Livro conta como o Bairro da Meia Praia (e não só) se fez com SAAL

Coleção “Cidade Participada: Arquitetura e Democracia” dedica volume ao Algarve

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

No Algarve, foram mais de 20 operações e um milhar de famílias que saíram das barracas, sem as condições básicas de habitabilidade, para casas de alvenaria, com uma arquitetura pensada pelos melhores arquitetos portugueses, à data. A forte marca que o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL) deixou na região, entre 1974 e 1976, é o tema de mais um livro da coleção “Cidade Participada: Arquitetura e Democracia”, que foi apresentado no dia 21 de Outubro, em Olhão.

Um dos mais famosos processos SAAL foi o da construção do Bairro da Meia Praia, em Lagos, imortalizado por Zeca Afonso na sua música “Índios da Meia Praia” e por António Cunha Telles num documentário com o mesmo nome.

Ambos falam de uma operação SAAL, em que a brigada deste programa estatal de construção habitacional criado por despacho no pós-25 de Abril, se juntou à população para construir casas, neste caso, à beira-mar.

«Este é o quarto volume de uma coleção através da qual se pretende desenvolver a investigação e aprofundar o conhecimento que existe em relação ao projeto SAAL, que tem motivado muito interesse em diferentes círculos e que constitui uma referência por diferentes razões, no âmbito da história da arquitetura e da importância que tem para a reflexão de como as cidades se têm vindo a transformar», disse ao Sul Informação Miguel Reimão Costa, investigador da Universidade do Algarve que coordenou este volume da coleção, em conjunto com Ana Alves Costa, da Universidade do Porto.

 

Miguel Reimão Costa – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Neste volume, aproveitando o grande conhecimento que há sobre alguns bairros, nomeadamente o da Meia Praia, tentámos fazer uma leitura mais transversal e perceber, a partir da importância desse bairro e de outros, o impacto que o processo teve na região algarvia», acrescentou o investigador.

Além do Bairro da Meia Praia, projetado pelo arquiteto José Veloso, são focadas neste livro as operações do bairro da Associação Progresso, em Silves, da autoria do mesmo arquiteto, do bairro 11 de Março, em Olhão, do arquiteto José Lopes da Costa, e do bairro 1º de Maio, em Tavira, projetado pelo arquiteto João Moitinho.

Como se percebe, o volume dedicado ao Algarve não é exaustivo, no que toca aquilo que foi feito, uma vez que não se debruça sobre o total de operações, «mais de 20, com mais de mil fogos construídos, num processo muito curto».

O que se procurou fazer foi identificar «um conjunto de aspetos particulares do programa na região».

A questão da autoconstrução, «que foi fundamental no Algarve, mas que é menos presente noutras regiões», é uma delas, bem como a tipologia dos próprios bairros, «que apareciam sempre muito perto do centro das cidades, ligados ao direito ao lugar, para além do direito à habitação».

Afinal, o livro “Cidade Participada: Arquitetura e Democracia — Algarve. Operações SAAL”, como quarto volume da coleção, não se foca apenas em esmiuçar o que foi o processo no Algarve. Também procura analisá-lo à luz do que foi um movimento nacional.

«Esta coleção tenta encontrar diferentes contributos para caraterização deste projeto, seja pelos investigadores, pelas academias, seja pelos depoimentos daqueles que foram os seus participantes – os arquitetos, os técnicos, os beneficiários», descreve Miguel Reimão Costa.

Por outro lado, os autores da coleção quiseram «juntar alguns textos que foram fundamentais para o processo, na altura, e que estão um bocado perdidos».

Desta forma, o volume dedicado ao Algarve conta com textos não só de Miguel Reimão Costa e Ana Alves Costa, mas também de Alexandre Alves Costa, coordenador da coleção, António da Cunha Telles, José Batista Alves, Vítor Ribeiro e Paulo Varela Gomes, bem como com depoimentos dos participantes no processo: José Veloso, José Maria Lopes da Costa, Manuel Dias e João Luís Correia.

 

O arquiteto José Lopes da Costa marcou presença na sessão – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

O SAAL foi instituído por despacho conjunto do então ministro da Administração Interna Costa Brás, e do secretário de estado da Habitação e do Urbanismo Nuno Portas, em 31 de Julho de 1974.

«O alojamento era um problema gravíssimo em Portugal, em 1974. Logo após o 25 de Abril, as carências deviam rondar os 400 mil fogos em todo o país», revelou ao Sul Informação Alexandre Alves Costa, à margem da sessão de apresentação em Olhão.

O arquiteto, que coordena a coleção “Cidade Participada: Arquitetura e Democracia”, foi um dos quadros do SAAL e um dos seus obreiros.

«Foi completamente diferente de região para região. A nossa ideia, desde sempre, era que cada região definisse a sua metodologia. Não havia nenhuma ordenação que fosse comum a todas as operações. E isso dá uma riqueza enorme ao processo, porque aquilo que se passou no Porto e o que se passou no Algarve não tem nada a ver», exemplificou.

«Essa diferença foi sempre considerada por nós como uma qualidade do projeto e do processo. Afinal, Portugal tem realidades tão distintas…», acrescentou.

O que Alexandre Alves Costa também não esquece são «as dificuldades» que teve ao longo do processo, que vão «ficar retratadas nos diferentes volumes».

«Basta contar a história do atentado que houve no Porto aos nossos serviços e ao meu automóvel», recordou.

«As dificuldades foram enormes e as próprias Câmaras Municipais funcionaram sempre como uma espécie de entrave, até porque o SAAL apareceu, um pouco, como uma alternativa aos municípios. Sentiram que estávamos a entrar em território que até então era deles, como aprovar projetos e a implantação de bairros em terrenos livres», acrescentou.

 

Alexandre e Ana Alves Costa – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Talvez por isso, o programa acabou suspenso e o serviço foi esvaziado de poderes, cerca de dois anos depois de ser criado, deixando muitas operações pelo caminho ou adiadas, já que algumas (poucas) acabaram por avançar mais tarde, noutros âmbitos.

Este projeto editorial, coordenado pelo professor Alexandre Alves Costa, resultou da parceria entre o Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto e a editora Tinta da China.

O volume dedicado ao Algarve teve o apoio da Direção Regional de Cultura do Algarve, da Câmara Municipal de Olhão, da Câmara Municipal de Silves, do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo da FAUP e do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património, contando com textos de Alexandre Alves Costa, Ana Alves Costa, António da Cunha Telles, José Batista Alves, Miguel Reimão Costa, Vítor Ribeiro e Paulo Varela Gomes e com depoimentos dos participantes no processo José Veloso, José Maria Lopes da Costa, Manuel Dias e João Luís Correia.

 

Fotos: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

 



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