Plano de Recuperação e Resiliência: para onde vai o Algarve

Apostando no binómio recuperação económica/sustentabilidade, com efeitos práticos na economia do Algarve, poderá atingir-se vários objetivos simultaneamente e um impacto económico mais elevado

Com vista a mitigar os impactos económicos e sociais negativos da pandemia nas economias europeias, foi criado, pela União Europeia (UE), um instrumento denominado Next Generation EU, o maior pacote de estímulos lançado na Europa, que totalizará mais de 750 mil milhões de Euros, a preços de 2018.

Os objetivos deste programa serão impulsionar a economia no curto-prazo, para que se retome um nível de atividade próximo do verificado antes de pandemia e melhorar a produtividade e potencial de crescimento no médio e longo-prazo.

O programa de aplicação em Portugal destes fundos toma o nome de Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), terá um período de execução até 2026, aproximadamente 16,6 mil milhões de Euros de financiamento (84% não reembolsável) e pretende promover a recuperação económica do país, através da criação de (i) uma economia mais verde, (ii) digital e (iii) resiliente a crises futuras.

É neste contexto que deve ser pensada qual a estratégia de execução do PRR no Algarve, porventura a região do país fustigada mais fortemente pela recente crise.

Existem já alguns projetos delineados, como a dessalinização de água e reabilitação de redes de abastecimento, integradas no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, a que serão alocados 200 milhões de Euros; recuperação de património cultural, casos da Fortaleza de Sagres ou Ruínas de Milreu, entre outros, com dotação de 1,2 milhões de Euros (apenas 0,8% do total nacional) e, no plano rodoviário, a execução da variante a Olhão.

Na minha visão, esta oportunidade única e recursos disponíveis não podem ser desperdiçados, é imperativo apostar nos seguintes vetores, que considero prementes:

>>recursos hídricos: numa região com cada vez menos água disponível e com necessidades crescentes desse recurso, devem ser reforçadas medidas que permitam a utilização da água residual tratada; otimizar a capacidade de armazenamento das barragens; melhoria de redes de distribuição degradadas; dessalinização, importante como medida complementar. Implementando medidas como estas, poder-se-á gerir de forma mais eficiente este recurso cada vez mais escasso.

>>energias renováveis: neste âmbito, o PRR incidirá maioritariamente no hidrogénio e gases renováveis. No entanto, o Algarve apresenta condições particularmente favoráveis para apostar em energias renováveis como a eólica, hídrica e solar, que não estarão previstas no plano.
Esta solução permitiria ter uma economia mais “verde” e diversificada, acelerar a descarbonização, reduzir o consumo de energias fósseis e a importação de energia.

>>mobilidade sustentável: uma das lacunas crónicas da região é a inexistência de uma rede de transportes públicos funcional e eficiente.
Deveria apostar-se na revitalização da ferrovia, através da melhoria das infraestruturas, renovação de equipamentos e maior frequência de horários.
Conectando este tema com o combate às alterações climáticas e uma “economia verde”, poderia dotar-se as principais cidades e ligação entre si de transporte público (rodo e ferroviário), mais ecológico, que permitiria a redução da utilização de automóvel particular (muitas vezes utilizado com apenas 1 passageiro), que é praticamente uma imposição na região e que onera financeiramente os seus habitantes e impõe custos ambientais.
Estas externalidades negativas poderiam ser atenuadas com a melhoria e modernização de transportes públicos, mais eficientes no consumo de energia e na emissão de gases poluentes.

>>formação profissional: tendo o Algarve uma economia sazonal e fortemente dependente do turismo, acentuado pela atual situação pandémica, é necessário aumentar a resiliência no emprego, com foco nas “qualificações e competências”.
Estas devem ser mais ajustadas às necessidades da economia regional, mas também permitir que os trabalhadores adquiram competências que lhes permitam trabalhar em atividades económicas diversas, refletidas na oferta da formação profissional.

>>economia do mar: a denominada “economia azul” é de extrema importância na região. Aparentemente, nenhuma medida concreta neste âmbito está prevista no PRR para o Algarve.
A gestão integrada dos recursos naturais do mar, contemplando a sua exploração mas também a sua preservação, poderia gerar uma dinâmica interessante entre sustentabilidade e rendibilidade, nomeadamente com a indústria piscatória, conserveira, mariscadora e turística.
Poderia apostar-se na eficiência energética das embarcações de pesca e unidades fabris, reforço da formação das pessoas nesta área (construção naval, pescadores), revitalização da atividade piscatória e reforço da investigação, apenas para referir alguns exemplos.

As várias áreas que refiro como preponderantes, se conectadas entre si e adotadas holisticamente, podem contribuir não só para a recuperação económica a curto-prazo da região, mas também para a sua melhoria no longo-prazo, seja económica, ambiental ou socialmente.

Apostando no binómio recuperação económica/sustentabilidade, com efeitos práticos na economia do Algarve, poderá atingir-se vários objetivos simultaneamente e um impacto económico mais elevado.

Utilizando fatores produtivos regionais ou nacionais, esse impacto será ainda superior, através de um efeito multiplicador na região/país, que irá gerar aumento de rendimento, emprego, salários, impostos, entre outros.

 

Autor: Hugo S. Gonçalves é licenciado em Economia e mestre em Economia do Turismo e Desenvolvimento Regional, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
Co-autor de artigos sobre impactos económicos do turismo, publicados nas revistas científicas Tourism Management e Tourism Economics.
Membro efetivo da Ordem dos Economistas, do colégio de especialidade de Economia Política.
Desenvolve a sua atividade profissional na banca há mais de uma década, em diversas áreas, nos últimos anos com particular incidência no risco de liquidez.

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 



Comentários

pub