A crise demográfica associada à instituição família é, em face das outras três crises que a secundam (a económica, a ecológica e a da justiça), a mais difícil de abordar e aquela que mais consequências desencadeia a médio prazo no contexto da vida organizacional.
Como se diz em teoria organizacional, as instituições tradicionais que suportam a vida empresarial são a igreja, o exército e a família. Os valores fundamentais, quer em termos finais, como a confiança, quer instrumentais, como a colaboração (na definição de M. Rokeach em “The Nature of Human Values”), fizeram a prosperidade das empresas ocidentais. Esses valores tradicionais, por sua vez, formaram-se, desde sempre, no seio da solidariedade familiar.
Um exemplo retirado da diáspora portuguesa em França poderá ajudar-nos nesta reflexão. O milhão de emigrantes saídos do meio rural (atrasado?) converteu-se na comunidade luso-descendente com mais de três milhões de cidadãos, globalmente mais próspera do que a própria comunidade de origem.
Os valores da sociedade rural portuguesa (confiança no outro e colaboração no trabalho) eram, afinal, uma fonte de prosperidade (Th. Philippon em “Le Capitalisme d’héritiers”). O facto lança por terra a ideia do país subdesenvolvido por ser rural e analfabeto.
No espaço de uma geração, com outro enquadramento organizacional e gestionário, o mesmo povo pulou para o desenvolvimento. Sublinhe-se que o mesmo se passara, anos antes, com o Japão a apoiar o seu desenvolvimento em três valores tradicionais: o trabalho colaborativo dos campos do arroz, a liderança samurai de aprendizagem da autodefesa e o culto dos antepassados comuns.
O que tem acontecido, entretanto, no campo dos valores nos últimos 25 anos, em Portugal e no Ocidente em geral?
A Europa tem sido questionada sobre este quadro de valores, por uma “agenda política” cujo expoente converge no denominado “wokismo”, um movimento que se propõe construir um mundo relativista em substituição do mundo universalista, no que respeita aos valores, com a família na linha de mira.
Uma comparação entre a Europa e a África: nos anos em causa, uma estagna e a outra mais do que triplica a sua população (como previra A. Sauvy em “L’Europe Submergée” – 1987).
Substituímos os valores fundadores do afeto colaborativo pela agenda da supremacia do “aborto e da eutanásia”. Convenhamos que esta “pode” não ser a melhor via de defesa da sociedade e da empresa, ocidentais. O autor considerava que era necessário cuidar da natalidade europeia (do emprego jovem, nomeadamente) e do investimento produtivo em África. Governos, empresas e academias concentraram-se noutros quadros de referência valorativos, não fazendo nem uma coisa nem a outra.
Será necessário fazer um desenho para se compreender que a Europa será “submersa” pela imigração?
Autor: Albino Lopes é diretor dos cursos de licenciatura e mestrado em Gestão de Recursos Humanos do ISMAT
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