Pacto Europeu, transição ecológica e paisagem global

O professor António Covas parte de John Lennon para a sua reflexão

Agora que temos um Pacto Europeu para a transição ecológica e climática e um programa que denominámos de “Resiliência e Recuperação”, devo sublinhar que a proposta do Governo é, no seu enunciado, pelo menos, (mobilidade, descarbonização, bio resíduos, floresta, eficiência energética) mais de transição climática (o objetivo descarbonização 2030) do que de transição ecológica e paisagística.

Por isso, permitam-me os leitores que busque inspiração nas palavras e na música de John Lennon “Imagine” e faça uma breve reflexão sobre a transição ecológica e paisagística.

Imagine-se uma sociedade onde a atividade humana foi concebida e organizada numa perspetiva socio-ecológica em que o papel da paisagem e dos ecossistemas é determinante para ordenar o território e reconfigurar as relações cidade-campo.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada à constituição de uma reserva estratégica alimentar, promovendo, por essa via, o renascimento de múltiplas formas de agricultura, em íntima associação com estratégias agroflorestais bem conduzidas, no quadro de sistemas produtivos locais mais inovadores e de maior valor acrescentado.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada à floresta de fins múltiplos, através de uma oferta de bens e serviços diversificada que vai desde o sequestro de carbono até à biomassa energética com passagem obrigatória pela prestação dos serviços de ecossistema que são essenciais à qualidade de vida de todos os seres vivos.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada às políticas do mar e dos recursos marinhos, numa estratégia de fins múltiplos e num continuum natural que vai da serra aos fundos oceânicos.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada à construção de uma base energética renovável com a formação de núcleos integrados e descentralizados de produção energética, em redes integradas e descentralizadas de microgeração e em que o consumidor se torna, também, produtor de energia.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada à formação de uma malha policêntrica de cidades pequenas e médias que ajudem a reequilibrar o território, regiões-cidades perfeitamente integradas na paisagem e nos ecossistemas envolventes.

Imagine-se uma sociedade que atribui prioridade política elevada à reinvenção do ambiente urbano onde a arquitetura paisagística e a engenharia biofísica podem ajudar a restaurar o metabolismo vital da cidade, a renaturalizar a circulação de alguns dos seus elementos essenciais à vida, a imaginar jardins multifuncionais decorativos, aromáticos e biodepuradores, por meio dos quais se aprende a respeitar os ciclos da natureza, numa atmosfera de conforto, beleza e saúde espiritual.

Imagine-se uma sociedade que atribui uma prioridade política elevada aos valores do ordenamento do território e urbanismo, onde os equipamentos coletivos pesados e com maior impacto físico não sejam os atores principais do desenho urbano mas onde, seguindo uma estratégia que visa combater a monotonia dos subúrbios e a monofuncionalidade dos espaços, se procede à conversão progressiva de uma cidade artificialmente zonada e compactada numa cidade que respeita a morfologia dos elementos naturais e os valores cénicos da paisagem humanizada.

Imagine-se uma sociedade onde as áreas de paisagem protegida não são santuários ou manifestações corporativas de escola, mas, antes, espaços integrados de produção, conservação e recreação.

Imagine-se, finalmente, uma sociedade onde toda a atividade humana está concebida e organizada para promover uma economia de baixa entropia ou intensidade carbónica, assente num baixo consumo de capital natural, de matéria e energia, e no uso intensivo de trabalho e conhecimento, construindo, com base numa economia da prosperidade, uma nova ecologia humana.

Nota Final

Imagine-se, finalmente, uma sociedade constituída por regiões-cidade e redes de cidades pequenas e médias que fazem dos seus programas de sustentabilidade (mobilidade, ambiente, educação e saúde pública) e equilíbrio paisagístico a sua principal razão de ser.

A importância da paisagem e dos ecossistemas na qualidade de vida dos cidadãos e, neste quadro, o restabelecimento de mosaicos paisagísticos e habitats fragmentados por via de novas infraestruturas e corredores verdes.

A adoção de uma política local de redução, reciclagem e reutilização de resíduos e de programas de poupança e eficiência energética que são a forma de energia mais barata disponível.

A recuperação de linhas de água impermeabilizadas e de solos agrícolas urbanizados e a restauração de bosquetes maltratados. O reenquadramento paisagístico da edificação dispersa assim como dos logradouros inóspitos e da agricultura urbana existente.

Por último, uma abordagem inovadora ao espaço de articulação e mobilidade periurbano que pode gerar uma nova estrutura de oportunidades, em particular, na forma com se programam os equipamentos coletivos, os espaços verdes e os corredores ecológicos e suas ligações com as explorações agrícolas, os sistemas agroflorestais e as amenidades rurais que servem o turismo na sua área de influência. O objetivo SAL (sistema agroalimentar local) pode ser o pretexto que faltava para tal desiderato.

Imagine que tudo isto era possível no quadro do programa de recuperação e resiliência até 2026 e que a profusão de medidas avulsas de todos estes programas era gerida por estruturas de missão e administrações dedicadas no âmbito das nossas regiões, comunidades intermunicipais e redes de vilas e cidades. Espero bem que a imaginação de John Lennon tenha inspirado e guiado a nossa inteligência criativa.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 

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