Tornar-nos-emos mais Resilientes e Digitais?

Qual será o impacto do Plano de Recuperação e Resiliência na Administração Pública?

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) encontra-se em consulta pública no Portal ConsultaLEX até ao dia 1 de março.

O documento pode ser lido aqui e o processo de auscultação dos cidadãos, ao qual agora se procede e que precede o seu envio formal à Comissão Europeia, é bem representativo da importância do mesmo: “Pela sua dimensão e relevância estratégica, pelo seu impacto estrutural e ambição, pelo seu simbolismo enquanto resposta conjunta da União Europeia a uma crise sem precedentes, o PRR deve ser o Plano de todos os Portugueses, dando resposta aos desafios que enfrentamos e que, em conjunto e com determinação, vamos superar”.

É, pois, lançado o repto à participação de cada um de nós, cidadãos, destinatários das 36 Reformas e 77 Investimentos nele previstos, enquadrados em três dimensões estruturantes: a Resiliência, a Transição Climática e a Transição Digital (concretizadas através de 19 Componentes).

O PRR é de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, com recursos que ascendem a cerca de 14 mil M€ de subvenções, um conjunto de reformas e de investimentos que se prevê permitirão ao país retomar o crescimento económico sustentado, reforçando assim o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década.

Pode ler-se na Nota Introdutória:

“No final de 2017, Portugal iniciou a preparação de uma estratégia de médio-longo prazo, consubstanciada na Estratégia Portugal 2030. Em março de 2020, a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 veio tornar inevitável a revisitação dos trabalhos até então concluídos, com a necessidade de introdução de medidas mitigadoras de curto e médio prazo, visando a recuperação e a resiliência da economia e da sociedade. Neste contexto, foi solicitado ao Professor António Costa Silva que promovesse a elaboração de uma “Visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030”, a qual foi objeto de um amplo processo de auscultação pública da sociedade portuguesa, tendo merecido um vasto consenso no que respeita à generalidade das prioridades elencadas”.

“No início de 2021, foi aprovada pelo Governo a Estratégia Portugal 2030 que, tendo beneficiado dos contributos recolhidos, constitui o referencial para a aplicação dos vários instrumentos de política a adotar no futuro próximo, dos quais se destacam o Quadro Financeiro Plurianual (Portugal 2030) e o Next Generation EU, instrumento europeu temporário – onde se inserem os Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) nacionais – concebido para impulsionar a recuperação económica e social, tendo presentes os danos causados pela pandemia COVID-19”.

“Em termos globais, este será o maior pacote de medidas de estímulo alguma vez financiado pelo orçamento da União Europeia, num total de 1,8 biliões de euros, para ajudar a reconstruir a Europa no pós-COVID-19, criando uma Europa mais verde, mais digital e mais resiliente”.

Auspicioso? Muito.

O documento está organizado em quatro grandes capítulos. No primeiro capítulo, é sistematizado o quadro global do Plano de Recuperação e Resiliência e como ele responde às necessidades de reforma estrutural e de recuperação da economia e da sociedade portuguesa; no segundo são identificados os principais objetivos estratégicos e os desafios a que o PRR pretende responder a nível nacional e comunitário; no terceiro é detalhado o que se pretende fazer e os resultados a alcançar em matéria de reformas a empreender e investimentos a concretizar, identificando-se, no quarto capítulo, o modelo de governação e a forma de implementação do Plano.

 

Debruçar-me-ei, em especial, no impacto do PRR na Administração Pública (AP).

No que concerne à dimensão da Transição Digital, não obstante os esforços desenvolvidos, existem constrangimentos a ultrapassar, designadamente quanto às competências digitais e à capacitação para a digitalização.

A pandemia demonstrou a necessidade de se dispor de estruturas e redes digitais eficazes que permitam desmaterializar as aprendizagens, as transações e os processos e, quando adequado, possibilitar o trabalho remoto, acelerando, de forma inclusiva, a transformação digital que estava em curso.

Trata-se de um processo que permitirá importantes ganhos estruturais de eficiência, nomeadamente em termos de custos de contexto para as empresas e pessoas. O potencial da transição digital permitirá preparar e adaptar as competências dos portugueses às novas necessidades enquanto cidadãos, para participação num mercado de trabalho marcado por novos processos produtivos, novos modos de organização empresarial e novos produtos e serviços, decorrentes da crescente digitalização da atividade económica.

Em simultâneo, a melhoria da qualidade das finanças públicas, reforçando a resiliência institucional, e a redução dos custos de contexto, com enfoque na justiça económica e na promoção da simplificação administrativa e legislativa, garantirá uma administração pública mais próxima, mais eficiente e mais transparente para cidadãos e empresas.

Estas ações serão potenciadas, ainda, pela maior capacitação, por via da crescente digitalização e inovação dos seus processos e procedimentos e da sua relação com todos os agentes, incluindo do ensino superior.

O processo de Transição Digital, na sua amplitude, será reforçado pelas outras dimensões do PRR, Resiliência e Transição Climática.

A digitalização é indutora de uma utilização mais eficiente dos recursos e potencialmente promotora de comportamentos mais sustentáveis. Ao promover uma economia mais competitiva, potenciando a evolução da produção nacional nas cadeias de valor globais, e mais inclusiva, onde todos tenham lugar e ninguém seja deixado para trás, a digitalização promove o reforço contínuo da resiliência económica, social e territorial do país, que ganhará competitividade externa enquanto reforça a coesão interna.

Destarte, e para assegurar que Portugal acelera a transição para uma economia e sociedade mais digitalizadas, no âmbito deste Plano, as opções nacionais assentam em 5 componentes: capacitação e inclusão digital das pessoas através da educação, formação em competências digitais e promoção da literacia digital, transformação digital do setor empresarial e digitalização do Estado.

 

Especificamente, no que à Administração Pública concerne, pretende-se:

>>Promover a digitalização da administração pública, reforçando a interoperabilidade e facilitando o acesso aos serviços públicos, de forma particular à Saúde, Segurança Social, às finanças e à justiça, diminuindo de forma significativa os custos de contexto aos cidadão e empresas;

>>Reforçar a qualificação e rejuvenescimento do quadro de recursos humanos da administração pública;

>>Promover o desenvolvimento de sistemas avançados de informação, integrando inteligência artificial e a utilização de formas de computação avançada em instalação e Portugal, estimulando a sua utilização pela administração pública e as empresas.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2020, de 31 de julho veio estabelecer a Estratégia para a Inovação e Modernização do Estado e da Administração Pública 2020-2023 com o objetivo de reforçar a aposta na modernização administrativa para melhor servir os cidadãos e as empresas.

É sobretudo neste documento estratégico que se ancora o pacote de reformas e investimentos que dão corpo à componente 19 | Administração Pública – Digitalização, Interoperabilidade e Cibersegurança, encontrando-se o mesmo estruturado em 4 eixos: a) investir nas pessoas; b) desenvolver a gestão; c) explorar a tecnologia; e d) reforçar a proximidade.

Para levar a cabo esta importante transformação na administração pública, almeja-se implementar as seguintes reformas:

Serviços Públicos digitais, simples, inclusivos e seguros para os cidadãos e para as empresas. Esta reforma pretende estreitar a relação entre o cidadão e o Estado, incluindo no que se refere aos serviços consulares, melhorando a experiência digital, numa lógica omnicanal e uniforme, eliminando discrepâncias na usabilidade e acessibilidade, que se alavanquem no digital, mas garantindo a inclusão de todas as pessoas, simplificando a relação do Estado com empresas e cidadãos nas mais variadas áreas de intervenção do Estado, reduzindo por essa via os custos de contexto.

A reforma preconizada baseia-se nos seguintes pilares, considerados necessários para potenciar o alcance e impacto dos investimentos a ela associados:

a) Promover uma governação coordenada da transformação digital da Administração Pública, explorando o potencial da tecnologia em alinhamento com as necessidades dos serviços e visando sempre servir melhor os cidadãos e empresas;

b) Promover de forma coordenada a adoção de soluções cloud em toda a Administração Pública;

c) Promover uma gestão coordenada de dados da Administração Pública, com segurança e transparência para todas as partes interessadas, e valor para a sociedade em geral;

d) Robustecer o quadro nacional de cibersegurança e reformar o atual modelo de coordenação da cibersegurança e da segurança da informação;

e) Garantir que todos os serviços da Administração Pública executam entre si processos transversais, ou de partilha de infraestrutura, tecnologia ou serviços. Indiretamente, tal deverá ter impactos significativos na melhoria dos serviços à população em geral.

 

Pretende-se, com a Reforma da Administração Pública Conectada, Segura e Inteligente, preparar o Estado para as mudanças que resultam do processo de transformação digital, integrando as soluções decorrentes do progresso tecnológico na estratégia de modernização da administração, proporcionando vantagens económicas e sociais para a sociedade em geral.

Neste contexto da transformação digital, e em linha com o preconizado pelo Plano Nacional de Reformas, serão tidos em conta os desafios associados à computação em nuvem, à área da data science e à cibersegurança.

Ademais, a Administração Pública deve preparar os seus dirigentes e trabalhadores para responder aos exigentes desafios hodiernos, pelo que urge: (i) aumentar o nível de qualificações e de competências dos trabalhadores em funções públicas, com destaque para as competências digitais cada vez mais prementes e (ii) criar condições para adoção de modelos mais ágeis e adaptativos para prestação do trabalho em funções públicas, facilitadores da gestão da vida profissional, familiar e pessoal (e.g. teletrabalho).

Pretende-se, pois, uma Administração Pública capacitada para a Criação de Valor Público pautada pelo desenvolvimento de competências de trabalhadores e dirigentes, preparando-os para o novo paradigma de prestação de serviços públicos digitais, quer seja pelo robustecimento dos organismos com incumbências nesta matéria, quer seja pelo desenvolvimento de ofertas formativas adequadas às necessidades emergentes.

Para realizar esta reformas será implementado um conjunto de investimentos no montante de 812 M€, através de:

Reformulação do atendimento dos serviços públicos, com a criação do Portal Digital Único nacional, o redesenho de serviços digitais mais utilizados e o desenvolvimento da capacidade de atendimento multicanal (198 M€);

Serviços eletrónicos sustentáveis, baseados na interoperabilidade e utilização dos dados para um aumento de transparência e eficiência (102 M€);

Reforço do quadro geral de Segurança cibernética na base da confiança para a adoção dos serviços eletrónicos (47 M€);
Capacitação da Administração Pública – formação de trabalhadores e gestão do futuro (98 M€).

 

 

Este último investimento vai implementar três programas:

Programas de capacitação onde se inclui:

a) Infoexclusão Zero, destinado a trabalhadores públicos em situação de infoexclusão (com potencial complementaridade com o Programa Qualifica AP);

b) AP Digital 4.0, assente em três eixos, em estreita articulação com as instituições de ensino superior: a) Formação em ferramentas de produtividade; b) Formação destinada a técnicos na carreira de informática e/ou que desempenhem funções conexas; c) Formação em tecnologias emergentes e gestão, destinada a dirigentes e trabalhadores da Administração Pública;
c) Formação superior e avançada em gestão e administração, ministrada pelo INA e/ou em consórcio com Instituições de Ensino Superior, destinada preferencialmente a dirigentes.

Programa Qualifica AP – desenvolvimento do Plano de Ação 2021.-2026 para a implementação dos objetivos do Programa Qualifica AP aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2019, de 31 de janeiro de 2019;

Programa de estágios profissionais na Administração Pública que consiste num espaço de desenvolvimento de competências de jovens com formação superior, permitindo um primeiro contacto com o mercado de trabalho, no qual os estagiários e as entidades empregadoras beneficiam mutuamente de uma lógica de transmissão e renovação de conhecimento institucional e intergeracional.

Atentemos que o Plano de Recuperação e Resiliência tem um cariz marcadamente programático. Cumpre, contudo, sinalizar o intuito claro de investimento, a vários níveis, na Administração Pública.

A Administração Pública, debate-se hoje com problemas estruturais complexos, mormente, envelhecimento do seu quadro de trabalhadores e dirigentes, desmotivação e sentimento de desvalorização da importância do serviço público, quase total incapacidade de atração de jovens talentos, fruto de um desinvestimento de anos a fio.

A atual situação pandémica veio evidenciar a relevância incontornável de um setor público robusto. E veio também demonstrar a capacidade de adaptação da AP e o profundo sentido de missão dos trabalhadores em funções públicas num quadro de particular exigência.

Na passada quinta-feira, em Conselho de Ministros, foi aprovado o Decreto-Lei que altera o modelo de ensino e formação da AP, criando o INA como instituto público. Foi igualmente aprovada a resolução que cria o programa extraordinário de estágios na administração direta e indireta “EstágiAP XXI”.

Foi também aprovada a orgânica do Centro de Competências de Planeamento, Políticas e Prospetiva – PlanAPP, passando assim a Administração a contar com o seu 3.º Centro de Competências a acrescer ao JurisAPP – Centro de Competências Jurídicas do Estado e ao TicAPP. São passos demonstrativos de uma caminhada com um bom rumo: Formar e Capacitar, Rejuvenescer, Especializar.

A nível da região, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve encetou há poucas semanas, com grande sucesso, o seu Programa (co-financiado) de Formação e Capacitação de Trabalhadores em Funções Públicas, desenvolvendo um estreito trabalho colaborativo e em rede com os demais serviços desconcentrados, municípios algarvios e restantes CCDR.

Foi igualmente criada, no contexto organizacional da CCDRAlgarve, a Estrutura Transversal de Boa Governança e Transparência.

O que é que estas boas práticas têm que ver com o PRR? São demonstrativas de visão estratégica por parte de quem assumiu, no final do ano passado, após eleição, as rédeas do desafiante e exigente compromisso de levar a bom porto, a nível regional, o cumprimento da missão e atribuições de um serviço público tão relevante como é a CCDR.

Mas estas boas práticas são também a evidência de que a Administração Pública faz mais e melhor, de forma mais eficiente, mais eficaz, mais transparente, com melhor qualidade.

E a materialização no terreno do Plano de Recuperação e Resiliência no âmbito da Administração Pública vai exigir dirigentes e trabalhadores em funções públicas alinhados com estes desígnios, pessoas, que já se percebeu, estão apostadas em dar o seu melhor contributo para construir o Futuro.

 

Autora: Inês Morais Pereira é jurista e trabalhadora em Funções Públicas

 

 

 

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