Aldeia da Cortelha (Loulé) vive tradições natalícias com presépio e Madeiro de Natal

Presépio pode ser visitado no largo da Associação dos Amigos da Cortelha até ao Dia de Reis

Foto: Rúben Bento | Sul Informação

À beira da mítica Estrada Nacional 2, molhada pela chuva que não para de cair, um burro e o seu dono indicam a direção a seguir. É a cortiça que lhes dá forma, bem como às tradicionais figuras do Presépio da Cortelha, mas foram as gentes da aldeia que puseram mãos à obra na construção desta que é já uma atração da região.

O dia chuvoso que se faz sentir na Serra do Caldeirão não convida a visitas ao presépio, nem de quem passa pela estrada, nem dos que poderiam vir de propósito, ainda para mais com a noite a cair e com uma neblina fria a formar-se, neste dia marcado pelo solstício de Inverno.

Construído essencialmente com cortiça, madeira, canas, musgo e pedras de ribeira, este presépio, situado no largo da Associação dos Amigos da Cortelha, uma pequena aldeia serrana de Loulé com pouco mais de uma centena de habitantes, é «uma verdadeira obra de arte». Quem o diz é Rui Marcos, presidente da associação, em entrevista ao Sul Informação, realçando que «a construção deste presépio é um orgulho para a nossa população».

Depois de «quatro semanas de trabalho árduo a recolher todos os materiais necessários», cerca de duas dezenas habitantes da aldeia, desde miúdos até «alguns idosos de cajado na mão», puseram mãos à obra. Nesta representação do nascimento de Jesus, é a cortiça que tem «um papel fundamental», pois é a «nossa principal fonte de riqueza».

A ideia surgiu em 2004, através de um desafio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve para «construir um presépio utilizando matérias-primas da região. Acabámos por vencer o primeiro lugar e, daí para a frente, tem sido feito todos os anos».

«Uns moldam a cortiça e emprestam as ferramentas, outros empenham a sua força muscular. Uns têm maior aptidão para os arranjos florais, outros para a construção das figuras. Sabemos em que parte do presépio é que cada um é melhor e, assim, ao fazerem esses trabalhos específicos, estamos juntos. É isso que interessa», realça Rui Marcos, enquanto conserta os danos causados pela chuva.

 

Presépio da Cortelha – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

No Presépio da Cortelha, não faltam as tradicionais figuras, como o Menino Jesus na manjedoura, Maria e José, o Anjo, o burro e a vaca.

Já os três Reis Magos, que ainda vão a caminho da cabana, não levam as conhecidas oferendas (ouro, incenso e mirra), mas sim produtos locais e regionais, como aguardente, medronhos, figos, amêndoas, pão, azeite, laranjas, limões e abóboras. «Colocamos aqui o que de melhor se faz na aldeia e na região», explica Rui Marcos.

O presépio poderá ser visitado até ao Dia de Reis, 6 de Janeiro, no largo da Associação dos Amigos da Cortelha, no concelho de Loulé.

E se esta é uma tradição que a Associação tenta preservar, realizando-a anualmente, o Madeiro de Natal, que é aceso no dia 24 de Dezembro, começou a ser feito há três anos, «com inspirações nos tradicionais madeiros que são realizados pelo país», mas que «já se tornou também numa tradição da nossa aldeia».

Antes de ser aceso, o Madeiro de Natal «dá bastante trabalho» a Carlos Costa, membro da associação. Junto com alguns habitantes da aldeia, durante um ou dois dias, «arranjamos e recolhemos umas boas toneladas de lenha para depois queimar tudo em duas semanas». Nos últimos anos, «temos queimado cerca de 20 toneladas de lenha», mas, para manter a tradição e passá-la às gerações vindouras, «compensa ter este trabalho todo».

Esta fogueira comunitária, que costuma ficar acesa até ao Dia de Reis, «tem um importante simbolismo para os habitantes da aldeia, pois acaba por se tornar num local de convívio. É interessante ver que, as pessoas que ficavam aconchegadas nas suas casas, saem à rua, vêm até ao madeiro e aqui acabam por passar um bom momento».

Enquanto o madeiro está aceso, os habitantes da Cortelha costumam, entre conversas, «assar umas chouriças, fazer umas torradas sobre o carvão, beber uns copinhos de vinho e de aguardente».

«Mas este é também um sítio no qual nos reunimos depois do jantar da noite da Consoada e da Passagem de Ano. Um traz o acordeão, outro canta e isto torna-se uma animação», conta Carlos Costa.

 

Burro e o seu dono, feitos em cortiça, à beira da mítica Estrada Nacional 2 – Foto: Rúben Bento | Sul Informação

 

A construção do presépio e a visita ao Madeiro são já duas tradições enraizadas nos habitantes da Cortelha. Para Rui Marcos, o Natal nesta aldeia «é vivido de uma forma especial».

«Na serra algarvia, o bacalhau é o centro das atenções, pois, antigamente, apenas era comido na época natalícia. Não havia dinheiro para comprar esse tipo de peixe noutras alturas do ano», conta.

«Esta época é também de matanças de porco e, por isso, costuma sempre existir à mesa muita carne nova, chouriças e torresmos, característicos da serra na ceia de Natal. Depois, fazemos as tradicionais “filhós” lêvedas, feitas da massa do pão, que ficam fofinhas e são comidas ainda quentes».

Com o «interior a ficar cada vez mais desértico», Rui Marcos garante que «o trabalho que fazemos para manter vivas estas tradições é deveras importante, pois, se não as dermos a conhecer aos mais jovens, vão acabar por desaparecer».

O presidente da associação deixa ainda o convite para que «venham todos ver o nosso presépio e visitar a aldeia da Cortelha».

 

Fotos: Rúben Bento | Sul Informação

 

 



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