A minha escola

A escola é esse lugar de transmissão de saber, de entendimento, de sentido de justiça

A Paideia, na antiga Grécia, era um processo de transmissão de cultura, de aceitação de valores ancestrais, que incluía a compreensão do belo, das artes, do desporto, da literatura, da civilização – o “belo e bom”.

Platão dizia mesmo que «a essência de toda a verdadeira educação ou paideia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento1».

E os mestres que acompanhavam as crianças na sua aprendizagem eram os pedagogos. Mais tarde, estabelecer-se-iam novas formas de ensino, mais estruturadas e dependentes da alfabetização e surgiriam as Academias e os Liceus.

A verdade é que, desde sempre a educação foi uma das preocupações centrais das sociedades, quer ocidentais, quer orientais. Confúcio, o grande mestre chinês que viveu no séc. IV a. C., também entendia que era determinante para um professor desenvolver o carácter e a humanidade dos seus alunos, falando constantemente de “benevolência” ou “humanismo” e da formação de homens de reputação impecável, que se tornariam capazes de edificar o Estado ideal.

Comeinus, Rousseau, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire são nomes que permanecerão como referências do pensamento na área da Educação, brilhantes estudiosos e modificadores da escola e da sua conceção como um espaço de crescimento, de construção das personalidades.

Mas a verdade é que, quando penso num professor, a imagem que me vem à cabeça é aquela que me é mais próxima, quer porque na realidade tal aconteceu, quer pelo afeto: é a da minha mãe. Docente do 1º Ciclo do Ensino Básico toda a sua vida, foi ela quem me ensinou a ler, a escrever, a contar, porque foi ela a minha professora nesse período escolar.

Foi não só a pessoa que de facto me motivou no meu caminho de aprendizagem, mas também o grande modelo que tive quando dei aulas e formação.

E posso orgulhar-me de dizer que pela minha vida de aluna e em todos os graus de ensino tive a honra e o privilégio de contactar com grandes professores, mestres não somente das suas áreas de saber, mas da vida, porque com todos aprendi mais do que Português, ou Inglês, ou História, ou Filosofia, ou Comunicação, ou o que fosse.

Alguns tornaram-se, mais tarde, meus colegas, durante os 12 anos em que também eu procurei transmitir o que havia aprendido e despertar nos jovens, a quem ensinei, o desejo da descoberta.

Encontrámo-nos na escola onde fui aluna e onde regressei como docente: a Escola Secundária de Silves. Este espaço, tão familiar para mim e para outros que continuamos a chamá-la de “a minha escola” fez 100 anos por estes dias.

Visito-a muitas vezes por obrigação de ofício, já que nas minhas atuais funções, acabo por desenvolver atividades com esta instituição e sempre que lá entro o meu cérebro leva-me num flashback acelerado, como num filme fantástico, em que ora sou a miúda certinha, mas com uma dose de irreverência irritante para alguns, que não fazia parte de nenhum dos grupos “dos mais populares”, ora sou a professora acabada de chegar, que entra pela primeira vez numa sala de aula, onde a esperam estudantes quase da sua própria idade e que hoje (muitos deles) são colegas de trabalho e amigos.

Olho para aquelas salas – agora bastante diferentes das salas onde estudei – e percebo a voracidade do tempo e do progresso e isso não me entristece, pelo contrário.

Olho para as pessoas que ali circulam – e que, ao cruzarem-se comigo, continuam a cumprimentar-me com uma amável bom dia ou boa tarde, professora – e não consigo deixar de sorrir, porque estão ali contidos muitos minutos, muitas horas, muitos eventos da minha vida.

Olho para os alunos de agora e continuo a ver os que foram meus alunos, a ver-me a mim própria com a idade deles, com a mesma vontade de agarrar o mundo e o mesmo medo de não cumprir a totalidade dos sonhos sem tamanho que carreguei.

Sou dali e não sou, porque ali fui e já não aconteço quotidianamente, como o toque da campainha da primeira aula da manhã, ou o da saída para o refeitório, apressada para não ser a última da fila. Sou parte anónima da história daquele espaço, como milhares de outros.

Mas ele não é parte anónima de mim, porque essa é a grande herança de quem teve uma boa Educação. É esse o legado da Escola Secundária de Silves, destes seus 100 anos de existência: permanecer nas vidas de pessoas que já não estão ali, mas que a carregam pelo mundo, nos seus empregos e nas suas casas, pondo em prática o que aprenderam, sendo, como diziam Confúcio e Platão, benevolentes e humanos, respeitadores de todos, competentes, contribuintes diretos e inalienáveis da nossa sociedade.

E esse é o motivo que nos deveria juntar para celebrar esta escola, todas as escolas do mundo, todos os professores e alunos e auxiliares de ação educativa e funcionários administrativos de estabelecimentos de ensino.

O que fica, depois de tudo o que é transitório e perecível, é o saber. E o que fazemos dele determina o rumo do mundo. Se não houver quem nos transmita o saber, quem nos conte o que aconteceu, como e quem o fez, quem construiu algo, um lugar, como faremos? Se não respeitarmos quem pode fazê-lo, que noção teremos de tudo, de nós mesmos?

A escola é esse lugar de transmissão de saber, de entendimento, de sentido de justiça e uma escola onde verdadeiramente se constrói o futuro é aquela que sabe celebrar este processo, onde mais que festas passageiras, de saudosos reencontros – que são sempre bons! -, se tem verdadeira memória e essa é transmitida às novas gerações com vigor, com a capacidade que só a educação tem de se reinventar e acompanhar as mudanças, mas com assertividade e promovendo a capacidade de reflexão e o sentido crítico.

Foi um tempo especial da minha vida, esse em que frequentei a Secundária de Silves. Ser aluna foi uma verdadeira aventura de crescimento físico, intelectual, emocional e, apesar das dificuldades que todos os jovens estudantes sentem, apesar de momentos de maior ou menor sucesso, na verdade esse foi o tempo mais mágico da minha vida.

E foi com tudo o que aprendi que pude ser professora e ser o que hoje sou.

Parabéns à “minha escola” e a todos os que fizeram, fazem e continuarão a fazer dela esse lugar fascinante!

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