Mãos não faltam para ajudar nas escavações arqueológicas de Cacela

Resultados dos primeiros trabalhos de campo das novas escavações arqueológicas de Cacela-a-Velha foram apresentados em Faro

Há muitas questões para esclarecer e muita mão de obra desejosa de ajudar a descobrir as respostas. Os resultados preliminares da primeira campanha de escavações arqueológicas do projeto “Muçulmanos e Cristãos em Cacela Medieval: território e identidades em mudança” foram apresentados na Universidade do Algarve numa sessão que teve casa cheia.

E eram bem jovens aqueles que encheram completamente a sala de seminários da Biblioteca do Campus das Gambelas da UAlg, em Faro, do dia 26 de Fevereiro, para assistir à 1º sessão de um ciclo de palestras em que será divulgado o trabalho do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património da UAlg.

Afinal, uma das componentes deste projeto da Universidade do Algarve, da Direção Regional de Cultura e da Câmara de Vila Real de Santo António, que permitiu que as escavações arqueológicas regressassem a Cacela-a-Velha, é um campo-escola arqueológico.

Assim, foi com a ajuda de alunos da UAlg e da Simon Fraser University, do Canadá, mas também das escolas secundárias de Vila Real de Santo António e Pinheiro e Rosa, de Faro – estes últimos compuseram, em grande medida, a atenta plateia da palestra de dia 26 – que se recomeçou a desvendar os segredos de Cacela.

Só estudantes foram cerca de 40, mas, no total, foram mais de 50 as pessoas envolvidas nas escavações, que decorreram no último Verão.

Escavação de um esqueleto em Cacela Velha

Em 2018, a equipa de investigadores, coordenada por Maria João Valente (UAlg) e Cristina Teté Garcia (UAlg/Direção Regional de Cultura do Algarve), focou-se em duas novas áreas de escavação, criadas junto ao local onde haviam sido feitas as últimas escavações, onde se encontra o cemitério da primeira comunidade cristã desta localidade.

A ideia foi, por um lado, tentar perceber onde se encontrava a antiga Ermida de Nossa Senhora dos Mártires e os limites do cemitério que existiu, a partir do século XIII, na zona a nascente da atual aldeia de Cacela-a-Velha.

Por outro lado, quis-se desvendar mais sobre os vestígios mais antigos, da época islâmica, que existem no mesmo local, nomeadamente as «duas ruas largas e bem feitas, com sistema de escoamento de águas pluviais», ladeadas de edifícios, que foram descobertas, segundo Maria João Valente.

Após quatro semanas no terreno, não foi possível encontrar vestígios da ermida, mas foram descobertos vários esqueletos completos. Também foram parcialmente desenterradas ossadas pertencentes a uma mulher.

Foram, igualmente encontrados três recém-nascidos «enterrados com a população mais idosa», algo que não é muito usual. «Pela nossa experiência, os muitos novos não eram enterrados com o resto da população», explicou Maria João Valente.

E nem sequer faltou «um esqueleto de um gato», que, aparentemente, foi sepultado entre os humanos, algo também raro.

Agora, as responsáveis pelo projeto já pensam no futuro. «Continuamos à procura do cemitério islâmico, que é o que nos falta. No ano passado, só não fomos para a zona onde julgamos que ele existe, porque se tornava incomportável. Era muito complicado em termos logísticos. Pensamos que fica um pouco mais para cima, na zona da Várzea [a Norte da aldeia]», disse Maria João Valente, em declarações ao Sul Informação.

«Em 2019, vamos voltar ao local onde estivemos em 2018, para acabar a escavação, e vamos para a outra zona, onde esperamos que possa estar a necrópole islâmica», acrescentou a arqueóloga.

No próximo Verão, nas escavações que irão decorrer de 17 de Junho a 13 de Julho, as coordenadoras da investigação não vão poder ter tantos alunos, «porque não contamos com a equipa canadiana, que era autónoma e tinha o seu próprio alojamento, contamos apenas com o alojamento que a Câmara nos pode dar, que é limitado – não conseguimos ter mais do que 15 voluntários».

Os alunos da Simon Fraser University vêm ano sim, ano não. Ainda assim, continuam a colaborar, mas com trabalho de laboratório. «Temos uma aluna de doutoramento que vai fazer o estudo da população que estamos agora a escavar em Cacela», disse.

Entretanto, houve um prolongamento do prazo do projeto, que agora irá durar até 2022, um ano a mais do que se pensou, ao início.

«Originalmente, pensámos num trabalho com uma grande fortitude do ponto de vista da investigação, mas também havia a questão patrimonial. Agora, alargámos o prazo por mais um ano, não só para estabelecer mais este campo-escola, que achamos que é muito importante, mas também a vertente da partilha do conhecimento», referiu Maria João Valente.

Esqueleto de pessoa que foi enterrada com colar de pedras e uma grande pedra em cima da cabeça….quem seria?

A passagem do conhecimento para a comunidade «é o mais importante e é algo que, na arqueologia, falta muitas vezes. As pessoas sabem que existe, ouvem dizer que é bonito, mas, depois, não conhecem».

«Eu não gosto muito da ideia de fazer ali um museu tradicional. Penso que já há muitos museus no Algarve, alguns dos quais podem até receber exposições temporárias sobre Cacela. Mas seria importante que o local em si estivesse preparado para visitantes que, indo ao terreno, possam conhecer o património ali existente», acrescentou a investigadora da UAlg.

Cristina Tété Garcia, que há 20 anos reiniciou as escavações em Cacela-a-Velha, inspirada em incursões arqueológicas de Estácio da Veiga (século XIX) e de trabalhos realizados pelo arabista Garcia Domingues, não escondeu a alegria de voltar a um terreno que conhece bem, mas com muito mais companhia.

«Foi extraordinário voltar ao terreno e sentir que o projeto evolui, que a equipa se alarga e há mais gente envolvida», disse ao Sul Informação.

A investigadora algarvia não tem dúvidas de que este novo projeto era necessário. «Há 20 anos, a Universidade do Algarve estava a dar os primeiros passos na área das ciências do património. Na altura, fui um pouco o cavaleiro solitário. Acabei por ter de ir buscar parcerias ao Campo Arqueológico de Mértola, para conseguir colocar especialistas no terreno», enquadrou.

«Agora, há uma maior maturidade e uma vontade imensa de criar equipas e passar o testemunho. Eu sei que ainda é cedo, mas já começo a pensar nisso. É preciso que isto tenha continuidade, pensar além de nós», concluiu.

Tendo em conta o entusiasmo demonstrado pelos jovens presentes na palestra, alguns dos quais nem esperaram pelo final da sessão para meter uma cunha para participar no campo-escola do Verão, não faltarão interessados em descobrir a história que está hoje escondida debaixo do solo.

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