O desafio da diversificação e reinvenção da economia do Algarve

Urge diversificar a estrutura económica do Algarve para outros setores, para os quais a região reúne condições particularmente favoráveis

Em janeiro de 2020, ainda em situação de pré-pandemia no nosso país, escrevi neste jornal sobre “o desafio da diversificação da oferta e a reinvenção do turismo no Algarve”. Uma temática subjacente, embora mais agregadora e pertinente, é o desafio da diversificação da atividade económica do Algarve.

A região especializou-se há décadas no turismo e a grande maioria das atividades da região passaram a gravitar à sua volta, como a hotelaria e restauração, serviços e construção, criando consequentemente uma dependência no emprego.

O atual contexto veio acentuar a extrema dependência e concentração da atividade económica algarvia (e, nos últimos anos, portuguesa) neste setor, que se sabia ser particularmente exposto a choques externos. Com vista à recuperação da economia da região e à geração de resiliência económica, urge diversificar a sua estrutura económica para outros setores, para os quais a região reúne condições particularmente favoráveis.

O Algarve tem matéria-prima e produtos de excelência, os quais se podem destacar e afirmar nos mercados globais pela sua qualidade e diferenciação e não pela quantidade, visto a região e o país apresentarem um “problema” (que é, neste caso, um benefício) de falta de escala, devendo oferecer produtos com estas características e que gerem valor acrescentado.

Existem variadas atividades que podem cumprir este desígnio, mas centrar-me-ei essencialmente em duas, num regresso ao setor primário, uma espécie de back to basics: agricultura e pesca.

A agricultura, que foi posta de parte na estrutura económica da região há décadas, reúne condições para voltar a estar em destaque e contribuir para a diversificação da atividade económica e aumento do bem-estar e riqueza na região.

O Algarve tem na amêndoa, figo ou alfarroba (pomar tradicional de sequeiro) ou laranja, batata-doce ou figo fresco (cultura de regadio) potencialidades ao nível da qualidade superior dos produtos. Esta qualidade e reconhecimento dos produtos algarvios são já evidentes no azeite, tendo recebido um vasto número de prémios internacionais.

Outro setor a realçar é o vinícola, que teve, no passado, alguma importância na região (nos Descobrimentos as naus levavam vinho do Algarve) e que foi “desaparecendo” nas últimas largas décadas devido às pressões urbanística e turística.

Desde a década de 90 até hoje, a área total de vinha diminuiu para metade (passou de 1% para 0,7% do total do país) e, na última década, o volume de produção total diminuiu em 40% (representa apenas 0,2% do país, a par apenas dos Açores).

Contudo, a realidade parece estar a mudar: o recebimento de prémios internacionais tem atestado a qualidade, a modernização de infraestruturas e processos e a construção de novas adegas revelam investimento bem como a maior aceitação e reconhecimento do produto no mercado.

A região tem todas as características para o sucesso desta atividade: solos adequados, muitas horas de sol anuais, calor, baixa utilização de água face a outros produtos, proximidade atlântica e até uma casta autóctone e só existente no Algarve, a Negra Mole.

As atividades de pesca e marisqueio têm uma relação intrínseca com a cultura do Algarve, tal como a indústria conserveira. O Algarve tem grande variedade de peixe e marisco, aliada a uma excecional qualidade, considerado por muitos como “o melhor do mundo”.

Alguns exemplos são o atum-rabilho, espécie muito valorizada nos mercados orientais, principalmente no Japão, onde atinge preços elevados, existindo já armações para a sua captura ao largo da costa de Olhão e Tavira; polvo, que é vendido maioritariamente para Espanha, mas que tem no Japão potencial para a sua venda ainda vivo; sardinha capturada na costa algarvia e que, para além do consumo local e nacional, é vendida para mercados como os Estados Unidos, ou bivalves oriundos da Ria Formosa, como a ostra, amêijoa e berbigão, que, para além de fornecerem a região e o país, são exportados para França e Espanha.

A estratégia para a comercialização destes produtos nos mercados externos, favorecendo as exportações e a balança comercial do país, poderá passar pela sua maior divulgação, incremento de valor acrescentado e diferenciação.

A título de exemplo, exportar para os países nórdicos ou Reino Unido a “laranja doce e sumarenta do Algarve” e chocolate de alfarroba ou conservas gourmet de peixe da costa do Algarve para o Japão, transformando e rentabilizando os produtos através de atividades do setor secundário.

A exploração destas atividades são uma das alternativas à diversificação da estrutura económica da região, contudo sem descurar o binómio rentabilidade/sustentabilidade, promovendo a defesa das culturas e espécies, não praticando atividades demasiado intensivas e respeitando as épocas de defeso.

 

Autor: Hugo S. Gonçalves é licenciado em Economia e mestre em Economia do Turismo e Desenvolvimento Regional, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.
Co-autor de artigos sobre impactos económicos do turismo, publicados nas revistas científicas Tourism Management e Tourism Economics.
Membro efetivo da Ordem dos Economistas, do colégio de especialidade de Economia Política.
Desenvolve a sua atividade profissional na banca há mais de uma década, em diversas áreas, nos últimos anos com particular incidência no risco de liquidez.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

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