Comunidades locais inteligentes e economias de proximidade

As economias de proximidade serão um novo lugar central e, na sua essência, um investimento em mais e melhor humanidade, em mais e melhor vizinhança, tirando partido das tecnologias disponíveis

Sociedade em rede, economia do conhecimento, plataformas digitais colaborativas, comunidades locais inteligentes, economias de proximidade, inovação e criatividade em novas cadeias de valor e respetiva articulação territorial, eis uma tarefa que está, doravante, ao nosso alcance.

Uma das aplicações desta sequência tem a ver com as comunidades locais inteligentes e as economias de proximidade respetivas.

Há, atualmente, muitas entradas para introduzir as comunidades locais inteligentes (CLI). Uma dessas entradas, porventura a mais importante nesta fase, diz respeito à economia circular. Para que tal aconteça é imprescindível reunir algumas condições ou características básicas da inteligência disponível e potencial.

Vejamos, esquematicamente, algumas dessas características:

– As CLI são comunidades 4C: as CLI são comunidades 4C, de conhecimento, colaborativas, circulares e criativas.

– As CLI são comunidades de risco linear e oportunidade circular: as CLI são comunidades que visam reduzir os fluxos de entrada lineares no ciclo de vida dos seus produtos de referência e aproveitar a oportunidade para reintroduzir resíduos recuperados e reciclados no processo produtivo.

– As CLI são comunidades regenerativas 5R: as CLI são comunidades 5R, de redução, reciclagem, reparação, reinvenção e reutilização de recursos e resíduos.

– As CLI são comunidades de acesso e serviço em vez de posse e propriedade: as CLI são comunidades que progressivamente substituem a posse de um bem pelo acesso ao serviço que esse bem proporciona; esta desmaterialização poupa recursos e aumenta a circularidade.

– As CLI são comunidades com um ciclo de vida mais longo: as CLI são comunidades de ciclo fechado, contra a obsolescência programada, e pela recuperação e reintrodução de recursos e materiais.

– As CLI são comunidades que ligam a cidade e o campo: as CLI são comunidades que ligam a cidade e o campo através de infraestruturas biofísicas e ecológicas, redes de corredores verdes, reabilitação de habitats e ecossistemas e prestação de serviços de ecossistema.

– As CLI são comunidades mais desmaterializadas e distribuídas: as CLI são comunidades mais digitalizadas e distribuídas, com mais fluxo e menos stock populacional, mas com mais soluções à distância através da articulação imaginativa entre comunidades online e offline.

– As CLI são comunidades que internalizam as externalidades: as CLI são comunidades que avaliam os impactos dos seus efeitos externos, fazendo a mitigação dos efeitos negativos e promovendo a convergência e aproveitamento dos efeitos positivos.

– As CLI são comunidades de base territorial e cooperativa: as CLI são comunidades que, nas suas ações coletivas, privilegiam as operações integradas de base local e territorial onde a cooperação entre os agentes e o papel do ator-rede são determinantes.

– As CLI são comunidades de circularidade, certificação e reputação: as CLI são comunidades onde as imagens de marca dizem respeito e valorizam a circularidade, a certificação de processos e procedimentos e a reputação das suas boas práticas.

Comunidades Locais Inteligentes e economias de proximidade

As comunidades locais estão, assim, obrigadas a fazer prova de inteligência se quiserem ser atores diretos do seu próprio processo de desenvolvimento. Uma dessas experiências criativas mais fecundas diz respeito à formação de plataformas multilocais made in genericamente englobadas na designação de economias de proximidade.

Os exemplos que se seguem ilustram melhor o que acabo de dizer:

– Plataforma para o condomínio de aldeias
– Plataforma para o alojamento local e rural
– Plataforma para os alimentos biológicos e respetivos circuitos
– Plataforma para a produção e gestão do institutional food
– Plataforma para a economia circular e a gestão de resíduos
– Plataforma para os cuidados ambulatórios e serviços de proximidade
– Plataforma para a produção local de energia
– Plataforma para os mercados de ocasião
– Plataforma de cohousing para a comunidade sénior
– Plataforma de emprego e formação profissional
– Plataforma de defesa e proteção do cidadão deficiente
– Plataforma de promoção de comunidades terapêuticas
– Plataforma de defesa e promoção do património natural e cultural
– Plataforma de mobilidade partilhada
– Plataforma de comunidades educativas para jovens
– Plataforma de produção de conteúdos e comunicação
– Plataforma de organização do trabalho voluntário
– Plataforma de terras agrícolas, cooperação e extensão agro rural
– Plataforma de pequenas reparações, ofícios tradicionais e artesanato

Como facilmente se reconhecerá, as economias de proximidade vão muito para lá do conceito de economia circular. Este conceito não é novo, está muito associado à área da ecologia industrial e ciclo de vida dos produtos. Um desafio imenso que envolve tecnologia, inovação e imaginação para novos modelos de negócio.

Passar de uma economia linear para uma economia circular implica que os resíduos produzidos pelas atividades económicas sejam nulos e que sejamos suficientemente criativos para identificar modelos de negócio rentáveis e verdadeiramente circulares.

Assim, esta transição para a economia circular envolve grandes mudanças e implica a capacidade de pensar no design dos produtos de forma ecológica e a possibilidade de promover novas simbioses industriais, a necessidade de identificar novos negócios associados ao aluguer e reparação de equipamentos em vez da sua compra, o conhecimento de novos modelos de negócios a nível financeiro, para que seja possível aos investidores investirem e emprestarem capitais a estas atividades com stocks e rentabilidades diferentes daquelas que usualmente se consideram como bons negócios e, sobretudo, um sistema de incentivos que induza os agentes económicos a passarem da economia linear para a circular.

Mas o essencial das economias de proximidade está por descobrir, praticar e implementar, a começar pela informação pertinente em cada uma das plataformas mencionadas, depois o desenho da metaplataforma multilocal (centro de dados) que faz girar todo aquele universo interativo e, por fim, as economias de rede e aglomeração que articulam todas as áreas e atividades referidas.

Por outro lado, a organização do trabalho está em mudança acelerada e a deslocar-se a passo rápido para jusante em direção aquilo que será o setor quaternário, de emprego e trabalho mais intermitente, mas, por isso mesmo, muito mais interativo, intenso e colaborativo. É justamente aqui que estão localizadas e serão mais úteis as plataformas multilocais made in.

Notas Finais

São diversos os desafios que as empresas enfrentam na transição para a economia circular e criativa, nomeadamente, a adoção de novas tecnologias, novas soluções de design, novos materiais e reformulação das cadeias de valor e novos modelos de negócio mais assentes no acesso e usufruto e menos na posse.

A urgência da transição nunca foi tão evidente. Os modelos de negócio lineares podem ser rentáveis a curto prazo, mas, com o passar do tempo, expõem as empresas a riscos de mercado, operacionais, regulatórios e de negócio crescentes.

Através de modelos de negócio circulares e criativos, as empresas podem acelerar o seu crescimento, melhorar a sua competitividade e mitigar os diversos tipos de riscos. É por isso que este é um dos principais desafios da década 2020-2030 e do Pacto Ecológico Europeu.

Mas este é, também, o tempo de imaginar e reinventar a sociedade solidária e colaborativa num triângulo virtuoso que juntará a economia dos bens públicos, a economia dos bens privados e a economia dos bens comuns.

Neste contexto, as economias de proximidade serão um novo lugar central e, na sua essência, um investimento em mais e melhor humanidade, em mais e melhor vizinhança, tirando partido das tecnologias disponíveis.

Esta lista de plataformas multilocais made in é, em si mesma, muito eloquente, pois revela-nos a complexidade da tarefa que temos pela frente, desde logo uma alteração substancial dos valores que nos inspiram e orientam, depois uma alteração da equação que nos liga ao território e à tecnologia, finalmente, a grande transformação em direção à sociedade colaborativa e a economia dos bens comuns.

É uma grande tarefa, mas é a única que vale a pena empreender.

 

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 



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