural, networking suficiente e capacidade de realização própria. Uma dessas redes diz respeito aos núcleos de inovação multitask que, através de uma plataforma colaborativa, podem, por exemplo, envolver as várias CIM que uma região contém.

Façamos uma brevíssima incursão por estes núcleos de inovação multitask que podem ser infraestruturas e equipamentos preciosos para o futuro das CIM e respetivas regiões.

Núcleo de nichos produtivos e cadeias de valor acrescentado

Os nichos produtivos e as cadeias de valor são signos distintivos de uma região, imagens de marca do território. A CIM deve valorizar o sistema produtivo local e regional transferindo para as suas cadeias produtivas e para o seu sistema de preços o valor acrescentado CIM criado através dos seus vários sinais distintivos territoriais.

Núcleo de biodiversidade, ecologia funcional e serviços ambientais

Sem património natural em condições de ser utilizado não haverá sustentabilidade nos sistemas produtivos locais e regionais e esta é uma tarefa insubstituível que, em si mesma, cria confiança e crédito nos bens finais da CIM e da região, considerados bens de mérito e reputação.

Núcleo de energias alternativas

A autonomia energética e a baixa emissão de carbono é uma imagem de marca do nosso tempo. A matriz energética de recursos alternativos é um sinal distintivo que digitaliza e territorializa uma CIM e a sua região. É uma tarefa inadiável da inovação multitask.

Núcleo de economia circular

Uma tarefa fundamental associada à anterior é o lançamento das bases de uma economia circular em cada CIM e sua região. A circularidade é, doravante, uma das bases principais do sistema produtivo local e regional e uma fonte de criação de emprego local com significado.

Núcleo de ensino profissional e formação permanente

Uma outra tarefa fundamental diz respeito a uma rede circular entre comunidades intermunicipais de ensino técnico e formação permanente, que se estende desde o estágio profissional até ao envelhecimento ativo com a colaboração das associações empresariais e da academia.

Núcleo de residentes novos

Sem rejuvenescimento de população ativa, fixa e móvel, não haverá, a prazo, uma CIM consolidada. O núcleo de residentes novos, neorurais e nómadas digitais, entre outros, precisa de muita criatividade, desde as residências permanentes aos estágios de investigação, dos bens e serviços da economia criativa até aos novos projetos da economia produtiva. O marketing territorial e digital será fundamental para afirmar esta linha de trabalho da inovação multitask.

Núcleo de serviços ambulatórios ao domicílio

Os serviços de rede ambulatória ao domicílio são uma forma de regionalização inteligente que pode ser levada a cabo por uma plataforma da comunidade intermunicipal respetiva. Além disso, a rede ambulatória pode interagir com pequenos núcleos comunitários de ajuda voluntária e, dessa forma, desindustrializar a velhice e a doença que hoje existe nos serviços públicos.

Núcleo de turismo acessível e terapêutico

Na mesma linha de orientação, o núcleo de turismo acessível e terapêutico pode interagir com pequenos núcleos comunitários de ajuda voluntária e, assim, criar uma rede de proximidade mais eficaz e, sobretudo, mais empática para uma categoria de pessoas mais vulneráveis e com necessidades especiais.

Núcleo de artes e ofícios tradicionais

Uma outra tarefa fundamental diz respeito às artes e ofícios tradicionais que, para lá das vertentes recreativas e pedagógicas, precisa de interagir proactivamente com o marketing do território da CIM e, assim, gerar valor acrescentado para o sistema produtivo local e regional. O núcleo é um ativo fundamental e um lugar central da CIM.

Núcleo de envelhecimento ativo e serviço comunitário

Por último, uma tarefa nuclear da CIM diz respeito à promoção do envelhecimento ativo e ao serviço voluntário de apoio à comunidade. Trata-se de uma unidade estratégica da CIM e um signo distintivo da comunidade, pois atravessa horizontalmente todos os outros núcleos. É uma tarefa inadiável da inovação multitask.

Nota Final

Os núcleos de inovação multitask, pela sua própria natureza, já não pertencem à administração-silo vertical, tal como a conhecemos ainda hoje, ou seja, eles vão interagir com a administração municipal e a administração regional e implicam, por um lado, um federalismo intermunicipal mais inteligente e imaginativo e, por outro, uma reforma profunda na administração desconcentrada do Estado no plano regional.

Não é, como se pode imaginar, uma tarefa fácil, mas só seremos bem-sucedidos nos processos de descentralização e regionalização se formos capazes de fazer mais e melhor com menos.

É nesta filosofia que se inscrevem os núcleos de inovação multitask, uma administração em rede e circular inserida num ecossistema digital colaborativo de base territorial.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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