Se os hoteleiros pagassem «salários dignos» não faltaria mão de obra, dizem os sindicatos

Federação dos Sindicatos, Associação da Hotelaria de Portugal e o próprio ministro da Economia têm visões diferentes sobre o problema

Manifestação dos sindicatos à porta do congresso – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Afinal, há falta de trabalhadores na hotelaria e no turismo? Ou os salários e as condições de trabalho oferecidas são tão baixas que o setor não consegue atrair mão de obra? Tudo indica que a resposta a estas questões tem um pouco de ambas.

«Direitos conquistados não podem ser roubados!» e «Temos solução: aumento dos salários» foram algumas das palavras de ordem gritadas esta manhã por cerca de meia centena de trabalhadores hoteleiros, que se manifestaram à porta do hotel Nau Palace Salgados, em Albufeira, onde decorre, até amanhã, o Congresso Nacional da Hotelaria e Turismo.

Raúl Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), que organiza o congresso, disse ontem, na conferência de imprensa inicial, que um estudo feito pela AHP, sobre a escassez de mão de obra no setor, aponta para a falta de 15 mil trabalhadores nos hotéis. A situação é de tal forma que os hoteleiros portugueses estão mesmo a ponderar importar mão de obra de países da CPLP, como o Brasil. Isso mesmo foi reafirmado esta manhã, durante o painel «O Turismo tem Futuro», por Jorge Rebelo de Almeida, presidente do Grupo Vila Galé.

 

Raul Martins, presidente da AHP – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Os sindicatos do setor, porém, acusam os hoteleiros de agirem «na ganância do lucro», já que, «em lugar de pagarem salários dignos e respeitarem os direitos dos trabalhadores [portugueses ou que já estão em Portugal], vão buscá-los ao estrangeiro para poderem manobrar e continuar a explorá-los».

A acusação foi feita esta manhã por Francisco Figueiredo, dirigente da FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, durante o protesto à porta do Congresso da AHP.

Em declarações aos jornalistas, o dirigente da FESAHT garantiu que a falta de mão de obra na hotelaria se deve ao facto de «os salários praticados serem muito baixos». Citando dados oficiais, Francisco Figueiredo disse que «80% dos trabalhadores dos hotéis e demais estabelecimentos de alojamento recebem apenas o salário mínimo nacional e trabalham ao fim de semana, aos feriados».

Por isso, sublinhou, se não há mão de obra é porque «muitos dos trabalhadores que agora faltam arranjaram outras alternativas de emprego melhores».

O que os empresários hoteleiros devem fazer, defendeu o sindicalista, é «aliciar os trabalhadores, oferecendo-lhes condições de trabalho dignas e melhores salários e isso é o que não está a acontecer!»

 

Francisco Figueiredo, dirigente da FESAHT – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

O Governo, a julgar pelas palavras do ministro da Economia, até dá uma certa razão aos sindicatos. No entanto, Pedro Siza Vieira considera que «o problema maior com que o país se vai defrontar nos próximos anos não vai ser o nível do emprego ou dos salários. Vai ser, pelo contrário, saber como é que podemos assegurar que temos as pessoas disponíveis, não apenas no setor do turismo, mas também no industrial, das tecnologias da informação e da comunicação, onde tanta e tanta gente é necessária para responder a uma economia que está a crescer e a transformar-se». Para o governante, «é um bom problema para se ter».

Mas e não são necessários salários mais dignos?, quiseram saber os jornalistas. «Não tenho dúvidas», respondeu o ministro. «Por isso mesmo é que o Governo avançou com a chamada “Agenda para o Trabalho Digno”, no sentido de ajudar a combater a precariedade laboral, ajudar a que as pessoas possam ter mais estabilidade no emprego. Sabemos que emprego mais estável permite às pessoas serem mais bem formadas, mais experientes na sua profissão, terem mais capacidade de fazer projetos de vida e de família, e terem a capacidade de ter maior valor acrescentado para as suas empresas».

Só que, lamentou Siza Vieira, «a “Agenda para o Trabalho Digno” é uma proposta de lei que caduca, com a queda da Assembleia da República».

O responsável pela pasta da Economia sublinhou que «hoje, aqui, vamos estar a discutir, como temos estado a discutir na concertação social, a necessidade de encontrar novas formas de regular o trabalho, que permitam às pessoas ter vontade de encontrar no nosso país a possibilidade de realizarem os seus projetos de vida. Essa é uma matéria que tem de nos convocar a todos».

E o que pensa o ministro da importação de mão de obra, apontada pelos hoteleiros como solução para a alegada escassez? «Portugal tem menos gente, a Europa é um continente envelhecido, temos de reconhecer que há um conjunto de atividades que vão precisar de mais gente. Se as pessoas não estão na Europa, têm de vir de outro lado», admitiu.

Para permitir a vinda de mão de obra de outros países, recordou, «o Governo preparou um acordo de mobilidade na CPLP, que já foi ratificado por dois países, e que Portugal deverá ratificar em breve».

 

Ministro da Economia Pedro Siza Vieira a falar aos jornalistas – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

No seu protesto à porta do Congresso, os sindicalistas da FESAHT, que inclui o Sindicato dos Trabalhadores da Hotelaria do Algarve, acusaram «as associações patronais», nomeadamente a AHP, mas também a AHRESP, a AIHSA e AHETA, de não quererem «negociar o Contrato Coletivo de Trabalho, mantendo os direitos dos trabalhadores e oferecendo salários dignos».

Francisco Figueiredo, nas suas declarações aos jornalistas, acusou mesmo a AHP de pretender «limpar os direitos dos trabalhadores», uma vez que, «das 164 cláusulas que o Contrato Coletivo de Trabalho tem, a AHP pretende reduzi-las a 22 e acabar com os direitos todos: o trabalho suplementar, o trabalho em dias feriados, o trabalho noturno».

O dirigente sindical denunciou que, no setor, «as condições de trabalho são violentas: nos hotéis, os patrões alteram os horários de trabalho todas as semanas e os trabalhadores não conseguem ter vida familiar, nos restaurantes, prolongam os horários, para 10, 12 e 14 horas diárias, os trabalhadores só têm horas de entrar, não têm horas de sair, e têm salários miseráveis».

A questão é que, na opinião da FESAHT, «o que os patrões querem é importar mão de obra para continuarem a pagar salários miseráveis».

Respondendo às acusações, a AHP emitiu um comunicado em que afirma estar «sempre disponível para negociar, pelo que é falso que se recuse a fazê-lo, como afirma a FESAHT».

A Associação da Hotelaria de Portugal acrescenta que se está «neste momento a aguardar a marcação da reunião com o mediador do Ministério do Trabalho, onde terão de ser ponderadas se e como poderão prosseguir as negociações».

É que, recorda a AHP, entre esta associação patronal e a FESAHT «existe um Contrato Coletivo de Trabalho desde 1983, sendo a última revisão de 2008».

«Foi dado início à revisão desse contrato em 2012, no entanto, ao fim de quatro anos de tentativas de aproximação, foi reconhecido que não era possível chegar a consenso e recorreu-se ao mecanismo previsto na lei: mediação na DGERT, entidade do Ministério do Trabalho. Também aí o processo está a correr desde 2016, tendo sido interrompido durante estes últimos quase dois anos, em razão da pandemia».

A AHP defende que «a celebração de um Contrato Coletivo de Trabalho exige muito mais do que a revisão das tabelas salariais».

Aliás, salienta que «os salários que estão a ser praticados na Hotelaria são já superiores aos fixados nas tabelas dos sindicatos. As condições e termos do exercício da função são igualmente valorizadas pelos trabalhadores e empregadores. É aí que se pretende chegar: equilíbrio e valorização das profissões turísticas».

Apesar da dificuldade em conciliar posições, o ministro da Economia avisou: «a economia está a recuperar bem, está a criar empregos», mas, «se nos queremos projetar como um país de futuro, precisamos que não seja só criar empregos, mas criar melhor emprego para todos, se não as pessoas vão-se embora».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 



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