Economia pós Covid-19: serão as coronabonds a solução?

Na velha Europa, uma das suas principais vítimas da Covid-19 poderá ser a própria União Europeia

A pandemia Covid-19 ameaça alterar profundamente a forma como vivemos. Na velha Europa, uma das suas principais vítimas poderá ser a própria União Europeia. De facto, para um problema novo – e arrepiantemente desafiante – a União Europeia responde da forma habitual: lentamente e muito atabalhoada.

Foquemo-nos então na questão económica. A Covid-19 deu origem àquilo a que os economistas designam por “choque externo simétrico”, algo que constitui uma completa novidade para o mundo moderno. De facto, nunca antes experienciámos uma situação onde tanto a oferta como a procura globais pararam de forma abrupta e simultânea.

A razão é simples: numa tentativa de responder à ameaça sanitária, a maioria dos países adotou medidas que obrigam os seus cidadãos a ficar em casa.

Tal resulta numa redução imediata da capacidade produtiva dos países, o que faz quebrar a oferta. Ao mesmo tempo, o consumo – que é como quem diz, a procura – cai brutalmente, porque as pessoas passam a estar confinadas à sua casa.

Este fenómeno cria uma espiral recessiva galopante, a qual é muito difícil de parar, já que todos os países estão a enfrentar o mesmo cenário, mais ou menos ao mesmo tempo.

No entanto, se for possível conter o surto de Covid-19 rapidamente e manter a capacidade produtiva mais ou menos intacta, podemos sonhar com uma retoma da atividade económica sem grandes demoras.

É este racional que justifica as medidas de apoio que os diversos governos estão a implementar por estes dias. O problema é que estas custam dinheiro aos cofres do Estado. Muito dinheiro.

(in)Felizmente, apesar do choque pandémico ser simétrico, a resposta dos países que compõem a União Europeia afigura-se como bastante assimétrica.

Porquê? Porque as suas condições de partida são muitíssimo diferentes. O Banco de Portugal revelou recentemente que, em fevereiro de 2020 (i.e., antes do surto de Covid-19), a dívida pública nacional ascendia aos 255,4 mil milhões de euros, valor que representa um aumento de 3,0 mil milhões de euros face ao mês anterior.

Por outro lado, dados da Pordata revelam que, em 2019, o valor do Produto Interno Bruto (PIB) Português terá ascendido a 212,3 mil milhões de euros (medido em paridade de poder de compra com base em 2016).

Dividindo a dívida pública pelo PIB chegamos a 1.2 ou 120%, o que revela que toda a riqueza produzida no país em 2019 não chega para pagar a dívida pública que conhecemos à data de fevereiro de 2020.

A situação já foi pior: em 2014, este rácio ascendia aos 132.9% (do PIB). O problema é que, se olharmos novamente para os dados da Pordata, vamos verificar que, em 2018, a Alemanha apresentava um valor para este mesmo rácio de 61.9%. A Finlândia ia nos 59.2%, a Holanda nos 52.4%, a Suécia nos 38.8% e a Dinamarca nos 33.7%.

Não nos restem, pois, dúvidas de que todos estes países estão em melhores condições do que Portugal para acudir à sua crise interna e de uma forma musculada, como bem demonstram os generosos pacotes de ajuda que já foram anunciados.

Falemos então das coronabonds. Passando ao lado de um conjunto de tecnicalidades relevantes, importa esclarecer que estes são instrumentos de dívida. No entanto, trazem consigo uma novidade: ficariam associadas a todos os países da área do euro.

Tal é muito importante para países super endividados como Portugal, Espanha, Itália e Grécia (e a França). Em particular, as coronabonds reduziriam de forma significativa os nossos juros das emissões de dívida pública, já que, por definição, implicam que a dívida de cada estado membro passe a estar garantida pelos restantes.

Neste cenário, os países mais endividados ganham capacidade para assegurar a estabilização das suas finanças públicas sem sobrecarregar as políticas fiscais nacionais.

Infelizmente, os países menos endividados não têm – à partida – qualquer incentivo para apadrinhar esta solução.

Por outro lado, no longo-prazo, a massificação de instrumentos do estilo das coronabonds são um convite a uma gestão menos criteriosa das finanças públicas. De facto, se um país menos endividado passa a estar responsável por pagar este tipo de obrigações, então terá incentivo para gastar mais internamente, já que os benefícios desta estratégia serão exclusivamente da sua população, enquanto os custos serão socializados por todos os contribuintes da zona euro.

Posto isto, serão as coronabonds uma solução? Numa primeira análise, diria que são melhor do que nada. Caso não exista um mecanismo de mutualização da dívida pública na Zona Euro, para mitigar os problemas que resultam da pandemia Covid-19, Portugal (e Espanha, Itália e quiçá a França) vão ter problemas rapidamente.

Em particular, espera-se que a nossa receita fiscal venha a sofrer reduções violentas em 2020 (e anos seguintes) por conta da paragem forçada da economia.

Ao mesmo tempo, a despesa pública vai ter de aumentar significativamente para acudir aos estragos provocados pela Covid-19.

Resultado: o risco do nosso País vai subir dramaticamente, algo que tem repercussões muito negativas e imediatas na forma como os mercados financeiros olham para nós.

Neste momento a taxa de juro das obrigações portuguesas com maturidade a 10 anos está nos 0.872%. Antes do impacto da pandemia, a mesma andou muitas semanas nos 0.4% (i.e., menos de metade do seu valor atual).

Esta situação acontece mesmo depois do Banco Central Europeu (BCE) ter anunciado um programa de compra de dívida pública de 750 mil milhões de euros e de Bruxelas ter relaxado os limites impostos pelos tratados europeus. Isto depois do Eurogrupo ter decidido sugerir um pacote de 540 mil milhões de euros para acudir à grave crise que se antevê em toda a Europa. Fica, pois, muito claro, o caminho que vamos percorrer se nada de significativo acontecer.

Dito isto, importa perceber que as coronabonds são mais um paliativo do que uma verdadeira solução para os países mais endividados.

De facto, tal como referi, estes são instrumentos de dívida. É certo que é uma dívida melhor (i.e., menos onerosa) do que a que teremos se/quando formos obrigados a ir ao mercado de forma individual.

No entanto, como todas as dívidas, as coronabonds também teriam de ser pagas. Mais tarde ou mais cedo. Com maior ou menor custo. Mas teríamos sempre de as pagar.

Haverá alternativa? A resposta é difícil, pois o arsenal que nos pode ajudar escapa – totalmente – ao nosso controlo. O que se passou recentemente no seio do Eurogrupo ilustra bem este nosso triste fado. Apesar do acordo alcançado, é lamentável a forma como certos países insistem em olhar para o problema, acentuando uma clivagem norte/sul que não faz o mínimo de sentido em face da ameaça que estamos a viver.

Temo, pois, pela resposta em urna dos nossos compatriotas Italianos e Espanhóis, sendo importante recordar que vivem nestes dois países 100 milhões de pessoas, i.e., mais de um quinto da população da União Europeia.

Acresce que o acordo, em si mesmo, não é particularmente interessante. Há algum dinheiro novo, nomeadamente os 240 mil milhões de euros mobilizáveis através do Mecanismo Europeu de Estabilidade, que, no entanto, serve “apenas” para acudir a despesas de saúde (diretas ou indiretas) num máximo de 2% do PIB de cada um dos países (qualquer coisa como 4 mil milhões de euros no caso Português).

O resto já tinha sido anunciado na semana anterior em traços gerais, i.e., o mecanismo de apoio aos subsídios de desemprego e os empréstimos do Banco Europeu de Investimento.

Resta-nos, pois, alguma esperança na promessa que o Eurogrupo deixou no ar, relativamente à criação de um programa mais abrangente e completo, que permita relançar a economia europeia.

Fora isso, há o recurso à monetização dos deficits públicos, o qual implica que o BCE emita moeda de forma a cobrir todos os custos de combater os efeitos da pandemia Covid-19.

Esta solução está totalmente proibida pelos tratados atuais e, em condições normais, jamais deveria de ser equacionada, pois a sua utilização reiterada ditaria o fim da credibilidade do euro.

No entanto, não vivemos tempos normais. Longe disso. Assim, penso que valerá a pena equacionar os termos em que uma solução de último recurso deste estilo poderia ser utilizada, recordando sempre a verdadeira razão pela qual a União Europeia foi inicialmente criada: a manutenção da paz no velho continente.

 

Autor: Luís Coelho é professor de Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e membro da Ordem dos Economistas

 

 




 

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