Marcelo: «Andei uma vida inteira à espera deste momento, para agradecer a João de Deus»

Foram lançados dois livros

Marcelo Rebelo de Sousa e Rosa Palma – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Andei uma vida inteira à espera deste momento, para agradecer a João de Deus o que mudou em mim há quase 70 anos. Com ele, comecei a aprender a amar mais Portugal, quando ainda não sabia bem o que era Portugal, e duvido que entenderia melhor o que transformaria a minha vida saber ler e escrever em Português. Mas transformou a minha vida. A minha e a de milhões de portugueses. Obrigado João de Deus!».

Foi assim que o Presidente da República terminou, esta segunda-feira, a sua alocução no Encerramento das Comemorações dos 190 Anos do Nascimento de João de Deus, que decorreu em São Bartolomeu de Messines, terra natal do pedagogo e poeta.

As primeiras palavras de Marcelo Rebelo de Sousa até foram para a investigadora algarvia Maria João Raminhos Duarte, que, dali a pouco, haveria de apresentar a sua mais recente obra, o livro «João de Deus Imortal e Intemporal».

O chefe de Estado dirigiu uma palavra «para a sua obra e para o seu talento na investigação, na escrita, na preocupação com o leitor, na identificação afetiva com o grande homenageado de hoje».

O Presidente haveria ainda de elogiar a sua anfitriã Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, salientando o seu trabalho em defesa do concelho.

 

Marcelo Rebelo de Sousa e Rosa Palma – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Considerando que «não há futuro que possa prescindir das vivência do presente e das lições do passado», Marcelo Rebelo de Sousa salientou a «riquíssima e inesperada vida de João de Deus, tão bem celebrada na sua terra».

É que, sublinhou, quando João de Deus «chega à Cartilha Maternal, levava consigo uma experiência riquíssima de vida. Não arrancou com a Cartilha Maternal, chegou à Cartilha Maternal. E só foi possível esse seu trabalho, único, singular, por causa da sua vida. Não tivesse ele tido essa vida de conhecimento de pessoas, de experiências, de conhecimento dos mais simples, aos quais era preciso explicar de forma simples, não teria sido o grande formador de inúmeras e consecutivas gerações».

Pontuando o seu discurso com improvisos e mesmo algum humor, o Presidente Marcelo recordou que João de Deus «desmentiu duas teses muito comuns – a de que ninguém é profeta na sua terra e de que ninguém,entre nós, é homenageado em vida, só após a morte». Com o homenageado da noite «sucedeu exatamente o oposto», ele «foi a exceção».

Em parte, frisou, isso deve-se «à sua notável família, à sua notável linhagem», «uma família devotada, que, geração atrás de geração, tem dado permanente sopro ao homem e à obra».

O seu prestígio depois da morte, «deve-o a milhares e milhares de crianças que povoaram e povoam os Jardins-Escola João de Deus, deve-o a milhões de crianças que aprenderam pela sua Cartilha Maternal, nas quais me conto, deve-o a milhões de pais e de avós que, acompanharam essas crianças, e deve-o a milhares e milhares de professores que foram também eles guias nessa descoberta». «Cada um deles acabou por ser um apóstolo de João de Deus – os pais, os avós e naturalmente os alunos».

Mas, sobretudo, o prestígio de João de Deus «deve-o ele a si próprio: à inspiração única de romper com o que tinha sido o formato educativo do castigo, de dar letra de forma a um método que, mais que um método, era uma síntese de uma vida feita roteiro para ler, escrever e chegar a uma língua e amá-la».

«O que ele nos deixou foi um roteiro. Para quê? Para aprender a ler, para aprender a escrever, para aprender a chegar a uma língua, o Português, e para aprender a amar o Português». «Foi, à sua maneira, um gesto de amor, tão original como era a sua pessoa e a sua vida», disse ainda o Presidente da República.

 

Maria João Raminhos Duarte – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Maria João Raminhos Duarte, na apresentação do livro «João de Deus Imortal e Intemporal» (que tem prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa e capa a cargo do pintor Mário Rita), começou por frisar: «não é uma biografia».

A autora, que considerou a sua investigação como «uma maratona», salientou que, além de ser «uma pessoa única», João de Deus era um «homem de fronteira, um quase marginal de tudo o que se passava à sua volta – na Religião, é crente e profundamente cristão, e, simultaneamente, crítico e extremamente anti clerical; na Política, afasta-se da monarquia, apesar da adoração que tinha pelo rei D. Pedro V, porque a considera injusta e caminha para o socialismo e republicanismo, sem nunca enfileirar nas hostes desses partidos; na Literatura é precursor de escolas inovadoras, mas nunca pertenceu a nenhuma».

A investigadora defendeu que «João de Deus é mais do que um artista polémico, é um sábio e o seu legado para a cultura portuguesa é incontestável».

E para o Algarve?, interrogou. Para o Algarve, o legado define «a alma de uma região meridional e de um povo isolado durante séculos do corpus nacional».

E os algarvios, desde a primeira hora, «viram em João de Deus a personificação da sua alma algarvia. Para os algarvios, João de Deus atingiu uma dimensão espiritual e, para eles, João de Deus não pode ser meramente estudado, tem de ser verdadeiramente sentido».

A concluir a sua apresentação da obra, uma edição da Câmara Municipal de Silves, com a chancela das Edições Colibri, Maria João Raminhos Duarte dedicou o seu novo livro à Humanidade. «Pelos tempos inimagináveis que nos assolam, dediquei este trabalho à Humanidade – porque João de Deus não mereceria menos -, à Humanidade, desprevenida e sitiada, com o desejo de que a Covid-19 nos ensine de vez a apreciar devidamente a vida tal como o poeta fez dela o seu melhor poema. Porque, para ele, a virtude, a bondade, a compaixão eram os caminhos da formação. Talvez por isso Teófilo Braga elevou João de Deus à figura de pacificador da alma portuguesa. E é disso que Portugal precisa!». «Tenhamos nós, nestes tempos difíceis, a sua capacidade de sermos pacificadores das almas».

Mas a investigadora fez também questão de agradecer a iniciativa à autarca Rosa Palma, salientando que «esta obra viu a luz do dia pela vontade da senhora presidente, que é uma messinense de alma e coração».

 

Rosa Palma – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Ao contrário do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Rosa Palma não estudou pela cartilha de João de Deus, como ela própria assume no prefácio do livro. Mas «partilho as inquietações que marcaram a vida» do poeta e pedagogo, acrescenta. «A preocupação com as pessoas, com a sua formação, com o desenvolvimento e a evolução de cada um. Consciente da importância da educação e capacitação de todos, como a chave para a construção de uma sociedade onde todos possam ser cidadãos plenos e interventivos», escreve ainda a presidente da Câmara.

A sessão de encerramento das comemorações dos 190 anos do nascimento daquela figura maior do concelho de Silves contaram ainda com a apresentação do livro infantil «Fábulas de João de Deus», revelando uma outra faceta do artista, a de «fabulista iluminado», como o considerou Maria João Duarte.

O livro, de capa dura, é ilustrado por Marta Jacinto, uma ainda jovem arquiteta que se dedicou também às artes plásticas, nomeadamente à ilustração. E o resultado desse seu trabalho dá maior destaque às histórias para crianças saídas da imaginação de João de Deus.

A ilustradora, também originária do concelho de Silves, não pôde estar presente, pelo que o seu livro foi apresentado por Paulo Lourenço, que classificou as suas imagens como «magníficas», sublinhando que «ajudam os mais novos a entrar no mundo da fábula».

As comemorações encerraram ao fim da noite de ontem, dia 14, com o concerto ao ar livre «Se eu fosse uma nuvem – João de Deus revisitado», na Praça Al-Mutamid, em Silves, com os «Lisbon Poetry Orchestra» e o ator André Gago.

Quanto ao Presidente da República, que respondeu a perguntas dos jornalistas à entrada e à saída da sessão no auditório Vargas Mogo, ainda teve tempo para tirar as habituais selfies com quem esperou por ele pacientemente à porta e para entrar num cafézinho ali ao lado, o Tropic, para beber, ao balcão, uma mini, que, como sempre, pagou do seu bolso.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

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