O galho que entra pela marquise

Veja-se a perda de identidade com a incorporação de verdadeiros palmeirais nas cidades, tornando a paisagem da cidade portuguesa numa qualquer avenida marginal sul americana

A procura da melhor qualidade de vida reside em cada um de nós. Para uns, resume-se à vida no campo, sem pressas, sem trânsito desenfreado ou aquele ritmo frenético da cidade. Para outros, é exatamente aquele ambiente citadino, da pressa para chegar ao trabalho, das sirenes das ambulâncias ou do aspeto imponente de um qualquer centro comercial, que se traduz em qualidade de vida.

No entanto, em ambos os casos, a Natureza e o contacto com esta assumem um papel preponderante na busca da qualidade de vida e da estabilidade mental.

Vamos focar-nos no ambiente citadino.

Nas cidades, uma das formas de conseguirmos essa aproximação com a natureza é através dos espaços verdes que nos são oferecidos pelos municípios. Pois é exatamente nesses mesmos espaços que se foca este texto de opinião.

Será que o habitante citadino está preparado para viver em harmonia com os espaços verdes ou simplesmente esqueceu-se do bem-estar que a natureza lhe pode dar, mesmo que seja através de um mero canteiro de flores ou um pequeno relvado?

Aquilo que se observa muitas vezes é que as pessoas já não estão interessadas em saber se têm espaços verdes de qualidade ou não. Pouco lhes interessa realmente o que têm, desde que estejam confortáveis.

Um forte exemplo disto é o arvoredo urbano, amado por muitos e odiado por tantos outros. Amado por aqueles que veem as árvores frondosas nos alinhamentos de rua ou nos parques onde a sua sombra é muito apreciada, e odiado por aqueles que assistem à invasão da sua singela marquise com um qualquer galho desgovernado, sujando tudo por onde passa.

Na época de podas, é comum ouvir a expressão: “não pode podar essa árvore junto ao chão? É que suja tudo e estraga-me as paredes. E então a humidade que eu tenho dentro de casa por causa dessa menina?”.

Ou seja, a qualidade de vida que uma árvore nos pode dar (sobretudo como ser vivo que transforma dióxido de carbono em oxigénio, essencial à vida humana) é muito menos importante que o pequeno desconforto que nos pode provocar.

 

 

A confortabilidade de cada um parece ser a bitola da qualidade dos espaços verdes citadinos, estando muitas vezes os municípios focados na reclamação na rede social e pouco focados naquilo que realmente interessa, a qualidade dos espaços verdes e o consequente aumento da qualidade de vida dos cidadãos da sua cidade.

Os espaços exteriores, sejam eles ajardinados ou não, são palco de incremento da qualidade de vida de um determinado local. Urge a definição de estratégias para estes espaços, às quais devem ser adicionadas maiores e melhores linhas de investimento na criação e, sobretudo, na manutenção desses espaços.

Falando um pouco da estratégia, é preciso, em primeira instância, desmistificar o espaço verde urbano, ou seja, é preciso deixar de olhar para estes espaços como o jardim privado que cada vez mais se assemelha a um espaço artificial e sem identidade.

Nos espaços urbanos, é de extrema importância que haja contributo para a identidade de um determinado local. Veja-se a perda de identidade com a incorporação de verdadeiros palmeirais nas cidades, tornando a paisagem da cidade portuguesa numa qualquer avenida marginal sul americana.

Um espaço verde urbano é suposto dar-nos as sensações que temos no campo e que não conseguimos ter na cidade, é suposto ser um espaço natural no meio urbano, é suposto ser parte integrante da estrutura verde da cidade.

Em Portugal e, sobretudo no Algarve, temos a tendência de querer o arbusto aparado em bolinhas, a relva toda cortadinha e sem ervas daninhas, os canteiros todos sachados a toda a hora e imagine-se…isto não é nada do que é suposto um espaço verde urbano ser.

Em suma, a definição de uma estratégia, que deverá passar, em primeiro lugar, pela criação de manuais de boas práticas de intervenção nos espaços verdes públicos e também a execução dos regulamentos municipais de espaços verdes (já existem alguns) e, em segundo lugar, pela aplicabilidade desses dois instrumentos, são os dois passos a dar na conquista da qualidade dos espaços verdes de uma cidade e no desenvolvimento de uma empatia perdida entre os moradores citadinos e os seus espaços verdes.

 

Autor: Tiago Águas é arquiteto paisagista e formador certificado pelo IEFP

 

 

 



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