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Sul Informação - Os “ses” e os “mas” da comunicação

Os “ses” e os “mas” da comunicação

Costumo pensar estas coisas. Dedico-me aos estudo de fenómenos comunicacionais e dou por mim a voltar ao básico, tantas vezes quantas descubro que as pessoas, esses seres por excelência comunicadores, conseguem revelar uma total incompreensão da sua própria natureza.

Imaginem: um grupo de amigos que olha para um conteúdo veiculado por uma rede social qualquer. É alguém que fala em público. Preparou-se, certamente, até porque é uma pessoa com formação superior e tem o hábito do estudo (que não assiste a todos e, se calhar aos membros do grupo que agora imagino, assiste muito pouco).

Fala com uma eloquência baseada em algo muito difícil de conseguir: a empatia. É uma pessoa que possui essa qualidade natural e consegue, no seu discurso (que tem conteúdos muito mais complexos do que aparentam àqueles que estão na primeira fila da crítica mordaz), revelar igualmente sentido de humor.

festival do marisco de olhao

Agarra a plateia, como se costuma dizer. Não precisa de gesticular enfaticamente; não precisa de abusar de chavões, nem de recorrer à manipulação do medo. Fala e revela de forma despretensiosa o que pensa.

Ah, mas o grupo, lá em casa, meus amigos, está ao rubro, como se houvesse um jogo de bola para comentar: “- Fala, fala”, dizem eles, “e não sabe nada do assunto! Porquê as graças e que básico na linguagem”! Ah, comentam: – “Criatura que não fala nada bem e revela, no seu discurso, toda a sua incapacidade”! Riem e já estão na rede social a comentar, eles sim, como imaginam, com enorme eloquência e perfeição, porque são exemplos acabados de virtudes e competência, sobretudo são paradigma dos valores mais cristãos que, quer se queira quer não, modelam as nossas sociedades ocidentais! Exemplares, portanto!

Não vos parece familiar? Eu vejo isto a toda a hora, nos comentários que se produzem em Facebook, Instagram, sites… Como se diria em bom algarvio, “pérolas” de sabedoria e conduta, que só servem, infelizmente, para que se conclua, à boa maneira do senso comum, que o digital é um mau ambiente, onde acontecem coisas nefastas, esquecendo-nos que quem vive no digital somos nós mesmos e nele partilhamos aquilo que quisermos: as virtudes ou os defeitos…

E na verdade, como eu dizia no início, estas atitudes só revelam o pouco, mesmo pouco que sabemos da nossa própria natureza. Comunicar oralmente não é igual a comunicar por escrito; comunicar perante distintos públicos obriga igualmente a mudanças; comunicar é um processo que só se torna eficiente e eficaz quando a relação entre todos os que nele tomam parte são alvo de atenção, seja o emissor (que atualmente assume também o papel de criador de conteúdos, sendo o que se Toffler em tempos classificou como “prosumer”), seja a mensagem, seja quem a escuta, seja o canal usado para comunicar.

Se, em primeira instância, é ao nível da mensagem que os problemas de interpretação e significado são colocados, uma vez que é necessário promover a compreensão, diminuindo os fenómenos que a podem dificultar (o ruído, que pode ser de natureza interna/psicológica, ou simplesmente estar ligado a fenómenos de natureza física) é necessário considerar outros fatores menos objetivos que frequentemente interferem e que são de natureza fisiológica, emocional ou cognitiva. Ou afetiva, porque gostar – ou não gostar! – de quem comunica modela sobremaneira, tantas e tantas vezes, a forma como recebemos e interpretamos mensagens.

E agora o grupinho já está novamente a postos: analisa um texto escrito pela mesma vítima de há pouco e já dizem, perentórios: Não foi escrito por ele/a! Foi alguém que escreveu para ele/a!

Cá vai outro erro básico: entre o que se pensa e o que se diz vai uma grande distância; entre o que se ouve e compreende/memoriza, há igualmente um enorme salto.

Mas, meus amigos, escrever e falar são duas formas distintas de comunicar e, como eu dizia, têm de ser pensadas, estruturadas de forma diferente. Logo, erro básico: eu não tenho de falar da mesma forma que escrevo e, por fazê-lo, não estou a ser menos eu, portanto, menos real. Estou certa de que os eloquentes membros do imaginário grupo me entenderiam na perfeição.

Faço revisão de textos, alguns bastante complexos, como teses, e procuro sempre ver o que Humberto Eco teorizou: o autor-modelo, que escreve para um leitor-modelo, esperando dele a colaboração necessária para efetivamente se tornar participante na obra.

E enquanto revisora é esse o meu papel mais importante: não alterar em nada a comunicação do autor, mas propor-lhe os caminhos semânticos, ortográficos, sintáticos que conduzam a sua mensagem ao estado ideal de eficiência e eficácia. Como qualquer leitor que procura verdadeiramente comunicar.

E o mesmo aplico a outros produtos comunicacionais, difundidos pelos mais diferentes canais. Já o grupinho…

Já o grupinho, esses distintos e tão críticos “leitores comunicadores” imaginários presentes nesta crónica, ignoram os “ses” e os “mas” de toda e qualquer mensagem. Na verdade, embora os seus egos sejam algo maior que o mundo, ignoram os seus próprios “ses” e “mas”, porque não querem ver bem o que os move a tão árduo labor crítico… Enfim, fico-me com uma certeza: quem tem tantas convicções um dia encontra o seu igual e recebe o mesmo tipo de tratamento. E só aí compreende.

Aqui ficam só alguns motivos de reflexão para quem lê.

PS – Como dizia num texto anterior, sei que a partir do momento em que este for publicado já me espera, por certo, uma “atenção esmerada” dos leitores, mas pelo menos desejo que tudo o que queiram comentar venha em bom vernáculo e com um nível de língua cuidado.

 

Autora: Sandra Côrtes Moreira é licenciada em Comunicação Social, pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Comunicação Educacional, pelas Faculdades de Letras e de Ciências Humanas e Sociais das Un. de Lisboa e Algarve e Mestre em La Educación en la Sociedad Multicultural pela Universidad de Huelva. É doutoranda em Educomunicación y Alfabetización Mediática pela Universidad de Huelva.
Técnica Superior de Línguas e Comunicação na Câmara Municipal de Faro, é também Assessora do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve, membro da equipa da Pastoral do Turismo e da ONPT.

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