Pediu um mar com que idade?

Lagos tem muitos exemplos de mares de outrora

Quando se dirige uma instituição de promoção da cultura científica, como é o caso do Centro Ciência Viva de Lagos, é frequente sermos convidados para mesas redondas e intervir em debates.

A mesa redonda para que fui convidado, hoje, dia 11 de Outubro, tem como título “Lagos e o Turismo de Mar”, tendo-me sido dito que deveria opinar sobre estes dois temas.

Tenho destas coisas, aceito, pois o Centro tem um papel importante na oferta cultural lacobrigense e, como digo à minha equipa, “Tão importante é fazer bem, como divulgar o que fazemos”.

À medida que o tempo ia correndo, constatei que esta mesa redonda iria integrar “empresários, empreendedores, jovens e stakeholders” e o mar de esperanças que tinha em promover o Centro foi recuando, qual anti-tsunami. Parecia-me daqueles encontros muito genéricos, em que a honesta bondade de se ter muitos parceiros distintos pode acabar em meros sorrisos e frases conciliadoras, reveladoras das distâncias e diferenças existentes.

Mas tinha aceite. O turismo e o mar? Dissertar sobre o assunto e sobre a inegável importância dos dois era uma tarefa que me parecia impossível de tão evidente. Mas os anos de professor e de comunicador de Ciência têm destas coisas – dar a volta e falar sobre o assunto ainda que da forma menos óbvia.

Quando um turista chega a Lagos, há duas coisas que não consegue deixar de ver e ouvir: o mar e as gaivotas. Como a conferência não era sobre as implicações ornitológicas do excesso das galfoeiras, decidi pensar “e que tal mostrar o mar de Lagos de há 120 ou 20 milhões de anos ou mesmo falar como era a baía da cidade há 3000 ou 400 anos?”.

A verdade é que, quando pensamos em turismo e mar, há imagens mentais que é impossível afastar: praia, pesca, peixes, barcos, …
Na verdade, Lagos está cheio de mares de há milhões de anos, restos de seres marinhos que habitaram os fundos marinhos noutras eras e provas pétreas de avanços e recuos da linha de costa, em passados mais ou menos recentes. E é por aí que irei.

Se os turistas, quando visitam as maravilhas que a erosão marinha originou na Ponta da Piedade puderem, para além do gozo visual e da qualidade do serviço do operador, usufruir de uma camada extra de informação, a experiência turística será necessariamente superior.

Concretizo: as rochas da Ponta da Piedade foram formadas em fundos marinhos com milhões de anos (grosso modo entre os 20 e os 7 milhões de anos), mares de águas mais quentes do que as atuais, numa época em que a linha de costa estava dezenas de quilómetros para o interior. Já está diferente a viagem à Ponta da Piedade?

Esta camada adicional de informação científica contribui para que o valor estético e cultural desta área seja ainda mais enriquecido. Se apresentarmos ainda o património paleontológico riquíssimo aqui presente, de dentes de enormes tubarões, de peixes extintos ou mesmo de corais fósseis, há algum operador ou especialista em turismo capaz de negar que a experiência da visita seja maior do que o mero olhar das rochas erodidas?

Mas Lagos tem mais exemplos de mares de outrora.

Quem está no topo da Ponta da Piedade, a cerca de 40 metros de altura, tem os pés assentes num fundo de mar quente, de pouca profundidade, de uma época denominada Miocénico. Para a direita e de frente para ao mar (a oeste), conseguimos vislumbrar uma das extremidades da praia de Porto de Mós.

Se estivéssemos a ver o filme da história da Terra, era como se tivéssemos saído durante algum tempo do cinema. É que passamos de rochas com 20 milhões de anos da Ponta da Piedade para rochas muito mais antigas das arribas de Porto de Mós, datadas do Cretácico inferior, com aproximadamente 120 milhões de anos. Perdemos parte do filme geológico. Este salto de 100 milhões de anos é materializado pela falha de Porto de Mós.

E a praia da Luz? Há história marinhas que cheguem e sobrem para várias novelas de turismo científico. Da rocha negra, prova palpável da existência de vulcanismo há aproximadamente 70 milhões de anos, às intercalações de camadas rochas coloridas que mais não são do que provas dos muitos avanços e recuos da linha de costa, de mares passados que depositaram aquelas cores, permitindo imaginar ambientes naturais há muito desaparecidos. E tudo há milhões de anos, a mesma idade que tem a concentração de Nerinea algarbiensis, gastrópodes fósseis, que nos olham dos arenitos da ponta oeste da praia da Luz. Sem dúvida um património natural com potencial turístico.

Quando conhecemos alguém, o seu passado não é imediatamente percetível, desconhecemos o passado que o moldou, física e emocionalmente. Temos que conhecer mais do que a cara nos mostra.

Analogamente, quando contemplamos o mar da Baía de Lagos, apenas vislumbramos o presente, entre o rebentar de uma onda e outra.

Mas podemos olhar, para o passado, para a Ponta da Piedade ou ir a Porto de Mós ou mesmo à Praia da Luz, para sentirmos que o mar já aqui esteve e deixou marcas que podem e devem ser fruídas e apreciadas, juntando e preservando o Turismo e o Mar.

Ou melhor, os mares. Pediu um mar com que idade?

 

P.S. – das melhores e mais frutuosas experiências que tive recentemente no que ao Turismo e Mar diz respeito, foi o pedido de um operador turístico de Lagos para que desse uma breve formação geológica e paleontológica à sua equipa.
Não foi só o facto de constatar que existem operadores turísticos interessados em valorizar, quer a sua oferta, quer a formação da sua equipa, que me deixou contente.
Foi sobretudo constatar que aqueles homens e mulheres, batidos de muitos anos de visitas marítimas, ainda tiveram a capacidade de me ouvir e estavam sequiosos de saber mais.
Se quem vê todos os dias, quer saber mais, imaginem os turistas…

 

Autor: Luís Azevedo Rodrigues, diretor executivo do Centro Ciência Viva de Lagos
Paleontólogo, Comunicador de Ciência

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