ZPEs da Rede Natura 2000 não estão a travar declínio de habitats na Península Ibérica

ZPE perderam mais de 35 mil hectares devido à substituição de habitat crítico por culturas como o olival intensivo ou a vinha

Abetarda (Otis tarda), uma ave que habita nas estepes agrícolas da zona do Campo Branco, em Castro Verde

Um novo estudo revela que as Zonas de Proteção Especial da Rede Natura 2000 em áreas agrícolas da Península Ibérica perderam mais de 35 mil hectares devido à substituição de habitat crítico por culturas como o olival intensivo ou a vinha. Os habitats em declínio são essenciais para diversas espécies de aves selvagens, colocando assim em risco a sua conservação.

Na Europa, muitas espécies habitam em paisagens transformadas pelo Homem e coexistem com humanos há milénios. As estepes agrícolas são um exemplo de ecossistema em que a atividade humana – em particular, a agricultura tradicional de baixa intensidade – coexiste com a conservação da natureza, abrigando populações importantes de espécies ameaçadas como a abetarda (Otis tarda), o sisão (Tetrax tetrax) ou o francelho (Falco naumanni).

Vários desses locais foram designados como Zonas de Proteção Especial (ZPE) para conservação de aves, passando assim a fazer parte da Rede Natura 2000, a maior rede internacional de áreas protegidas do mundo. É o que se passa, por exemplo, na zona do Campo Branco, em Castro Verde.

Uma equipa de investigadores das Universidades de Lisboa, do Porto e de East Anglia (Reino Unido) avaliou a eficácia da Rede Natura 2000 em conservar as estepes agrícolas por um período de dez anos, comparando imagens de satélite de 2004 e 2015 em 21 Zonas de Proteção Especial – quatro em Portugal e 17 em Espanha – e em áreas adjacentes.

Os resultados, agora publicados na revista Biological Conservation, sugerem que as ZPEs estudadas perderam um total de cerca de 35 mil hectares de estepes agrícolas ao longo dos últimos dez anos, por conversão da utilização destes terrenos, normalmente utilizados para cultivo de cereais de sequeiro e pastagens extensivas, para outras culturas agrícolas de maior intensidade, como olivais ou vinhas e culturas de irrigação intensiva.

Estas novas culturas, para além de apresentarem uma estrutura de vegetação totalmente diferente da utilizada por aves estepárias, estão normalmente associadas à utilização de inseticidas e herbicidas, prejudiciais para muitas das plantas e insetos dos quais estas aves se alimentam.

Os mais de 35 mil hectares de estepes perdidos poderiam albergar mais de 500 abetardas, de acordo com os investigadores.

 

Sisão (Tetrax tetrax), uma ave que habita nas estepes agrícolas e que tem registado um declínio acentuado em Portugal e Espanha nos últimos anos – Foto: João Gameiro

 

“A Rede Natura 2000 é uma componente fundamental da estratégia de conservação da biodiversidade da Europa e é essencial para a conservação de diversas espécies e habitats ameaçados. De facto, os nossos resultados indicam que a perda de estepe agrícola é 45% menor dentro da Rede Natura 2000 que em áreas estepárias não-protegidas adjacentes”, explica João Gameiro, primeiro autor do estudo, investigador de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).

“No entanto, é importante perceber por que ocorreram tão importantes perdas de habitat mesmo dentro das áreas protegidas. Estas perdas vão comprometer os resultados positivos dos anteriores esforços de conservação e, tendo em conta a atual taxa de conversão de habitat, as estepes agrícolas podem ser reduzidas a 50% da sua área atual durante este século”, acrescenta.

“Além disso, grandes conversões fora das áreas protegidas poderão tornar estas áreas protegidas em ilhas estepárias. Isto vai reduzir a conectividade entre elas, afetando a viabilidade e capacidade de dispersão das populações, especialmente relevante face às alterações climáticas“, diz ainda João Gameiro.

Os investigadores sugerem que a fraca aplicação da legislação associada às áreas protegidas, os incentivos insuficientes para garantir a cooperação dos agricultores, e medidas de conservação de habitat pensadas apenas a curto-prazo, podem afetar o sucesso da Rede Natura 2000 na proteção de outros habitats importantes em toda a Europa.

“Embora o restauro ecológico se tenha tornado uma prioridade na Europa, ainda estamos a perder habitats prioritários para a conservação. Os nossos resultados destacam insuficiências cruciais que precisam de ser abordadas para alcançar todo o potencial da Rede Natura 2000, interromper a perda de biodiversidade e cumprir os objetivos de uma nova estrutura global de biodiversidade que será definida em breve pela Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. É fundamental investir na conciliação da agricultura com a conservação da biodiversidade”, refere Jorge Palmeirim, investigador do cE3c, em Ciências ULisboa, e co-autor do estudo.

 

Referência do artigo:

Gameiro J., Silva J.P., Franco A., Palmeirim J., Effectiveness of the European Natura 2000 network at protecting Western Europe’s agro-steppes (2020), Biological Conservation. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2020.108681

 

Autor: Gabinete de Comunicação – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 



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