Não Sei!

O padre Miguel Neto reflete sobre aquilo que se sabe e não se sabe sobre o novo coronavírus

Por vezes sinto que o nosso país é um mundo feito de curiosos sábios, que olham para as estrelas, apontam o polegar com um pouco de cuspo e conforme a direção do vento, dão a sua douta sentença sobre o rumo a seguir. Provavelmente, quando no séc. XV fomos à descoberta de caminhos marítimos que nos levaram ao desconhecido mundo, essa esperteza, assente na muita base científica da época, no entanto escassa para os dias de hoje, levou-nos a ser uma grande nação por dois ou três séculos.

Porém, o mundo mudou e, desde, pelo menos o início, do século passado, a base comprovadamente científica assente no caminho hipótese-tese-antítese-síntese rege todo o conhecimento humano e natural, independentemente de este ter sido criado por Deus ou ser fruto do mero
acaso. Hoje, não há espaço para a dimensão do mistério.

Ora, a meu ver isto traz dois grandes problemas. Primeiramente, a necessidade que todos nós temos de saber sobre tudo. Segundo e consequentemente, a incapacidade que temos em lidar com algo que não conhecemos, mas sabemos que existe e cujo efeito vemos.

Vejamos: no período da anterior crise económica, sensivelmente de 2008 a 2014, senti que subitamente a generalidade da população portuguesa passou a ter um conhecimento profundo sobre o que é o Produto Interno Bruto (PIB), divida pública, despesa pública, fundos de investimento, défice económico, Pagamentos Especiais por Conta (PEC’s) e para que serve e como deve atuar o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeu, o Banco de Portugal, etc., etc…. Tal era a quantidade e a “qualidade” de tantos fazedores de opinião sobre o assunto, que já não ouvíamos o especialista em economia: nós eramos todos especialistas em economia, mesmo que até àquele período tivéssemos estudado teologia, teatro, literatura, engenharia informática, saúde ou qualquer outra ciência teórica ou arte prática.

Foi-se falando, dando palpites, enfim, foi-se vivendo. Até porque a crise económica, a matar alguém, é lentamente e à fome, o que, felizmente, a generalidade da população do nosso país não sabe o que é.

Porém, a crise atual, devido à pandemia Covid-19 é de saúde e de saúde pública, ou seja, é de todos e afeta todos, independentemente do
conhecimento, classe social e conta bancária que cada um possa ter. Ora, isso é mais grave e os palpites podem ser muito perigosos.

No entanto, parece que a generalidade da população portuguesa é especialista em saúde pública. Eu que pensava que havia falta de médicos em Portugal e que era difícil entrar na faculdade de medicina! Parece que não, dada a quantidade de cidadãos que dá opiniões doutas sobre a situação presente e que as espalha pelas redes sociais: são mezinhas de cura, são análises à atuação do governo, são opiniões sobre o que se deve fazer, são certezas que muito me espantam neste tempo de incertezas.

Eu, por mim, sinto-me cada vez mais ignorante e penso que a melhor resposta é mesmo: não sei! Ainda que não saber seja hoje sinal de ignorância e, para muitos, vergonhoso mostrar desconhecimento. Até há quem diga: “-Então o Sr. Padre estudou tanto, lê tanto e não nos sabe ajudar agora?” Desculpe, mas não sei! Para mim o não saber muitas vezes é a melhor resposta e a única possível. A única que nos garante sinceridade e verdade.

Quando o período de incubação do vírus Covid-19 até se manifestar no ser humano? Não sei. Já li de tudo: 5,10,15 dias. Simplesmente, não sei.

Qual o tempo que dura o vírus nas várias superfícies? Não sei. Há quem diga horas, já li longos dias. Eu não sei!

Será que nós vamos poder continuar a ter a mesma vida que tínhamos antes? Poderemos no futuro continuar a viajar, passear e conviver
socialmente? Não sei. E não sei se é bom ou mau voltar a ter a mesma vida que tínhamos antes. Sei que, na minha opinião e pelo que estudei, conviver pela rede, pela net, também é conviver socialmente e, em muitos casos, com mais profundidade.

Será que vamos voltar a ter os mesmo índices de turismo que tínhamos antes de março de 2020? Não sei. E também não sei se o turismo de massas é assim tão bom. E também não sei se ter uma economia essencialmente dependente do turismo é recomendável.

Será que estarmos todos fechados em casa resulta? Não sei. Eu normalmente faço tudo o que o médico me diz para fazer. Se há uma médica que nos entra pela casa adentro a dizer para lavarmos as mãos e estamos em casa, eu só tenho de obedecer. Ainda ela ou a minha mãe se zangam comigo e me obrigam a comer sopa :-). É melhor ficar quieto e fazer o que a doutora diz.

Quanto tempo mais é que este isolamento físico vai durar? Não sei. Não sei se será 15 dias, 1,2, 3 meses ou até 1 ano. Sei que provavelmente vou ter tempo para terminar alguns trabalhos pendurados e de ler alguns livros que estavam à apanhar pó.

Será que agora, todos os anos vamos ter um ataque do Covid-19 nas nossas vidas? Não sei. Mas acredito que alguns estão a pensar: não era mau fazer seis meses em casa e seis meses na rua.

Não sei! Não sei! Não sei tanta coisa. Mas acredito que o mistério faz parte da vida e nós não podemos abarcar todo o mundo criado.

Eu e muitos outros padres, estudamos sobre a relação pericorética da Santíssima Trindade, escrevemos sobre a relação pericorética da
Santíssima Trindade, sabemos explicá-la por palavras simples, mas só sabemos que ela existe pela Fé e só vamos ter a certeza da sua concretização aquando da vida eterna, que nós acreditamos que existe.

Acredito que muitos de vós nunca ouviram falar, nem sabem o que é, nem se interessam pela relação pericorética da Santíssima Trindade. Embora a vida eterna interesse a todos.

Por isso, eu não estudei sobre o Codiv-19, não sei escrever sobre o Covid-19, não sei explicar o Convid-19. Não sei mais nada, a não ser confiar e seguir quem sabe mais do que eu nesta matéria. E pedir Àquele em quem acredito que nos proteja a todos.

 

Autor: O Padre Miguel Neto é diretor do Gabinete de Informação e da Pastoral do Turismo da Diocese do Algarve, bem como pároco de Tavira.

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