A abstenção nacional: causa ou consequência?

Não será também o voto um desses direitos/deveres importantíssimos?

“A política, longe de me oferecer encantos ou compensações, converteu-se, para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros”.

Neste dia, há 149 anos, nascia Manuel Teixeira Gomes, sétimo presidente da República Portuguesa, em Portimão, a cidade onde escolhi viver e dar o meu contributo de cidadania, envolvendo-me ativamente na política local e regional. Devo alertar para a minha ideia de política: uma visão de como devem estar organizados e administradas as partes de um Estado.

A identificação com o estado de aparente desilusão de Manuel Teixeira Gomes com que iniciei este texto não reside no sentimento pós-Europeias que me assiste (afinal de contas o que poderemos dizer quando muitos portugueses desconhecem os programas eleitorais dos partidos que foram a votos?), mas antes no problema, endémico e estrutural, da abstenção.

Para quem acha que vou oferecer uma solução milagrosa ou um sortido completo de cremes que erradicam a abstenção, pode ficar por aqui na leitura. Não há uma solução fácil e mesmo as soluções “difíceis” podem demorar pelo menos duas gerações a produzir efeitos. Posto isto, a sociedade (sim, todos nós que vivemos numa Nação e temos uma administração política) considera que é mais fácil resmungar e assobiar para o lado.

Os fatores que provocam a abstenção são inúmeros e das mais variadíssimas ordens e não irei pronunciar-me sobre eles, mas estou em crer que será mais fácil outro tipo de análise, pois podemos englobar a maioria dos portugueses abstencionistas em três grandes categorias de eleitores: os que não querem ir (seja qual for a motivação, frequentemente estas pessoas consideram que não aparecer será entendido como um protesto, havendo no entanto uma vontade implícita – a de não votar), os que não podem ir (trabalho, doença, causas naturais, as possibilidades são infinitas) e os que simplesmente não lhes apetece (praia, jogos, piscina, séries, o céu é o limite das desculpas).

Um dos factos curiosos, a julgar pelos habituais comentários na comunicação social e nas redes virtuais, é a crença comum que os abstencionistas da 1ª e 2ª categorias têm que há uma diferença entre eles e os abstencionistas da 3ª categoria. Não há. Podem achar que há tudo quanto quiserem, mas não há. Por isso, quando se fala em abstenção aparece o valor de 68% e não uma divisão tripartida de vontades.

Curioso é também o facto de que, à medida que o mundo se torna progressivamente complexo, menos intervenientes se tornam os seus habitantes. Tudo se tornou burocratizado, segmentado e difícil. Nos mercados, proliferam os nichos. Nas instituições, aumentam as secções, departamentos, agências e os grupos. Nas carreiras, reorganizaram-se estruturas e escalões.

A par disto, o segmento de mercado que vende o mundo virtual explodiu, desdobrando-se em milhares de formas inteligentes de fazer com que esqueçamos a nossa realidade e vivamos o que não existe. E ainda nos perguntamos porque é que 45% dos portugueses nem sabiam o que elegiam este domingo?

Mas a pergunta inicial mantém-se: será a abstenção uma causa de múltiplos fatores? Ou será antes uma consequência de um mundo cada vez mais desligado?

Neste momento, impõem-se outra nota para ponderarmos: há quem advogue o sistema de voto obrigatório.

Neste ponto, como em todos aqueles que são fraturantes da nossa sociedade, as opiniões divergem.

A verdade é que já existe voto obrigatório em alguns países europeus, como a Bélgica e o Luxemburgo. Ninguém se sentiu ofendido por isso.

A verdade é que os 12% de abstencionistas belgas e os 14% de abstencionistas luxemburgueses tiveram de justificar a sua falta o que, e retomando a categorização tripartida que propus anteriormente, será a percentagem que se insere na 2ª categoria.

A verdade é que os nossos pais e avós se bateram para conquistar o direito ao voto e esse direito, como tudo o que é frágil e sensível, tem de ser protegido e nutrido.

Confesso que não sou apologista da obrigação como molde mental de vontades coletivas. Considero que possa haver casos em que, temporariamente, deva existir uma proteção de determinadas vontades por forma a que se enraízem socialmente e depois se perpetuem.

Neste caso específico, sou a favor da obrigação do voto.

Em primeiro lugar, porque contribuiria para uma redução gigantesca da abstenção.

Em segundo lugar, porque separaria os cidadãos que estão descontentes dos outros, pois teriam, por exemplo, a forma do voto em branco para demonstrarem a sua indignação.

Em terceiro lugar, porque equilibraria a balança e mitigaria a perpétua desresponsabilização do cidadão comum das decisões que têm implicação direta no seu presente e futuro. A conversa do “são todos iguais e não fui eu que os pus lá” teria os dias contados.

Em quarto e último lugar, porque o voto passaria a ser visto com a carga mista que deve ter: um direito/dever. Temos outros direitos/deveres em Portugal que são obrigatórios, como o pagamento de impostos, pois são considerados importantíssimos para a manutenção da nossa sociedade, e não “sacrifícios inglórios”.

Não será também o voto um desses direitos/deveres importantíssimos?

 

Autor: Hugo Mariano
Professor e empresário agrícola

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