Os territórios inteligentes, o movimento start me up

A relação e interação entre tecnologia e território é algo ambivalente

Talvez o leitor não se tenha ainda dado conta, mas está em curso uma revolução mais ou menos silenciosa na forma como as novas tecnologias da informação e comunicação se relacionam e interagem com os territórios.

Os exemplos ilustram bem o que acabo de dizer, os territórios inteligentes e criativos estão a ser “editados” em múltiplos formatos. Senão vejamos:

1) Centros de Investigação, Parques e Polos de Ciência e Tecnologia
2) Cidades inteligentes (Smart cities)
3) Agricultura inteligente (Smart farming)
4) Empreendedorismo em meio rural (smart rural living lab)
5) Laboratórios Colaborativos (CoLab)
6) Espaços de trabalho colaborativo (coworking)
7) Centros de negócios, ninhos de empresas e incubadoras (Start Up)
8) Hubs tecnológicos e criativos e redes de programação cultural
9) Associações de desenvolvimento local (ADL) e grupos de ação local (GAL)
10) Associações nacionais de capital de risco e business angels

A lista é longa, mas, ainda assim, peca por defeito. Este movimento de modernização tecnológica, cultural e artística impulsionado pela revolução digital é um pouco caótico e ninguém está em condições de assegurar como é que ele se irá repartir pelo território e, muito especialmente, pelos territórios mais desfavorecidos.

É certo, as instituições de ensino superior criaram centros de investigação e desenvolvimento por todo o país. As vilas e cidades estão empenhadas em criar territórios inteligentes no que diz respeito à otimização de infraestruturas e equipamentos e já existe uma rede nacional de smart cities, assim como uma seção de cidades inteligentes na Associação Nacional de Municípios.

A agricultura é, seguramente, um dos exemplos mais bem conseguidos em matéria tecnológica com a chamada agricultura de precisão e, muito em breve, sê-lo-á, ainda mais, com a “internet dos objetos” e a inteligência artificial.

O empreendedorismo em meio rural tem feito progressos assinaláveis, de que destaco aqui os smart rural living lab, mas, também, os laboratórios colaborativos ou LabCo, no âmbito de programas financiados pelos fundos europeus e patrocinados pela Fundação de Ciência e Tecnologia e a Agência Nacional de Inovação.

Quero salientar, ainda, as Associações de Desenvolvimento Local (ADL) nascidas com o Programa Leader nos anos noventa do século passado, com um papel fundamental na revitalização do mundo rural e, agora, no âmbito da revolução digital, em busca de um novo fôlego e um novo caminho.

E, finalmente, o movimento com “mais estilo” que poderíamos designar como “movimento start me up” e que inclui os centros de negócio, os ninhos de empresas, os espaços de coworking, as incubadoras/aceleradoras empresariais, os hubs tecnológicos e criativos e, por fim, as associações e federações de business angels e fundos de capital de risco, os grandes patrocinadores e financiadores deste movimento de jovens empresas e empreendedores tecnológicos, digitais e culturais.

 

O movimento start me up

Este movimento rápido e envolvente de criação de novas empresas tecnológicas e digitais leva-nos a chamar a atenção para alguns sinais que são bem reveladores do tempo que passa, sobretudo no plano da inovação socioinstitucional ou na falta dela.

Em primeiro lugar, as disfunções de muitas instituições de ensino superior para esta nova fase da revolução tecnológica e digital a reclamar uma reforma urgente do ensino superior.

Em segundo lugar, as disfunções do tradicional associativismo empresarial, viciado em subsídios europeus e, ele também, a precisar urgentemente de uma reforma radical.

Em terceiro lugar, a administração regional e local que sem uma política ambiciosa de dados abertos pouco poderá contribuir para a redução dos custos de contexto administrativos e a modernização do tecido empresarial.

Em quarto lugar, são notórias as disfunções da banca tradicional para lidar com este movimento da inovação digital empresarial e é muito real o risco de ser ultrapassada pelas sociedades fintech em muitas áreas de negócio.

Em quinto lugar, o movimento recente que tem alimentado a multiplicação de centros de negócio, espaços de coworking e hubs de todo o género oculta, muitas vezes, meros negócios imobiliários e simples gestão de espaços comerciais.

Em sexto lugar, é importante o papel desempenhado pelos business angels e fundos de capital de risco, mas é reduzido e muito seletivo o alcance das suas operações.

Por fim, os jovens investidores que incumbam as suas empresas num qualquer ninho de empresas encontram-se, muitas vezes, numa teia de dependências de tal modo complexa que fica em causa a sua capacidade e resiliência para serem bem-sucedidos e persistirem nas suas ambições. E esta é uma provação real de todos os dias.

Dito isto, a questão seguramente mais crítica é a ausência de um ecossistema empresarial de base territorial, no quadro de uma CIM, por exemplo, que transforme todos estes custos de contexto e efeitos externos num enquadramento favorável e em benefícios de contexto.

Ou, dito de outra forma, que transforme os efeitos difusos e dispersivos destes múltiplos empreendimentos e iniciativas numa economia de rede e aglomeração devidamente monitorizada por um ator-rede acreditado e respetiva curadoria territorial.

Infelizmente, estrutura e sistema são conceitos pouco considerados e praticados, hoje em dia, quando se fala de políticas públicas e dos seus múltiplos efeitos externos. Não há nenhum software específico para absorver ou canalizar os efeitos dispersivos das medidas de política e assim controlar a efetividade da política de coesão territorial.

Quer dizer, tanto os efeitos internos (as internalidades) no território de referência como os efeitos externos (as externalidades) nos territórios adjacentes não são controlados ou monitorizados por nenhuma entidade pública ou privada, ninguém procede nesse sentido e, assim, esses efeitos acabam mesmo por se fazer sentir em ordem dispersa com pouco ou nenhum efeito de aglomeração sobre um determinado território.

 

Notas Finais

Nos últimos anos, foi criado em muitas regiões do país, com o apoio de fundos europeus e nacionais, o que poderíamos denominar como o “embrião de comunidades inteligentes”: parques de ciência e tecnologia, centros de investigação, polos tecnológicos, centros de negócios, ninhos de empresas, incubadoras e aceleradoras de startup, espaços de coworking, uma rede de smart cities, uma rede de living labs, uma rede nacional de associações de desenvolvimento local, uma rede rural nacional, uma Startup Portugal, uma associação de business angels e fundos de capital de risco, hubs tecnológicos e criativos, para além de muitas associações empresariais de geometria muito variável.

É bom lembrar que a relação e interação entre tecnologia e território é algo ambivalente e nos territórios de baixa densidade com graves problemas de coesão territorial essa relação é mesmo muito problemática se não acautelarmos a convergência e retenção dos efeitos de fileira, de rede e aglomeração.

E porque é que isto acontece? Por ser baixo o valor acrescentado da programação territorial, por faltar, justamente, um ator-rede ou uma curadoria territorial que cuide de saber e praticar que o todo é maior que a soma das suas parcelas.

Não há smartificação das CIM e coesão territorial que resistam a estes efeitos difusos e dispersivos. Muitos dos efeitos externos das entidades que referimos não são monitorizados e, mais tarde ou mais cedo, acabarão por perder-se na secura e na fragilidade dos tecidos empresariais municipais e intermunicipais.

Finalmente, num país com recursos escassos, por opção política, podemos ser tentados a fazer “uma simples política de mitigação e remediação” em territórios de baixa densidade. Em definitivo, não me parece que possamos denominar de comunidade inteligente aquela comunidade que se limita a tomar medidas de mitigação e remediação impedindo esses territórios de aceder a uma 2ª oportunidade de desenvolvimento.

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