Contributo para o futuro do Mercado de Silves

Quem são os Silvenses e como olham para a sua cidade?

Alçado Sul do Mercado de Silves, projeto do arquiteto Jorge de Oliveira, em 1950

Em meados de Março de 2019, quando o município de Silves anunciou a requalificação do mercado municipal, obra do arquiteto Jorge Ribeiro de Oliveira (1907-1989), resultado de um longo processo de transformação na frente urbana da cidade entre 1944-1969, houve indignação entre alguns membros da comunidade local relativamente à mudança de cor do edifício (do branco original para amarelo).

Desde então, muitas têm sido as vozes que pedem ao projetista (Ciratecna) que recue na alteração da cor.

O edifício representa uma das mais importantes empreitadas publicas no Algarve, durante um período em que Junta de Província (JPA) tentou consolidar uma identidade arquitetónica específica da região, de acordo com o historiador e arquiteto Ricardo Agarez.

Jorge de Oliveira, autor de de 89 projetos para equipamentos públicos na região entre 1943-1957, incluindo restauros de igrejas e escolas, foi ainda o primeiro arquiteto “de Câmara Municipal” no Algarve, nos municípios de Faro, Olhão, Portimão, e Vila Real de Santo António, e autor do primeiro regulamento de edificação urbana (Faro,1943).

Segundo Agarez, o arquiteto Oliveira manteve, ao longo da sua obra, uma obediência extrema por aquilo que designava como “os mais sérios princípios da Arquitetura”, em especial a ideia de que a imagem de um edifício deve manter “uma expressão apropriada à sua função”.

Em torno deste princípio, muitas têm sido as vozes preocupadas com a cor, mas também com a requalificação integral dos espaços interiores e exteriores do mercado.

Sem intenção de julgar a qualidade arquitetónica do projeto de requalificação ou a competência dos novos usos propostos pelo município, serve o presente artigo para chamar a atenção de todos para o impacto da reorganização de esplanadas e acessibilidade na frente do Rio, e para a introdução de mezanino na zona poente e sul do edifício.

Esta última alteração implica a introdução de guardas em vidro no remate superior da fachada virada ao Rio e a instalação de um elevador em caixa de vidro com estrutura exposta, de modo a proporcionar uma vista panorâmica sobre a frente ribeirinha entre o nível da rua e o mezanino.

 

A fachada de vidro do Lidl, ao lado do Mercado Municipal, na atualidade

 

O conjunto destes elementos e a cobertura parcial da nave do mercado em vidro podem ampliar o impacto da fachada em vidro do Supermercado Lidl. Esta última, obra inaugurada em 2018, foi alvo de escrutínio quanto à competência do projeto de arquitetura em preservar a identidade do edificado pré-existente na frente urbana da Silves, incluindo o próprio mercado municipal.

Por impacto, entenda-se o visual e em especial as transformação na imagem da cidade, aquando da chegada a sul pela variante EN124-1 ou por barco.

E é em torno destas questões que me ocorre perguntar quem são os Silvenses e como olham para a sua cidade? Que identidade, representação e interesse público procuramos nos mercados municipais hoje, em cidades e vilas como Silves ou S.Bartolomeu Messines?

No interior, estas são localidades com manifesta dificuldade em competir no domínio da oferta turística, em diversificar uma economia de sobrevivência e em atrair os mais jovens e oferecer qualidade de vida aos mais velhos.

O investimento público em curso, no âmbito da rede regional de mercados locais, com o apoio do fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional, para requalificação dos mercados de Silves e Messines, juntamente com a requalificação do Jardim do Largo da República, em curso, a conservação e restauro da Ponte Velha, recentemente classificada de monumento de interesse público, e a requalificação do “centro histórico de S. B. de Messines”, representam o conjunto de obra pública com maior impacto nas duas localidades dos últimos anos.

Ambas as localidades poderão não ter mais oportunidades de mudança na grande escala no futuro próximo. É do interesse de todos que a importância e significado deste momento passe por um processo informado, diverso e rico.

Apenas com concursos de conceção de arquitetura e arquitetura paisagista podemos questionar e abordar as diferentes alternativas de projeto, levantando antecipadamente questões de programa, enquadramento e orçamento, seguindo o exemplo do que o município fez com o recente Concurso Público de Conceção e Implementação da estratégia Museológica e Museográfica do Centro Interpretativo do Lince Ibérico.

 

 

 

 

Autor: Ricardo Camacho é arquiteto

 

 



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